Sunday, August 8, 2021

Paternidade na quarentena: o que mudou?

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331 Mat Capa Paternidade na pandemia (Foto: Divulgação)


 

Desde a chegada do novo coronavírus ao Brasil, em março de 2020, homens com o privilégio de trabalhar remotamente se viram confinados no espaço doméstico, sem ter como escapar da paternidade no escritório ou na mesa do bar. Muitos nunca haviam passado tanto tempo com suas crianças e parceiras, por falta de agenda ou de interesse. Bem, alguns apenas se trancaram com o computador em um cômodo e disseram algo como “Finjam que não estou aqui”. Outros abriram a porta e, ainda que com dificuldade, se dispuseram a uma profunda transformação.

Foi o caso do diretor de negócios de uma multinacional Fábio Nogueira, 35. Ele costumava sair para o trabalho quando a filha Luísa, 3, sequer tinha acordado e, quando voltava, ela já estava dormindo. As viagens internacionais eram comuns e podiam durar até dez dias. Ou seja, o convívio familiar mesmo se resumia aos finais de semana (leia mais na página ao lado). “Eu era coadjuvante na vida da minha filha”, diz. Para pais como ele, a quarentena representou um choque na rotina: do preparo das refeições à limpeza da casa, da assistência ao banho à lição escolar, do estímulo lúdico à contenção da birra...

“Muitos pais perceberam pela primeira vez como o trabalho do cuidado é contínuo, exaustivo e imprescindível para a sociedade”, afirma o psicólogo Marcos Nascimento, pesquisador do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz). Historicamente, essa função recai sobre ombros femininos, é desvalorizada e/ou não remunerada. Para 35% dos brasileiros, cabe aos homens, no “máximo”, “ajudar” a mulher a cuidar da casa e dos filhos, de acordo com uma pesquisa da Avon/Instituto Locomotiva.


 

331 Mat Capa Paternidade na pandemia carlos manoel com a esposa, cilly, e as filhas, maria eduarda e maria cecília (Foto: Divulgação)

 

As mulheres estão no mercado de trabalho há décadas, mas ainda se espera que sejam as principais (senão as únicas) responsáveis pela gestão do lar e da prole. A maioria das famílias brasileiras ainda se organiza pela dicotomia “pai provedor” e “mãe cuidadora”. Essa divisão entre os gêneros não é fruto de propensões biológicas, mas de uma construção social. “Homens também são capazes de cuidar, só precisam ser educados para isso como as meninas – que brincam de bonecas e têm referências de cuidadoras na família”, diz Marcos Nascimento.

O fisioterapeuta autônomo Carlos da Silva Manoel, 41, representa um perfil de pai mais tradicional e um contexto socioeconômico menos privilegiado. Ele nunca tirou férias nem dias de licença quando nasceram as filhas Maria Luiza, 5, e Maria Eduarda, 1, do casamento com a psicóloga Cilly Aloise, 41. Na pandemia, Carlos ficou apenas duas semanas em casa. Sua atual jornada de trabalho é de 12 horas na rua, com intervalo para almoço em casa. A esposa se dedica integralmente à família. “Ela faz comida, lava louça e roupa, arruma a casa, cuida das crianças, ajuda na alfabetização da maior. Eu faço as compras e pago as contas”, diz.


Mudanças à vista
Mas há uma nova geração de pais que se recusa a ficar no papel de provedor e/ou ajudante no cuidado com os filhos. Essa microrrevolução da paternidade “presente”, “afetiva”, “engajada” (enquanto a maternidade é autoexplicativa, como pontua o pesquisador da IFF/Fiocruz) parece ter sido acelerada pelo contexto da covid-19. Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade do Texas (EUA) descobriu que, antes da pandemia, 45% dos casais dividiam os cuidados dos filhos. Esse número subiu para 56% durante a quarentena. Dados da organização norte-americana Pew Research Center indicam que o pai médio hoje gasta quase três vezes mais tempo no cuidado com as crianças e tarefas domésticas do que costumava acontecer em 1965. Ainda assim, isso representa praticamente metade da dedicação feminina.

No Brasil, essas funções não remuneradas ocupam cerca de 11 horas semanais na vida dos homens ante 21 horas por semana das mulheres. Os números são da pesquisa “Pais em Casa”, realizada pela plataforma 4Daddy com mais de 1.500 famílias brasileiras entre maio e agosto de 2020. Enquanto 63% das mães passam mais de três horas por dia realizando trabalhos domésticos e cuidando dos filhos, apenas 37% dos pais declaram o mesmo. Mas o levantamento traz esperança: 22% das famílias entrevistadas afirmam que o tempo de trabalho não remunerado é dividido de forma igualitária entre os parceiros (ainda que os homens “prefiram” comprar alimentos a lavar roupas).

“Pais que já repensavam os papéis tradicionais e tinham interesse em assumir o trabalho do cuidado incorporaram novas funções a partir da pandemia”, afirma a especialista em sociopsicologia Camila Pires, coautora da pesquisa e mestranda de antropologia na Universidade de Paris. “Nesses casos, o isolamento social surgiu como uma possibilidade inédita de convivência, de estabelecer momentos de conexão e aumentar o vínculo com os filhos.” De acordo com um estudo da Universidade Harvard (EUA), de 2020, quase 70% dos pais se sentem mais próximos de seus filhos, e 54% estão prestando mais atenção aos sentimentos deles. Eles relatam ter conversas mais significativas, descobriram novos interesses em comum e compartilham mais sobre a própria vida.


Laços mais estreitos
“A Catarina foi meu tormento e minha salvação”, diz o jornalista Thiago Calil, 34, sobre a filha de 7 anos. Separado há três anos, Thiago compartilha a guarda da menina com a ex-esposa. Com o fechamento das escolas, ele chegou a mudar o horário de trabalho para dividir os cuidados com Catarina. O pai dava o almoço e acompanhava a primeira metade das aulas online na casa da ex, enquanto ela se dedicava à carreira. No meio da tarde trocavam, para ele trabalhar até meia-noite. Foi um período estressante, mas também muito gratificante: “Eu não teria participado de cada vitória da alfabetização, como fazer a letra B para o lado certo. Sabia que era o porto-seguro dela, que tinha orgulho de me mostrar para os amigos. Ela se sente mais protegida comigo, não fica pedindo pela mãe... estamos mais conectados”. Na pandemia, Thiago também apresentou seu namorado para Catarina.
 

331 Mat Capa Paternidade na pandemia thiago calil e a filha, catarina (Foto: Divulgação)

 

 

Nove em cada dez profissionais pais e mães afirmam que os vínculos com os filhos estão “fortes” ou “extremamente fortes”, de acordo com uma pesquisa da “Filhos no Currículo”, realizada no ano passado. Para a especialista em parentalidade Camila Antunes, cofundadora da consultoria, a qualidade da relação entre filhos e pais impacta na autoestima, na confiança e na capacidade de expressar os sentimentos.

Assim, pode prevenir depressão, ansiedade e outras questões de saúde mental. O convívio com as crianças também pode desenvolver habilidades como paciência, tolerância, priorização, empatia e criatividade.

A maioria dos pais atuais não teve referências de paternidade amorosa, participativa, igualitária. A figura clássica do pai remete ao chefe de família mais ausente para trazer o sustento, com poucas demonstrações de afeto ou fragilidade. Há um conflito de gerações e, na opinião do psicólogo Marcos, crianças com pais que assumem o trabalho do cuidado compreendem que isso é coisa de homem: “Abrem-se novas perspectivas para as gerações futuras”.

Atenção, empresas!
Camila Pires acredita, no entanto, que a paternidade ativa só conseguirá “furar a bolha” à medida que a sociedade civil se engajar para incluir os homens na economia do cuidado. Na prática, isso significa redistribuir tarefas e reduzir a sobrecarga das mulheres. Uma legislação que garante apenas cinco dias de licença-paternidade, por exemplo, leva a crer que o homem não é necessário ou responsável pelo cuidado do seu bebê. Esse foi o tempo que o profissional de marketing Felipe Pontual, 33, autor do blog Sonhei Ser Pai, teve para se dedicar integralmente ao puerpério do filho Martin, 3. A experiência com Teresa, nascida em abril deste ano, está sendo bem diferente: “Ela mama e vem dormir no meu colo, mesmo que eu esteja trabalhando. Consigo fazê-la rir e se acalmar. Demorei mais tempo para me conectar dessa forma com Martin”.

Recentemente, algumas empresas anunciaram benefícios para os colaboradores pais. O Grupo Boticário ampliou a licença-paternidade de 20 dias para quatro meses, e a montadora sueca Volvo equiparou-a à licença-maternidade (até seis meses de afastamento pagos). Ambas incluem famílias homoafetivas e casos de adoção. Para Camila Antunes, essas decisões mostram empatia pelos funcionários e vontade de produzir impacto no mundo, como transformar a relação dos pais com seus filhos. “As crianças serão mais emocionalmente saudáveis com pais presentes. O colaborador estará mais feliz e, portanto, mais produtivo, eficiente e engajado”, diz.

Há quem aposte que o mercado de trabalho, assim como o exercício da paternidade, mudou para sempre. O período de confinamento trouxe um misto de cansaço e gratidão, fez com que muitos homens repensassem suas prioridades e considerassem o chamado “salário emocional” – como flexibilidade para levar as crianças à escola, jantar em família... Felipe Pontual, pai de Martin e Teresa, não consegue mais se imaginar na rotina que levava antes da pandemia e está aliviado que sua empresa não deve obrigar o retorno presencial. Fábio, pai de Luísa, pretende adotar um modelo híbrido – com mais dias trabalhando de casa do que no escritório: “Hoje percebo a importância de estar mais presente na vida da minha filha... esse tempo não vai voltar”. Nesses casos, vale a máxima “há males que vêm para o bem”. Não tem como discordar.


 

331 Mat Capa Paternidade na pandemia Fábio nogueira com a mulher, talita, e a filha, luísa (Foto: Divulgação)

 

“O vínculo com a minha filha é outro”

“Antes da pandemia, não conseguia participar da rotina da Luísa, porque trabalhava demais. Saía antes de ela acordar e voltava quando já estava dormindo. Apesar de exaustivo, aceitei o papel de provedor para proporcionar melhor qualidade de vida para a minha família. Em março de 2020, com a covid-19, transformei o quarto de hóspedes em escritório. Tive de adaptar meus horários para estar mais tempo com a Luísa porque minha esposa também trabalha, a escola estava fechada, não podíamos contar com as avós (pelo medo do coronavírus) nem com a nossa funcionária (dispensada para cumprir isolamento).

Assumimos as tarefas domésticas. Também foi desafiador conviver como casal, mas acredito que a relação se fortaleceu. Aprender a equilibrar a vida pessoal e profissional dentro do mesmo ambiente me ajudou a ser uma pessoa mais generosa. O vínculo com a minha filha é outro: organizo a minha agenda para levar ou buscar a Luísa na escola, dar o jantar ou o banho, brincar... ainda que isso signifique compensar a carga horária mais tarde. Hoje, ela sente a minha falta, quer ficar desenhando no meu colo quando estou trabalhando e já me pediu para levá-la ao banheiro durante uma reunião. Por isso, já aviso: “Talvez minha filha de 3 anos grite ou chore e eu precise interromper para atendê-la. Mas está tudo bem... isso faz parte da minha vida”.
 

Fábio Nogueira, 35, pai da Luísa, 3, diretor de negócios, casado com a empresária Talita Mattos, 35

A parceira
“Nos primeiros anos da Luísa, realmente fiquei mais sozinha. Agora, conseguimos dividir as tarefas domésticas e os cuidados com a nossa filha. Fazemos refeições em família e sobra mais tempo livre para mim, por exemplo. Semanas atrás, ele precisou viajar: ela chorou quando acordou e não o viu. Ele também sentiu nossa falta e voltou para casa mesmo tendo reservado um hotel.”

331 Mat Capa Paternidade na pandemia felipe pontual com a mulher, ana júlia, e os filhos, teresa e martin (Foto: Divulgação)

 

“Não consigo mais me imaginar naquela rotina ‘normal’”

“Nosso dia a dia pré-pandemia era o clássico “sai cedo e volta tarde”. O maior desafio do início da quarentena foi equilibrar a atenção ao Martin, então com 2 anos, ao trabalho e às tarefas domésticas. Foi uma jornada estressante. De repente, estávamos em casa tendo de lidar com uma criança em desenvolvimento e entediada. Além das culpas, tipo deixá-lo em frente à televisão para participar de uma reunião. Eu e Ana conversávamos sobre a agenda do dia seguinte para não marcarmos reunião no mesmo horário e ter alguém disponível para o Martin. Sempre quis dividir tudo com a Ana, mas tinha limitações reais de tempo. A pandemia me fez viver com meu filho vários momentos, como o desfralde... Hoje, entendo muito mais o que envolve o dia a dia de uma família e tenho mais empatia com a minha esposa. Então, ficamos grávidos durante o isolamento e a Teresa nasceu em abril. Foi uma experiência bem diferente do Martin, quando tive cinco dias de licença-paternidade. Agora fiquei 15 dias sem trabalhar e sigo em home office. Ela mama e vem dormir no meu colo. Demorei mais tempo para me conectar dessa forma com o Martin. Não consigo mais me imaginar naquela rotina ‘normal’, e acredito que o cenário atual é um gatilho para discutirmos o papel do homem e do pai.”
Felipe Pontual, 33, pai do Martin, 3, e da Teresa, 4 meses, profissional de marketing e autor do blog Sonhei Ser Pai, casado com a gerente de experiências Ana Júlia Novaes, 32

A parceira
“O puerpério do Martin foi difícil, Felipe não viveu quase nada no dia a dia e me senti muito sozinha. Em casa, a construção do vínculo com a Teresa foi bem diferente: às vezes, ela só para de chorar com o pai. Ele faz reuniões com ela no colo para eu tomar um banho ou fazer as coisas de casa — nos dividimos bem nisso também. Não topo voltar à vida ’antiga’  sem essa flexibilidade para estar em família.”



from Crescer https://revistacrescer.globo.com/noticia/2021/08/paternidade-na-quarentena-o-que-mudou.html

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