Thursday, August 19, 2021

Mariana Du Bois: "Há tempos não me encontrava comigo"

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Dia sim dia não me encaro numas questões profundas mas, uma rotina que envolvesse prazer, estímulo e diversão, havia tempo que não conquistava espaço para caber no meu dia a dia de mãe, mulher, profissional, ser animado.

 

 

 

Esporte ao ar livre (Foto: Pexels)

 

Isso porque a mãe foi se contentando em ter seus filhos se desenvolvendo saudáveis e felizes, e deixando que tamanha bênção, protagonista das bênçãos, desse conta de quase todas as faltas. No meu caso, um lance biológico e hormonal. Incorruptível. Mesmo com resistência, fui me desmontando em umas curvas desse caminho sem volta que é maternar.
Dando a preferência nas rotatórias.

Vejam bem. Nado de braçada na felicidade. Só me refiro à escassez de um "contentamento pessoal e intransferível". Desde que meu filho mais novo conquistou alguma autonomia, o rommate que me habita voltou a dar as caras. Com gana. E só eu sei como essa figura intimidada tem tentado se manifestar. Se exibir.

+ O que acontece quando a meta materna é sempre melhorar, se superar, transcender e resignar?

Há quase um ano descobri um novo esporte. Embora eu cultive o hábito de praticar atividades físicas todos os dias minha vida toda, algo que me desafie e me instigue ficou em suspenso nas minhas saudosas práticas de Vinyasa yoga, urgentemente depois da descoberta de uma hérnia cervical há uns cinco anos.

A atividade linda, fluida, que combinava respiração, concentração e estímulos de muitas ordens, se estagnou. Era o único prazer que eu dedicava exclusivamente a mim. E tal rompimento veio poucos anos depois do nascimento da minha primeira filha. Cheguei até aqui cuidando de mim, sim, mas me devendo entusiasmo.

 

Uma amiga querida vinha insistindo há tempos que eu entrasse em uma quadra de Beach Tênis para experimentar. E eu, que nunca tive intimidade com a raquete, olhava para meu tempo e decidia que ele tinha que ser produtivo, resoluto, não desafiador. Quiçá divertido.

E então, deparamos todos com a tristeza avassaladora da pandemia e a necessidade de novos hábitos. Portas se fecharam e as areias ao ar livre do Beach Tennis foram alçadas ao posto número 1 de espaço possivelmente seguro e salubre. Me rendi.

Vou pular expor a minha performance que se elevou há pouco da capenguice. Mas, descobri o meu futebol. Sacam? Pelada? Aquela compreensão sobre "hoje é dia de jogo".

Onde a figura segue sem amarras para dar um tempo de suas frustrações e obrigações, esquece sua falta de traquejo pra drible, sua performance pouco arrojada no campo, e se lança ao prazer de ser puramente instinto.

Ali, na areia, encontrei um monte de gente bacana, mas acabei me agrupando com minhas semelhantes; quarentonas, quase todas mães. Mulheres que jogam com a gravidade de uma carga igual a minha para equilibrar.

O novo não me trouxe conforto, mas me colocou numa posição de novata, de aprendiz.
Porque, se tem coisa a que nos moldamos quando somos responsáveis por vidas alheias, é no lugar de instrutores, na forma de educadores, mestres onipresentes. Ainda que aprendamos e cresçamos junto às nossas crias. Mas aqui, me refiro a ser iniciante de um caminho unicamente meu. Que só eu caibo. Solteira de culpa.

O desafio do novo me cutucou profundo e me acendeu, me expulsou do lugar comum da minha rotina. Me livrou do padrão automático e servil que andava minha mente. Tem embaralhado minhas conexões neurais corriqueiras. Descarregado um bando de hormônio delícia no meu organismo de mãe.

E a mulherada tem sido unânime; "me sinto me libertando da carga", "na quadra, não sou esposa nem mãe, sou autenticamente eu", "minha vida, é ser melhor pelos meus filhos, eu nunca mais havia me superado exclusivamente por mim", "sair do piloto automático, evoluir a cada jogo, é a maior vitória pra quem se propôs fazer algo novo e desafiador depois dos 40". Time de puro instinto rasgando a fantasia.

A maioria é levada pela novidade do esporte, pela prática ao ar livre, pelo pé na areia. E todas seduzidas pelo mesmo encanto; "o reencontro consigo". O novo me chegou como a abertura de um portal para tempos de inocência. Tem me parecido assim; ser novata, instigada, voltar a iniciar, é algo como dar uma renascida.

 



from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Mariana-du-Bois-Agora-eu-era-a-mae/noticia/2021/08/mariana-du-bois-ha-tempos-nao-me-encontrava-comigo.html