Thursday, August 19, 2021

Estudo de Harvard faz alerta sobre os perigos da matrícula escolar precoce

https://ift.tt/3z1QoKo

As crianças vão para a escola cada vez mais cedo e passam mais tempo no ambiente escolar do que nunca, afirma um novo estudo. No entanto, consequentemente, cada vez mais, elas precisam aprender desde cedo o conteúdo acadêmico que pode estar bem acima de sua capacidade de desenvolvimento. Prova disso, é que em 1998, 31% dos professores esperavam que as crianças aprendessem a ler no jardim de infância. Em 2010, esse índice saltou para 80%. Agora, espera-se que as crianças leiam no jardim de infância e se tornem leitores proficientes logo depois, apesar de pesquisas mostrarem que promover a alfabetização precoce pode fazer mais mal do que bem. 

+ TDAH: 5 sintomas que merecem atenção

 (Foto: CDC/Pexels)

 

 

Aumento alarmante de TDAH

Em seu relatório "Leitura no jardim de infância: pouco a ganhar e muito a perder", a professora de educação Nancy Carlsson-Paige e seus colegas alertam sobre os perigos do ensino de leitura precoce. "Quando as crianças têm experiências educacionais que não são adequadas ao seu nível de desenvolvimento ou em sintonia com as suas necessidades de aprendizagem e culturas, isso pode causar-lhes muitos danos, incluindo sentimentos de inadequação, ansiedade e confusão", alertou.

Mas, em vez de reconhecer que o problema é a escolaridade, culpa-se as crianças. Aquelas que não estão conseguindo acompanhar o planejamento são frequentemente rotuladas com um atraso de leitura e várias intervenções são prescritas para ajudá-las a se atualizarem. Na escola, se eles não estão ouvindo o professor e estão gastando muito tempo sonhando acordado ou se contorcendo em seus assentos, geralmente recebem o rótulo de TDAH — transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e, com frequência impressionante, são administrados medicamentos psicotrópicos potentes, defendeu a professora.

Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos relatam que aproximadamente 11% das crianças de 4 a 17 anos foram diagnosticadas com TDAH, e esse número aumentou 42% de 2003-2004 a 2011-2012, com a maioria das crianças recebendo medicações. Além disso, um terço desses diagnósticos ocorreram em crianças menores de 6 anos. Ao colocar crianças pequenas em ambientes artificiais de aprendizagem, separados de suas famílias por longos períodos de tempo, cumprindo um currículo padronizado e baseado em testes, é demais para muitos deles, e isso não deveria ser surpesa, defende ela. 

Estudo de Harvard

 

Diante disso, as novas descobertas de pesquisadores da Harvard Medical School confirmam que não são as crianças que estão fracassando, mas as escolas em que são colocadas cedo demais. Isto é, os pesquisadores descobriram que aquelas que começam a escola entre as mais novas têm uma probabilidade muito maior de obter o diagnóstico de TDAH do que as crianças mais velhas.

Nos estados norte-americanos estudados, em que a data limite de matrícula é 1º de setembro, as crianças nascidas em agosto tinham 30% mais probabilidade de ser diagnosticadas com TDAH do que seus pares mais velhos. “Nossas descobertas sugerem a possibilidade de que um grande número de crianças esteja sendo diagnosticado e tratado para o TDAH porque são relativamente imaturos em comparação com seus colegas mais velhos nos primeiros anos do ensino fundamental", disse o principal pesquisador do estudo, Timothy Layton.

Mas, à medida que os programas universais de pré-escola do governo ganham força, atrasar a escolaridade pode ser cada vez mais difícil para os pais. Iowa recentemente reduziu sua idade de escolaridade obrigatória para crianças de quatro anos matriculadas em um programa pré-escolar do governo. Enquanto isso, a cidade de Nova York expandiu seu programa pré-escolar para todas as crianças de três anos, exemplificou a Foundation for Economic Education.

Palavra de especialista brasileiro

Para o pediatra Fausto Flor Carvalho, presidente Departamento de Saúde Escolar da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), "o artigo é muito interessante, válido, mas é preciso ter clareza de que essa é uma realidade americana, portanto, um pouco diferente da brasileira". "A pesquisa fala que só 31% dos professores esperavam que as crianças aprendessem a ler no jardim de infância e, em 2010, esse índice saltou para 80%. Isso também pode ser percebido aqui no Brasil. Eu acho que a mudança que foi realizada no país de introduzir a pré-escola como o primeiro ano do ensino fundamental, que passou a ser  de nove anos, foi muito ruim. A maioria das escolas entenderam que o conteúdo programático da primeira série, que seria o segundo ano, deveria já ser aplicado nas crianças da pré-escola. Então, realmente há uma expectativa muito acelerada", explicou.

"Por outro lado, nota-se que as crianças estão mais rápidas. Antigamente, as crianças batiam palmas com 11 meses, e hoje já é possível ver crianças fazendo isso com 6 ou 7 meses. Assim como engatinhar, que acontecia aos 9 ou 10 meses, hoje já é possível ver aos 6 ou 7 meses. Então, temos uma estimulação precoce que não acontece somente na escola, mas na família também", disse. "No entanto, a gente sabe também que o aprendizado na infância é feito, basicamente, pelo brincar. É nele que a criança desenvolve a confiança de quem ela será e entende o relacionamento com o outro. E a gente percebe que na escola, o brincar faz parte do dia a dia, mas sempre com algum sentido, com alguma finalidade pedagógica. Mas é importante incentivar a criança a simplesmente brincar, não se preocupando tanto com as conquistas que essa criança vai ter", ponderou.

"Então, muitas vezes, realmente, boa parte das crianças que chegam com esse rótulo de TDAH da escola, não são hiperativas. Na verdade, elas estão ansiosas, cansadas, se opondo, às vezes, a figura de autoridade, justamente por estarem sobrecarregadas. A gente vê uma medicalização excessiva, mas não tanto quanto, por exemplo, nos Estados Unidos. A gente sabe que as medicações usadas no tratamento do TDAH têm efeitos colaterais sérios. Por isso, é necessário uma avaliação pedagógica global. A criança precisa ter espaço para ser criança, para brincar, conviver com os amigos, momentos só dela, tirar um cochilo em vez de brincar ou fazer atividade. A escola deve olhar de uma maneira mais ampla e menos exigente", finalizou.



from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Educacao-Comportamento/noticia/2021/08/estudo-de-harvard-faz-alerta-sobre-os-perigos-da-matricula-escolar-precoce.html