Thursday, October 28, 2021

Daniel Becker faz um alerta para a sociedade brasileira: é preciso cuidar da infância nesse momento

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Mais de um ano e meio depois, precisamos pensar nos novos caminhos que a pandemia nos coloca. Vivemos no momento uma situação bem melhor em termos de transmissão viral, uma cobertura vacinal que cresce rapidamente – apesar da sabotagem criminosa do governo federal – e, em alguns locais, as restrições começam a se afrouxar, mas com muita atenção aos cuidados básicos, como usar boas máscaras, especialmente em locais fechados e no transporte, e evitar aglomerações.

Crianças brincando na natureza (Foto: Kampus Production/Pexels)

 

Não voltaremos a um "normal" igualzinho, mas já podemos vislumbrar alternativas que nos devolvam – especialmente às crianças – os benefícios do bem viver, da saúde física e emocional, dos momentos mais felizes.

Sobretudo, precisamos entender que não é mais aceitável que crianças estejam trancadas em casa e afastadas da escola. Foi muito intenso o estresse tóxico que viveram na pandemia, com o confinamento com pais sobrecarregados, os medos e perdas, o excesso de telas, a falta da escola e da socialização. E elas mostraram as consequências com inúmeros sintomas de mal-estar físico e psíquico, chagando a quadros graves de depressão e ansiedade.

Por isso, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e o Instituto Alana, por meio do programa Criança e Natureza, uniram-se mais uma vez para elaborar um documento de alerta para pediatras, famílias e sociedade em geral.

A recomendação fundamental é a mesma que venho repetindo há anos: leve seu filhos – e toda a família – para brincar livremente na natureza. Esse é um antídoto fabuloso para os piores males vividos pelas crianças e agravados na pandemia. Os resultados você vai ver imediatamente na felicidade e bem-estar deles, no apetite do jantar e no sono profundo à noite. E os benefícios a médio e longo prazos estão claramente estabelecidos pela ciência, inclusive habilidades como melhor foco, atenção, memória, empatia, imunidade, capacidades cardiorrespiratória e de aprendizado e muito mais.

Sermos ativistas das cidades mais verdes – com mais praças e menos viadutos, mais bicicletas, ônibus e metrô e menos carros, com espaços acessíveis, iluminados e bem cuidados, com bons brinquedos, muitas árvores e segurança – é um pedido que a história nos faz nesse momento. Cidades assim têm menos catástrofes e enchentes, menos calor, mais bem-estar. Bairros verdes convidam para o exercício e a convivência, reduzem desigualdades, melhoram relações, trazem sensação de pertencimento, atraem turismo, biodiversidade, valorizam propriedades, aumentam a arrecadação municipal, ativam a economia. Vejam quantos benefícios incríveis a natureza nos traz, gratuitamente, como indivíduos e como coletividade.

Vamos combater a crise climática sendo felizes. Crianças e famílias, já pra fora!

O texto, aqui resumido, é o seguinte: crianças e adolescentes estão experimentando e sentindo o impacto da covid-19 de várias maneiras diferentes: mudanças na relação com a escola, maior permanência em casa com as famílias, aumento do tempo de uso de telas, assim como mudanças em sua saúde física, emocional e bem-estar. Pesquisadores em todo o mundo ainda tentam estimar os impactos emocionais, físicos e cognitivos do longo tempo de isolamento decorrente da pandemia e do estresse dentro das famílias.

 

Uma metanálise que avaliou dados de 29 estudos, incluindo 80.879 jovens de todo o mundo, concluiu que a prevalência de sintomas de depressão e ansiedade durante a covid-19 dobrou. As estimativas são da ordem de 25,2% para crianças e 20,5% para adolescentes.

No Brasil, uma pesquisa realizada pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal indicou que, na pandemia, 27% das crianças de 0 a 3 anos voltaram a ter comportamentos que tinham quando eram mais novas. Em outro levantamento também realizado pela Fundação Maria Cecilia em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, crianças da pré-escola, entre 4 e 5 anos, apresentaram sinais de déficit no desenvolvimento da expressão oral e corporal na avaliação dos educadores.

Uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre os impactos da pandemia em adolescentes apontou que 48,7% têm sentido preocupação, nervosismo ou mau humor, quase sempre. Aumentou o consumo de doces e congelados e o sedentarismo: 43,4% não faziam 60 minutos de atividade física em algum dia da semana, contra 20,9% antes da pandemia.

Menina desenhando na natureza (Foto: Allan Mas/Pexels)

 


Já bastante confinados antes da pandemia, as crianças e adolescentes ficaram ainda mais sedentários e perderam as poucas oportunidades que tinham de brincar, praticar atividades físicas e conviver entre si, do lado de fora, vinculando-se com a natureza e com a vida. Por isso, precisaremos de todos os esforços possíveis a fim de mitigar os impactos da pandemia e fortalecer essa geração que irá enfrentar tantos desafios, incluindo os impactos das alterações climáticas, a desigualdade social e econômica, e as consequências das rápidas mudanças tecnológicas.

Há evidências sólidas de que criar e possibilitar o acesso de crianças, jovens e famílias a espaços naturais diversos e acolhedores pode contribuir muito para a recuperação de sua saúde e bem-estar, bem como para o fortalecimento de vínculos e conexões sociais. Afinal, as áreas verdes são soluções baseadas na natureza não apenas para as questões ambientais, mas também para a melhoria da saúde pública. Simultaneamente, aumentar o número de áreas verdes conservadas e distribuí-las de forma mais equânime no território nos ajudará a construir uma cidade mais segura, sustentável, resiliente, includente e solidária.

As atividades físicas, naturalmente desenvolvidas em contato com a natureza, apresentam potencial para reduzir a gravidade das infecções por covid-19 pelos efeitos positivos dos exercícios sobre a imunidade, hábitos de sono, pressão arterial, controle do peso, glicemia e infecções respiratórias virais. Adicionalmente, os benefícios para a saúde mental são enormes, desde a redução do estresse contínuo e dos sintomas de depressão e ansiedade, com reequilíbrio hormonal do cortisol e sua repercussão no sistema imunológico e nas inflamações.

Um amplo estudo nacional desenvolvido no Canadá sobre as experiências e atitudes de crianças e jovens durante a pandemia, no qual meninos e meninas foram ouvidos, indica que o brincar e o acesso às áreas abertas e naturais – como ruas, praças e parques – foram apontados como fatores de influência para vivências mais positivas durante o período da pandemia, incluindo experiências escolares mais satisfatórias, maior bem-estar, mais atividade física, menos tempo de telas e menos estresse.

A pesquisa também ressalta a desigualdade relacionada ao acesso a esses benefícios. Crianças e jovens que vivem em apartamentos pequenos, longe de áreas verdes qualificadas, são em sua maioria negros e indígenas e vêm de famílias de baixa renda. No Brasil, essa desigualdade também é evidente, com a maioria da população vivendo em áreas urbanas, em contextos que vão desde crianças restritas aos playgrounds dos edifícios até territórios vulneráveis e sem acesso a áreas verdes e equipamentos públicos qualificados.

O reconhecimento do direito ao brincar e ao convívio do lado de fora, ao ar livre, em contato com a natureza, está fundamentado em diversos marcos legais ligados à infância e é reconhecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria como uma prioridade. Durante a pandemia, esse direito foi negado tendo em vista a necessidade de prevenir a transmissão viral. Agora é o momento de rever estratégias e trabalhar pela redução dos danos. Acreditamos que fomentar o acesso ao brincar e ao convívio social ao ar livre, sem aglomerações e sempre usando máscaras, ajudará a mitigar o longo impacto da pandemia na saúde e no bem-estar de uma geração de crianças e adolescentes.

 


 

 

Recomendações para os pediatras

– Orientar que as crianças e adolescentes tenham acesso diário, no mínimo por uma hora, a oportunidades de brincar, aprender e conviver com a – e na – natureza para que possam se desenvolver com plena saúde física, mental, emocional e social.

– Acolher famílias apreensivas e impactadas com perdas, traumas e medos, e avaliar junto aos pais e mães formas seguras de realizar atividades de lazer a céu aberto, ressaltando o efeito terapêutico e curativo que esses momentos podem trazer: procurar um local pouco visitado ou visitar parques e praças fora do horário de pico; usar máscaras; higienizar as mãos com frequência; evitar aglomerações; em caso de passeios em pequenos grupos com outras famílias e amigos, não compartilhar alimentos, bebidas e utensílios.

– Planejar com as famílias uma “dieta de natureza”, de forma que as crianças e adolescentes possam retomar o hábito de brincar e conviver ao ar livre de forma cotidiana e frequente: brincar no parquinho mais próximo pelo menos uma hora por dia; fazer um passeio ou caminhada na rua/praça/orla da praia ou lagoa uma vez na semana; fazer um piquenique num parque diferente uma vez ao mês, priorizando a alimentação saudável; e, eventualmente, planejar viagens para locais onde as crianças possam usufruir dos espaços abertos com autonomia, liberdade e segurança.

Recomendações para as famílias


– Priorizar toda e qualquer atividade de lazer e convívio social em espaços abertos, ao ar livre e com elementos naturais como grama, areia, terra, árvores e plantas, com os quais as crianças possam interagir dentro de seu próprio ritmo e tempo.

– Sugerir e incentivar que as escolas incluam aprendizagens ao ar livre nos protocolos de retomada das aulas presenciais. O uso de espaços ao ar livre, como pátios, quadras e jardins, apresenta-se como uma forma de diminuir os riscos de transmissão do coronavírus e, ao mesmo tempo, colabora na promoção de saúde e bem-estar dos educadores e estudantes.

– Manter os cuidados protetivos: usar máscaras de forma adequada, lavar sempre as mãos e/ou higienizá-las com álcool em gel, evitar aglomerações e festas e, em caso de quaisquer sintomas, ficar em casa e testar os envolvidos.

Recomendação geral

– Apoiar iniciativas da sociedade civil e políticas públicas destinadas a aumentar o acesso e o contato das crianças e das famílias, especialmente as mais vulneráveis, com a natureza, o ar livre e a conservação das áreas naturais.

O pediatra Daniel Becker participou do Painel Primeira Infância e o Cidadão do Amanhã (Foto: Sylvia Gosztonyi/ Editora Globo)

 



from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Daniel-Becker-Pediatria-integral/noticia/2021/10/daniel-becker-faz-um-alerta-para-sociedade-brasileira-e-preciso-cuidar-da-infancia-nesse-momento.html

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