A psicóloga e artesã Carla Alves Loto Crepaldi, 36, de São Paulo, sempre quis ser mãe. No entanto, precisou adiar seu sonho por duas vezes. Primeiro, quando descobriu um câncer de mama. Foi um ano e meio de tratamento, que envolveu quimio e radioterapia, além da remoção das duas mamas. "A gente não escolhe ter câncer, mas escolhemos a forma que vamos encarar todo esse processo", afirma.
Enfim, quando o câncer finalmente estava controlado, logo surgiu outro obstáculo: a pandemia de covid. "Os médicos pediram para eu esperar novamente", lembra. Em setembro do ano passado, finalmente veio o tão esperado "positivo". E quando Francisco nasceu, em maio, Carla sabia que não poderia amamentar. Por causa da localização do tumor na mama direita, foi necessário a retirada de toda a mama, incluindo as glândulas mamárias. De forma preventiva, os médicos orientaram, também, fazer a remoção da mama esquerda. "O fato de eu não amamentar não me torna menos mãe. Meu filho está aí, forte e saudável, e está tudo certo", disse ela.
Confira, abaixo, o depoimento completo de Carla:
"Me casei em 2013 e, no ano seguinte, meu marido e eu fomos para Cuiabá, Mato Grosso. E foi lá que, três anos depois, em 2017, recebi o diagnóstico de câncer de mama. Quando eu descobri o câncer, foi um choque. Ninguém espera esse diagnóstico, por mais que a gente saiba que todos estamos sujeitos. Mas, receber a notícia é sempre difícil. Então, no primeiro momento até que eu pudesse entender, foi bastante complicado. Em um primeiro momento, veio a questão de sobrevivência, do precisar estar bem. Precisava sobreviver a isso para ter saúde e ter meu filho. Vieram milhões de coisas na cabeça, mas eu busquei entender o que eu tinha: que câncer era aquele, qual meu prognóstico, quais são as possibilidades. Fui atrás de informações, precisava saber com o que estava lidando. Conversando com os médicos, fui entendendo e pensando que existiam muitas alternativas. Tínhamos um tratamento que tinha tudo para dar certo. Sou jovem, tenho saúde. Então, foquei em tudo isso. Dei início ao tratamento com toda força possível e sempre acreditando muito.
Na época, trabalhava em uma faculdade como psicóloga e decidimos vir para São Paulo. Me afastei do trabalho e meu marido deixou o emprego para me acompanhar. Foi um período em que foquei no tratamento, que consistiu nas quimioterapias — foram quase 5 meses —, depois fiz a cirurgia para a retirada das mamas. Ainda passei por sessões de radioterapia e um complemento de um quimio oral. Passei um ano e meio em tratamento — de setembro de 2017 até o fim de dezembro de 2018. Algo que me fez muito bem nesse período foi pintar, sou artesã e psicóloga de formação.
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Sempre pensei em ser mãe. Não sabia quando e não tinha uma programação exata, mas foi algo que sempre desejei. Eu e meu marido, quando casamos, sempre falávamos em ter filhos, mas, antes, queríamos realizar outras coisas. Quando começamos a pensar na possibilidade, foi quando descobri o câncer de mama, então tivemos que adiar. Após o tratamento, recebi a recomendação de esperar pelo menos dois anos para engravidar. O subtipo do tumor que eu tive era bem agressivo, comum em mulheres jovens, mas, ele tem uma rápida recidiva. Então, fiz a cirurgia para a retirada das mamas em abril de 2018. e esperamos esses dois anos para, então, fazer exames para que eu pudesse engravidar. Mas, em abril de 2020, chegou a pandemia de covid e pediram, novamente, para que eu esperasse mais um pouquinho, pois não sabíamos o que viria. Em agosto de 2020, refiz meus exames de controle e me liberaram para engravidar. Em setembro, eu já engravidei, no primeiro mês de tentativa.
Antes de iniciar o tratamento, congelei meus óvulos por recomendação da ginecologista, pois iria passar pela quimioterapia e o tratamento poderia prejudicar a fertilidade. Eu falo que o meu filho, Francisco, que está atualmente com cinco meses, estava ali, 'engatilhado', só esperando a hora de poder vir. Brinco que ele teve a 'liberação' e chegou. Durante a gravidez, eu não precisei de nenhum cuidado específico em função do câncer. Tive apenas que fazer uma ultrassonografia na mama e consultas com meus médicos. Nesse período, não pude fazer os exames de controle por causa do contraste, mas, também não foi necessário, pois eu já havia realizado um mês antes de engravidar, então os médicos estavam muito tranquilos em relação a isso.
Quando o meu filho nasceu, eu não pude amamentar e ainda não posso. Tive o câncer na mama direita e fiz a retirada do nódulo e do mamilo por causa da localização do tumor. Então, toda a mama, glândulas mamárias, tudo foi retirado. Também acabei retirando a mama esquerda de forma preventiva, achamos melhor assim. Não precisei refazer o mamilo e nem pele da mama esquerda, mas coloquei as próteses. Então, nesse caso, não teria como amamentar, porque não tenho mais nenhuma glândula mamária.
Eu não tive a possibilidade de amamentar, mas é uma questão que já estava resolvida na minha cabeça desde o início. Foi difícil, sim, mas, com o tempo, fui reelaborando e pensando mais nisso. Atualmente, é algo muito tranquilo. O fato de eu não amamentar não me torna menos mãe. Meu filho está aí, forte e saudável, e está tudo certo.
Em todos os momentos, o apoio da família foi essencial. Eu falo que esse suporte, carinho e atenção são tudo pra mim. O caminho é muito 'nosso' quando você descobre o câncer. Eu sabia que eu tinha que passar por isso, não tinha como ninguém passar por mim, as mudanças são no meu corpo e eu vou teria que viver. Mas, ter pessoas junto comigo nessa caminhada fez toda a diferença.
Sempre tive isso muito claro: veio para mim, então, vou enfrentar da melhor maneira possível. Ninguém escolhe ter câncer, mas escolhemos a forma como encaramos esse processo. E ter a família — especialmente o meu marido, que foi primordial nesse processo — foi essencial. Ele esteve comigo em todas as etapas do meu tratamento e, até hoje, em todas as consultas de controle. Meu marido viveu tudo junto comigo, assim como a minha família — meus pais, irmãos, cunhadas, sobrinha —, a família do meu marido e amigos. Muita gente vai mandando energia boa e dando suporte. Sozinha, não passamos por nada sozinhos. Todo esse apoio e carinho é primordial.
Para quem está vivendo o diagnóstico, o primeiro momento é mesmo desesperador. É aquela sensação de quando 'o chão se abre'. Foi exatamente o que senti quando peguei o resultado da biopsia. Quando vi que era um carcinoma, falei: ‘Meu Deus, é câncer’. É desesperador! Mas, aos poucos, as coisas vão ficando mais claras. Você vai às consultas e começa a entender o que tem, que doença é essa, quais são as possibilidades. Precisamos conhecer e falar sobre câncer. É difícil as pessoas falarem e até pronunciarem o nome da doença, mas precisamos. Se você está vivendo um câncer, conheça a sua doença e suas possibilidades.
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E o mais importante: você não é a doença, é mais do que isso. A doença é só uma parte da sua história. Mesmo para os casos mais difíceis, não falamos mais em 'cura', mas, sim, em 'controle' da doença. E existem muitas possibilidades dentro desse cenário. É muito importante lembrar disso. Para muitas pessoas, a 'cura' não é a possibilidade, mas o 'controle', sim. Precisamos lembrar dessas pessoas que estão vivendo para além do câncer. Viver para além disso. É importante viver uma etapa de cada vez. Hoje é quimio, amanhã é cirurgia, depois é radio. No caso da gravidez, por exemplo, eu sabia que não era hora de pensar nisso. Era hora de focar na minha saúde e no restabelecimento dela. Naquele momento, não tinha como engravidar. Uma coisa de cada vez, uma etapa de cada vez e sempre em frente.
A doença é apenas uma parte de você, ela não te define. Não é o corpo inteiro que está doente, é uma parte dele. Em 2017 eu estava vivendo um turbilhão de exames e, hoje, estou aqui olhando para o meu filho pela babá eletrônica e vivendo a loucura da maternidade. Nunca pensei no câncer como punição ou castigo e, sim, como a vida como ela é."
A descoberta de um câncer quase sempre vem acompanhada também de muita preocupação para as mulheres que têm o sonho da maternidade. Segundo o oncologista clínico Daniel Gimenes, do Grupo Oncoclínicas, de São Paulo, um dos maiores tabus entre as mulheres em idade reprodutiva que tiveram ou estão com câncer de mama é a gravidez. Ele explica que, a quimioterapia pode reduzir as chances de a paciente engravidar após o término do tratamento. "O câncer de mama, por si só, não promove qualquer interferência na fertilidade da paciente", diz.
Um estudo publicado no Journal of Clinical Oncology (JCO), em maio deste ano, acompanhou 7,5 mil mulheres que engravidaram após um câncer de mama. Os resultados mostraram que a gravidez não só não aumenta o risco de recidiva, como pode ajudar (e muito!) na redução da doença. "Essa é uma ótima notícia para as mulheres. Muitas pacientes que chegam com o diagnóstico de câncer de mama acreditam que o seu sonho de ter filhos pode ter acabado. Há o medo do tratamento levar à infertilidade, o que pode ocorrer, sim, mas não em todos os casos. Um ramo da oncologia, a oncofertilidade, lida diretamente com a questão", explica o oncologista.
Segundo o especialista, as mulheres que receberam o diagnóstico de câncer de mama não devem deixar de lado o sonho da gravidez. "Mesmo aquelas que não sonham em ser mães, veem essa possibilidade como um alento, como um respiro de otimismo", comenta. Mas, de acordo com o médico, vale lembrar que para cada tipo e tempo de câncer existem possibilidades diferentes. "A verdade é que o câncer não impossibilita a maternidade e, ao contrário, pode ser benéfica para a recuperação, tem efeitos psicológicos importantes para as mulheres. Afinal, literalmente, há (muita) vida pela frente", finaliza.
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