Hoje meu filho chorou. Um choro catártico, um jorro, uma descarga, uma explosão. Esse choro veio como um grito dissolvido nas lágrimas, que puxaram gritos de suas vísceras. Ele não aguenta mais. A aula online saturou, a saudade dos colegas e da escola como era antes fica ainda pior quando eles se encontram na versão presencial possível. Meu filho sempre foi muito sociável, sempre carregando com seus sorrisos um monte de crianças. Minha casa sempre foi aquela das portas abertas, com a mesa sempre posta e pronta para receber alguém que chegasse e fizesse um pit stop ali só para comer um bolo, filar um pão ou um pote de iogurte com granola entre uma correria e outra junto com a turma.
Ele chorou pela falta de tudo isso, e quando eu fui abraçá-lo, senti que eu também sentia essa falta. Eu sempre amei a casa cheia de crianças e a ausência compulsória delas me invade em um lamento sem tamanho. Chorei junto, choramos abraçados e ali ficamos, entre saudades e lutos, entre perguntas sem resposta (“mas isso termina quando mesmo?”) e o abraço que tudo aquece.
Chorar com o filho, ainda mais nesses tempos em que o choro de um é o choro do outro, é uma oportunidade de conexão que aparece como um dos alimentos mais poderosos para a alma conseguir atravessar a pandemia. Em algum lugar da cartilha da boa família, nos ensinaram esta fake news, que a figura de autoridade deveria ser sempre impávida e colossal, guardando para si as suas dores e os seus choros e oferecendo ao filho sempre a sua força. Quanto desperdício de vida. Não há história íntima que se preze sem a troca de vulnerabilidades em inesquecíveis rituais espontâneos de encontro de almas. Sem nenhuma programação, é dessas cenas que nos lembraremos vida afora. A pandemia é momento fértil – então, que seja para produzir memórias.
Para expressar o amor, basta reconhecer que o coração bate forte. Para se entristecer, tremer de medo ou gritar as raivas, o mecanismo é o mesmo. Todos esses fenômenos são demasiadamente humanos e nos ensinam como tudo muda o tempo todo no mundo interno que habitamos. Somos feitos de sensações transitórias, somos nuvens que passam do lado de dentro e precisam sorrir, chorar, gritar ou tremer do lado de fora. Quando essas nuvens encontram o sentimento de um filho, o resultado pode ser bem mais do que uma tempestade. Hoje meu filho chorou, eu chorei com ele, e juntos compusemos um arco-íris no céu de nossas lágrimas.
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