Manter a carteirinha de vacinação em dia é ainda mais fundamental em tempos de pandemia. Em um bate-papo nesta terça-feira (26), a editora-chefe da CRESCER, Ana Paula Pontes, e um time de convidados e especialistas falaram sobre a importância da vacinação na infância, na adolescência e na gravidez. Na conversa, apresentada pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e realizada pela CRESCER, foram discutidos também os desafios que o país enfrenta para manter o índice de imunização desses grupos em alta.
O primeiro tópico de discussão foi justamente sobre a diminuição das taxas de vacinação contra a pólio, o sarampo e a meningite entre as crianças. "Em 2016, o Brasil recebeu o certificado de país livre do sarampo, doença que traz uma série de complicações, como a pneumonia, a encefalite aguda e pode levar à morte. Em 2019, a gente perdeu essa certificação, após a confirmação de 18 mil casos de sarampo pelo país. E o motivo é a falta de vacinação", lembrou Ana Paula.
A infectologista Eliana Bicudo, assessora técnica da SBI explicou por que mesmo doenças consideradas controladas podem voltar a circular e a ser motivo de preocupação. "Essas outras doenças ainda não foram erradicadas no mundo. A única erradicada por enquanto é a varíola. E a gente viu agora, com a pandemia da covid-19, que bastaram alguns casos na China para ter uma disseminação mundial e causar a pandemia. A mesma coisa pode acontecer com outras doenças, como a poliomielite, por exemplo. Se tivermos uma série de pessoas suscetíveis, essas doenças graves podem voltar", disse.
Segundo a especialista, a melhor maneira de evitar que isso aconteça é garantir a vacinação em massa da população e das crianças. "Essa é uma responsabilidade social e, no primeiro ano de vida, quando as vacinas realmente estão focadas, é uma responsabilidade dos pais. O ideal é que, para qualquer doença prevenível com vacina, a gente esteja acima de 95% de cobertura vacinal", reforçou.
Pensando nisso, a atriz Naiumi Goldoni contou que fez um esforço extra para manter em dia a carteira de vacinação das filhas Maelle, 4, e Mavie, 1, mesmo durante a pandemia. "Com a minha primeira filha, eu ficava muito angustiada e tensa [com as possíveis reações], mas depois eu entendi que é isso: nos primeiros dias elas vão sentir um pouquinho os efeitos e que, com muito colo e muito carinho, depois vai passar. Os benefícios são muito maiores a longo prazo."
O conselho da infectologista Eliana Bicudo é justamente não perder a oportunidade de atualizar o cartão de vacinas de toda a família, mesmo que já tenham perdido o prazo de para a aplicação das doses. "O esquema necessita de reforço, da segunda ou da terceira dose para que a proteção aconteça, o calendário vacinal tem de estar completo. O sarampo já chegou, a difteria está nas nossas fronteiras... É um risco iminente e vai ser muito grave se [essas doenças voltarem] e isso acontecer, principalmente agora com essa cobertura vacinal baixa", defende.
Além do sarampo, da poliomielite e da difeteria, outras doenças correm o risco de voltar a circular com mais intensidade caso os índices de vacinação das crianças continuem baixos. Um exemplo disso são as meningites virais. Hoje, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece gratuitamente dois tipos de vacina contra a meningite: a meningocócica C, para menores de 5 anos, e a ACWY, para adolescentes de 11 e 12 anos. Nas clínicas particulares, além da meningocócica C e da ACWY, também é oferecida a meningocócica B, que protege contra outros sorotipos da doença.
De acordo com a infectologista, o medo de possíveis reações causadas pela vacina não deve impedir que os pais levem seus filhos aos postos de vacinação. "A meningo B, por exemplo, é muito reatogênica mesmo. A febre, a irritabilidade e a dor costumam aparecer depois de 6 a 12 horas da aplicação, mas dura um tempo curto. Ela é a única da qual já existem estudos que mostram que podemos prevenir esse desconforto com parecetamol sem perder o efeito da vacinação. Melhora muito o quadro febril e a irritabilidade da criança, e tranquiliza os pais", reforça.
A preocupação com o calendário de imunização deve começar muito antes do nascimento do bebê. É fundamental que, ainda durante a gravidez, a mãe mantenha sua carteirinha de vacinação em dia. "No Brasil, nascem cerca de 3 milhões de crianças por ano. Doze por cento (12%) dessa população que nasce é prematura. Uma das formas de evitar a prematuridade é a vacinação da gestante, porque, na hora que você vacina a grávida, ela passa anticorpos ativamente pela placenta para ir lá para o feto", explicou Rosana Richtmann, infectologista do Instituto Emílio Ribas e diretora do comitê de imunização da SBI, no segundo painel da live trasmitida nesta terça-feira (26).
Vacinar durante a gestação não só ajuda a proteger a mãe como também garantir que o bebê já nasça com imunidade contra algumas doenças. Entre os imunizantes recomendados para essa fase, a especialista reforça que alguns são essenciais. As vacinas contra a covid-19, gripe (influenza), hepatite e a tríplice bacteriana, que protege contra coqueluche, tétano e difteria, devem estar em dia. "A vacinação durante a gestação e em qualquer fase da gestação é fundamental. Se a mãe tiver qualquer uma dessas doenças, em qualquer momento, pode ser grave a evolução", disse.
Esse cuidado em seguir o calendário de imunização precisa ser mantido antes, durante e depois da gravidez. Se a vacinação é importante para toda a família, para os prematuros ela é ainda mais fundamental. "Nascer prematuro não é só nascer antes da hora, mas também estar mais vulnerável a infecções. Uma criança que nasce a termo teve muito mais semanas para ter a passagem ativa de anticorpos através da placenta e essa passagem se dá no final da gestação, em geral a partir de 28 semanas", destacou.
Quando o assunto é vacinação de prematuros, a recomendação é que as famílias sigam a idade cronológica do bebê, independente de com quantos meses a criança nasceu. Foi exatamente isso que fez a atriz Sabrina Petraglia, mãe de Gael, 2, e Maya, 10 meses. "Eu fiquei bastante confusa em relação a isso. O Gael nasceu com 34 semanas e ninguém me preparou para ter um filho prematuro. Eu queria atrasar a vacina e a pediatra me falou 'não, a gente começa já'. Então, logo de cara já começamos o processo de vacinação, porque eu queria que ele ficasse protegido. E essa proteção foi fundamental para que ele se desenvolvesse bem e pudesse estar aí hoje sem nenhum tipo de problema", lembrou.
O desafio de vacinar os adolescentes foi o tema do terceiro e último painel de discussão da live. O infectologista Alexandre Shawarzbold, do Serviço de Controle de Infecções do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Maria (RS), pontuou que, se na infância e na gravidez os índices de imunização vêm caindo, entre os adolecentes o cenário é ainda mais crítico.
"Os dados das vacinas tipicamentes da adolescência, como a da meningite e do HPV, mostram taxas muito preocupantes de adesão. Essa é uma faixa etária bastante delicada, porque é um período da vida de muitas mudanças e muitas descobertas, além de ser uma idade muito suscetível às fake news e o que é visto nas redes sociais. Às vezes acredita-se muito mais no que diz um amigo, nesse processo de aceitação grupal, do que num médico de uma sociedade importante", disse.
Segundo o infectologista, essa desconfiança faz com que as taxas de vacinação contra o HPV, por exemplo, que protege contra o câncer de colo de útero, não atingam o mínimo de 80% da população imunizada, a porcentagem de cobertura vacinal necessária para frear o vírus. "Na primeira dose, as taxas são de 70% na primeira dose. Mas na segunda dose esse número cai para próximo de 40 ou 50%. Ou seja, mais da metade das meninas na faixa etária que devem se vacinar contra o HPV não se vacinaram. Entre os meninos é pior, mal chega a 40% de adesão", reforça.
O ator e comunicador Leonardo Dacardia, de 20 anos, é um exemplo disso. Ainda que tenha se vacinado contra o HPV na rede privada, ele confessa que se sente uma exceção. "Conheço poucos meninos da minha roda de amigos que tomaram. A maioria nem sabe que a vacina do HPV também é para homem, eles acham que essa é uma questão só para as mulheres."
Alexandra explica que isso acontece porque os meninos ainda têm dificuldade em enxergar a repercussão da infecção causada pelo HPV, sobretudo o câncer. "Ele é muito mais comum nas meninas do que nos meninos. Mas, além de transmitirem o vírus para as meninas, eles próprios podem ter câncer peniano, fora as doenças sexualmente transmissíveis", pontua. Na rede pública, a vacina contra o HPV está disponível para meninas de 9 a 14 anos e para meninos de 11 a 14 anos, num esquema de duas doses, com um intervalo de 6 meses entre elas.
Outra vacina disponível gratuitamente nos postos de saúde para adolecentes de 11 a 12 anos é a meningocócica conjugada ACWY. "A meningite tem uma alta letalidade, de 20%. Ou seja, 1 a cada 5 pessoas morre ao adquirir a doença. E o adolescente é um grande portador do germe e é um transmissor importante, por mais que ele não desenvolva a doença de forma grave. Isso pode representar um grande risco", finalizou.
Confira a live completa abaixo (ou clique aqui):
Quer ter acesso a conteúdos exclusivos da Crescer? É só clicar aqui e assinar!
from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Saude/noticia/2021/10/especialistas-falam-da-importancia-e-dos-desafios-da-vacinacao-de-criancas-adolescentes-e-gravidas-no-brasil.html