“Estava de férias com meu filho João, na época com 4 anos, quando notei algumas alterações na pele dele. Lembro que, naqueles dias, meu marido não pôde viajar, então, arrumei outro jeito de a gente aproveitar esse período. Primeiro, fomos à casa de uma amiga em Águas de São Pedro, interior de São Paulo. Poucos dias antes de voltarmos, começaram a surgir bolinhas na pele do meu filho. Como ele tem dermatite, achei que tivesse a ver com isso. Comecei a passar mais hidratante, acreditando que ia melhorar, pois essa é a recomendação para tratar dermatite. Lembro de ter levado o João para mergulhar nas águas ‘especiais’, já que a cidade é uma estância hidromineral e, dizem, lá tem várias águas medicinais.
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Voltamos do interior, ele foi para a escolinha para ficar meio-período. Mesmo de férias, precisava resolver algumas coisas, e ele ficava bem lá. Até que uma amiga de Natal (RN) e a filha, um ano mais velha que o João, vieram passar uns dias em casa, e fomos com as crianças a um parque aquático que fica perto de São Paulo. Quando fui vestir a sunga no João, percebi que havia surgido mais e mais bolinhas, e em áreas que costumeiramente a dermatite não se manifestava. Além disso, ele estava mole, não queria brincar nem comer. Passou um bom tempo deitado no meu colo, e quente, com febre. Voltamos rapidamente para casa, e eu e meu marido o levamos ao pronto-socorro. O diagnóstico veio rápido: o médico disse que ele estava com varicela. ‘Mas o que é isso?’, ‘Como pode ter acontecido?’. O pediatra orientou observação. Também deveríamos avisar a escola e quem mais havia tido contato com ele. Deveríamos, ainda, isolar o João. Saíamos de lá achando que era ‘só’ catapora, algumas bolinhas que, do jeito que tinham vindo, iriam embora. Mas não foi bem isso que aconteceu.
A partir daí, vivemos momentos de pânico total. Dia após dia, essas bolinhas se intensificaram e tomaram o corpo todo dele: além da pele, elas apareceram nas mucosas, na boca, na língua, dentro do ouvido, nos genitais, no bumbum. Não dava nem para colocar roupa nele direito. Esse menino gritava dia e noite sem parar, não dormia, queimava de febre. Meu marido e eu nos revezávamos para cuidar do João. Tentávamos aliviar com antitérmico, e fazendo-o dormir na bola de pilates – a gente não dormia, ficava o tempo todo cuidando dele.
Chegou um ponto em que ele falava: ‘Não põe a mão em mim!’, de tanta coceira e dor que sentia. Não tinha nada para fazer, não tinha nada para passar. Ele só se coçava e sofria! Até que ligamos para o pediatra e voltamos ao hospital para saber se realmente não tinha algum medicamento para ajudar. Queríamos aliviar esse desconforto todo. Os médicos disseram que era melhor ele ficar internado, porque a catapora estava forte demais. O vírus havia mutado. No hospital, seria mais fácil acompanhá-lo e protegê-lo, porque, com a doença nesse estágio severo, a imunidade dele estava muito baixa e ele poderia pegar outros vírus.
Ficamos desesperados e, como meu marido é da área da saúde, achamos melhor levá-lo de volta para casa, justamente por ele estar debilitado e suscetível a pegar outras infecções, algo mais arriscado em um ambiente hospitalar. Tivemos até de assinar um termo para ele poder sair do hospital. O pediatra do João recomendou, então, que fizéssemos um isolamento rigoroso em casa. Nada de visitas. E como a gente tinha de trabalhar (minhas férias acabaram nesse meio-tempo), ficamos nós dois e uma tia que pôde ajudar, nos revezando. Quando chegávamos da rua, fazíamos como agora, com a pandemia do novo coronavírus – tirávamos a roupa e tomávamos banho. Só então chegávamos perto do João. Lembro que a gente tocava nele com uma fraldinha que separamos para isso.
Foram cerca de 30 dias em casa nesse pesadelo. Enquanto uma parte secava, outras bolinhas surgiam, um sofrimento sem fim. Para piorar, ainda tínhamos de ouvir de pais de amiguinhos da escola que queriam que os filhos tivessem contato com o João para que eles ‘pegassem logo catapora’. Olha que absurdo! Meu marido e eu comentávamos: ‘Não é possível que eles queiram que seus filhos passem por isso!’. Começamos até a fazer um trabalho de conscientização, relatando, nas redes sociais, o que estávamos passando, e dizendo para todos vacinarem suas crianças. Isso mesmo. A vacina teria poupado o João dessa dor imensa. A filha da minha amiga, que havia ficado uns dias em casa, pegou. Assim como três outros alunos da classe dele, mas todos tiveram a forma leve, umas bolinhas aqui, outras ali, e isso foi tudo – eles haviam sido imunizados. Ele pegou essa forma horrível e eu meu marido nos culpávamos dia e noite, a gente só chorava.
Sempre mantivemos a carteira de vacinação do João em dia. Ele tomava (e toma) as vacinas supercertinho. Mas a gente dava no SUS e, naquela época, a da varicela não fazia parte do calendário público. Um mês antes de o meu filho ficar doente, havíamos passado pelo pediatra, e ele disse que as vacinas estavam em ordem. O médico esqueceu de recomendar o imunizante contra a catapora. Essa falha fez com que meu filho pagasse a duras penas as consequências de ter pegado a forma agressiva. Foi uma grande lição para todos nós. E não sei se por causa do surto que, naquela época, foi intenso e com agravamentos – havia até rumores de mortes por varicela, que depois se soube que, na verdade, foram decorrentes de outras doenças que se aproveitaram da baixa imunidade –, mas poucos meses depois, a vacina entrou no calendário do SUS.
Não há palavras para descrever o que eu passei. João está com 10 anos e esses trinta e poucos dias de catapora foram os piores da minha vida. Senti que poderia perdê-lo. Ele ficava mole, com febre alta, gritava de dor, não brincava e não queria que a gente o tocasse. Consegue se imaginar passando por isso? Sofremos demais. Mas ficamos ainda mais atentos às vacinas. Sei que elas não protegem 100%, mas certamente, funcionam como um atenuante, caso a criança pegue a doença. Ele teria sofrido bem menos se tivesse tomado a vacina.”
As vacinas que estão definidas no calendário vacinal obrigatório, portanto, disponíveis pelo Programa Nacional de Imunização (PNI) do Ministério da Saúde são aquelas consideradas de impacto na redução de doenças do ponto de vista da comunidade. No entanto, obviamente, outras vacinas vão surgindo e, às vezes, leva um certo tempo para que sejam acessíveis na rede pública. “Às vezes, por uma questão de custo-benefício do ponto de vista comunitário. Mas isso muda de figura quando se avalia o paciente individualmente. Nesse caso, o profissional vai indicar todas as vacinas possíveis e que a família tenha condição de pagar, se não estiverem na rede pública”, diz o infectologista Francisco Ivanildo Oliveira, gerente médico do Sabará Hospital Infantil, de São Paulo (SP).
O especialista ressalva que, infelizmente, ainda há quem defenda que algumas doenças são consideradas “da infância”, e as crianças deveriam tê-la para ficarem imunizadas. Essas pessoas acreditam ser uma vantagem colocar o pequeno em contato com um outro, contaminado, para que ele pegue logo a enfermidade. “Claramente não há a menor necessidade de expor a criança à doença, uma vez que existe vacina contra ela, afirma Oliveira. “Nós, infectologistas e pediatras que atendemos em hospital ainda vemos, hoje em dia, felizmente cada vez com menor frequência, casos graves de doenças preveníveis por vacinas, em crianças que não tomaram imunizadas. É importante ressaltar que doenças, como varicela (catapora) e sarampo não são tão benignas como muita gente afirma. Elas podem evoluir para quadros graves, com complicações sérias. No caso da varicela, por exemplo, bactérias podem penetrar nas lesões que se formam na pele e causar infecções severas”, diz o infectologista.
Por essas e outras, é fundamental cumprir o calendário vacinal do PNI. E, caso a família tenha condições e, sob orientação do pediatra, fazer vacinas extras. Importante lembrar que, mesmo que a vacina não imunize 100%, ela protege contra as formas graves. “A criança vacinada que tiver contato com o vírus e adoecer, tem chances enormes de pegar a forma mais leve da doença e sofrer menos ou quase nada”, concluir o infectologista Francisco Ivanildo Oliveira.
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