A professora Ingrid Mariane Alves, de 38 anos, guarda fortes memórias sobre o parto de seu único filho, Antony, hoje com 4 anos e meio de idade. E a intensidade dessas recordações não tem só a ver com o momento marcante que viveu com a maternidade, mas pelos altos e baixos da experiência do parto em si, na qual ela confessa ter sentido tanto medo a ponto de chegar a tremer quase sem parar. “O Antony foi muito planejado, muito esperado. Quando fiquei sabendo que estava grávida, foi uma alegria enorme. No começo, eu não tinha medo do parto, não tinha essa insegurança. Ela começou a aparecer lá pelos oito meses”, conta Ingrid, que mora em Jundiaí, no interior de São Paulo. Ela engravidou aos 32 anos de idade e teve o bebê já com 33.
“Eu esperava ter parto normal. Cheguei a conversar com doulas, a assistir a vídeos de pessoas que fazem o nascimento na banheira, verifiquei isso até no hospital onde teria meu filho. Meu médico sempre me passou muita tranquilidade, mas aconteceu que, na semana em que deveria ser o nascimento, eu comecei a me sentir diferente e não quis mais o parto normal. Só pensava ‘quero cesárea, quero cesárea'", relembra Ingrid. A alteração de rota, praticamente no último minuto do planejamento de parto, chamou a atenção até mesmo do marido da professora.
Na data escolhida para a cirurgia, ela se lembra que, logo após a bolsa estourar, já bateu uma insegurança enorme: “Eu fui para o hospital muda, sem falar uma palavra. Meu temperamento estava oscilando bastante”, revela. “Logo depois que cheguei, meu médico fez o exame e confirmou que seria necessário mesmo uma cesárea, porque eu não tinha dilatação quase nenhuma”, diz Ingrid. A partir daí, ela relata que o medo só foi ficando mais forte: “O anestesista quebrou duas vezes a agulha da injeção tentando aplicá-la em mim. Na terceira, precisou meu médico vir ajudar para me deixar mais tranquila, porque a anestesia não pegava”.
O nervoso na hora do parto ou antes dele tem nome – chama-se partofobia. E de acordo com a Federação Brasileira de Ginecologia (Febrasgo), até 20% de todas as gestantes podem sofrer desse problema. “Trata-se de um transtorno psicológico que afeta as mulheres gestantes e está relacionada ao medo de parir. Podemos considerar essa condição um problema na gestação quando essas mulheres apresentam uma queixa maior de ansiedade ou têm manifestações de ataques de pânico”, explica Allana Pezzi, psicóloga perinatal do Centro de Medicina Integrativa do Hospital e Maternidade Pro Matre. Esse medo pode, segundo a médica, “influenciar negativamente o bem-estar da mulher durante o período gestacional, bem como também afetar o desenvolvimento fetal”.
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A especialista reforça que ter ansiedade é algo comum entre as gestantes – e quadros que vão de leve a moderado são esperados, aumentando um pouco principalmente no último trimestre, quando se aproxima o momento do parto. “Quando a gestante tem a oportunidade de fazer um pré-natal psicológico e de ser acompanhada durante todo esse período, as chances de desenvolver a partofobia, tratar seus sintomas, bem como a depressão pós-parto, se reduzem muito”, afirma Allana.
Mesmo tendo sido bem-sucedida, a experiência do parto foi tão marcante para Ingrid que ela não pretende engravidar de novo e se lembra dos detalhes até hoje: “Comecei com uma tremedeira que não parava, uma angústia. Era um medo horrível de que eu morresse, de que meu filho fosse morrer. Eu tremia sem parar. Meu médico me mostrou meu bebê para me tranquilizar, mas eu continuava me sentindo mal, era como se sentisse muito, muito frio”, recorda.
“Passado um período depois do nascimento, eu fui procurar ajuda e faço terapia até hoje. Fui abordando outros pontos e sei de pessoas que também têm esse medo, mas não comentam. É algo muito íntimo para se ter coragem de falar”, reflete Ingrid. “Vejo que superei, mas não pretendo mais ter filhos biológicos. No início da minha gravidez eu quase perdi o bebê porque tive uma infecção de urina grave”, conta. “Então, já iniciou meu medo de perdê-lo nessas primeiras semanas. Depois, tive um quadro de alergia, ainda grávida, e só fui conseguir descobrir mesmo do que se tratava depois que meu filho tinha quatro meses. Não tenho condições psicológicas para passar por uma gestação novamente e penso em adotar um segundo filho. Me considero frágil para esse momento em que se precisa ser muito forte”, afirma a professora.
Situações como a que passou Ingrid Mariane Alves podem ser mais comuns do que se imagina. E muitas mulheres passam por ela caladas, sem se dar conta. Por isso – e para preparar as futuras mães para a hora do parto – listamos abaixo as principais dúvidas sobre partofobia, em um guia com oito perguntas esclarecidas pela Dra. Allana Pezzi, psicóloga perinatal do Hospital e Maternidade Pro Matre. Acompanhe:
1. Como identificar os sinais de partofobia?
Os sintomas mais comuns são picos de ansiedade aumentada, ataques de pânico e sonhos recorrentes de parto de uma forma traumática e agressiva. Geralmente, as mulheres primigestas podem apresentar a partofobia com maior intensidade, pois são mães passando pela experiência da maternidade pela primeira vez. É comum acontecer com gestantes que já apresentam uma leve ansiedade durante o período da gravidez e manifestam a vontade de fazer o parto pela via cesariana ainda no início da gestação.
2. Que tipo de acompanhamento o obstetra pode fazer para ajudar nesse problema?
É importante que a gestante tenha um acompanhamento multiprofissional durante toda a gestação, um olhar integrado e com acolhimento. Dessa forma, a gestação e o pós-parto serão mais saudáveis, unindo a saúde física e emocional dessa mulher e de toda sua família. Para algumas gestantes, a depender da situação, a cesárea pode ser a melhor opção, pois não irá sentir dor na hora do parto e contrações. Ao viver todo o seu período gravídico sofrendo com esse cenário, aumenta-se a possibilidade de mal-estar e consequências para o desenvolvimento fetal. A mulher é protagonista do seu parto, independente da via.
3. O bebê em gestação pode ser afetado pelos efeitos da partofobia?
Quando a gestante sofre com a partofobia identificamos uma dificuldade em estabelecer um vínculo com o seu bebê ainda na barriga e, algumas vezes, com o recém-nascido. Essa situação pode gerar desafios e dificuldades na amamentação e, consequentemente, o risco de uma depressão puerperal. Além disso, a gestante – por conta do medo exacerbado do parto – pode afetar o desenvolvimento do seu bebê.
4. De que maneira o transtorno pode impactar o desenvolvimento do bebê?
A partofobia, muitas vezes, está associada a mudanças no crescimento do bebê, como baixo peso ao nascer, alterações nos batimentos cardíacos fetais e ao nascimento prematuro, todas relacionadas ao fluxo sanguíneo das artérias uterinas das gestantes. O bebê é capaz de sentir tudo o que a mãe sente. Por meio do cordão umbilical, ele recebe neurotransmissores e hormônios que têm efeitos muito similares ao que a mãe pode sentir. São emoções compartilhadas.
5. Quais são as melhores práticas para combater a partofobia?
O transtorno pode ser tratado com intervenção psicoterapêutica, que irá ajudar a reconhecer as causas da fobia e a fornecer estratégias para enfrentar o medo do parto. O histórico de vida dessa mulher contribui bastante como a causa para a partofobia, em função das experiências e relatos familiares acerca do momento de dar à luz de uma forma traumática. Por isso, os acompanhamentos adequados no pré-natal ginecológico, assim como no pré-natal psicológico, podem contribuir para reduzir os sintomas. Não podemos esquecer que as redes de apoio familiar são muito importantes.
6. Experiências de violência obstétrica ou de perda do feto em casos de aborto tardio espontâneo podem colaborar para o surgimento desse medo patológico da hora do parto?
Sim. Alguns eventos traumáticos relacionados ao momento de dar à luz podem contribuir para a manifestação da partofobia, como, por exemplo, um parto anterior no qual a experiência foi de muita dor. Os abortos, histórico de violência sexual e violência obstétrica podem influenciar ainda mais. Quando a gestante passa por um luto gestacional tardio, o medo de que aconteça novamente faz com que essa mulher se reconecte com o momento da perda que lhe causou tantas dores e viva muitos momentos de ansiedade durante todo o seu período gravídico.
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7. Partofobia e tocofobia são a mesma coisa? Se não, o que os diferencia?
Não são iguais. A partofobia é o medo que a mulher gestante tem sobre o momento de dar à luz, de parir. Já a tocofobia, por sua vez, é o medo excessivo que algumas mulheres têm da gravidez, de engravidar e também o medo do parto.
8. Como a tocofobia se manifesta?
A tocofobia é um medo por vezes irracional, também considerado um transtorno de ansiedade. As mulheres que não querem engravidar sofrem com a possibilidade de algum descuido com seu parceiro, levando sempre ao hábito de fazer teste de gravidez para se certificar de que não estão grávidas, mesmo que a relação sexual tenha sido protegida ou fazendo uso de pílula. Em casos mais graves, a tocofobia reflete na vida sexual, na qual a mulher evita ter relação, pois sempre acha que vai engravidar. A tocofobia pode levar muitas mulheres a desenvolver uma gravidez psicológica, pelo simples fato de não quererem engravidar. Muitas mulheres identificadas com essa condição optam por levar uma vida sem filhos para que não passem pela gestação. Já outras que desejam a maternidade, mas não conseguem se imaginar grávidas, optam pela adoção, devido ao medo exagerado de gestar. Lembrando que homens também podem ser acometidos pela tocofobia.
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from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Gravidez/Parto/noticia/2021/10/partofobia-entenda-quando-o-medo-do-parto-vira-um-transtorno-e-pode-ate-mesmo-impactar-o-bebe.html