Depois de quase duas décadas sem registrar nenhum parto, o único hospital do arquipélago de Fernando Noronha voltou a dar as boas-vindas a um bebê. Na semana passada (4), a pequena Lavígnia Dominique entrou para a história ao se tornar a primeira criança a nascer no hospital da ilha, desde 2004.
Seus pais estavam de férias em Noronha quando foram pegos de surpresa e precisaram fazer um parto de emergência. A mãe, a fisioterapeura Larissa Pereira, 33, estava na 32ª semana de gestação quando a sua bolsa estourou.
"Tudo aconteceu no nosso primeiro dia lá. Chegamos no fim da tarde. Deu tempo só de pagarmos as taxas de preservação e fechar os passeios. Fomos para a pousada dormir e umas 4h30 da manhã a Larissa acordou, começou com umas contrações leves, foi fazer xixi e viu que já estava saindo sangue", contou o pai da bebê, o policial militar Douglas Gustavo Heleodoro, 35, em entrevista à CRESCER.
O casal mora em Maceió (AL) e fechou a viagem na Black Friday do ano passado, antes mesmo de planejar a gravidez. Eles ficaram sabendo que estavam esperando um bebê em março deste ano, quando já tinham as passagens compradas e a hospedagem reservada.
Antes de embarcar, consultaram a obstetra para saber quais seriam os possíveis riscos de viajar na reta final da gestação. "Fizemos vários exames e deu tudo certo, a obstetra só liberou por causa disso. Se desse algo errado nos exames, a gente desistiria na hora. Como tudo foi perfeito, fomos na fé, confiantes. Ela queria muito fazer um book do barrigão naquele paraíso", conta Douglas.
Não deu tempo nem de fazer a sessão de fotos e muito menos de conhecer os atrativos de Noronha. Assim que chegaram ao hospital, por volta das 6h da manhã do último dia 5, descobriram que o parto teria de ser feito ali mesmo, de improviso.
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"Eu estava terminando meu plantão quando a Larissa chegou com perda de líquido. Quando fiz a avaliação percebi que ela já estava iniciando o trabalho de parto. A gente só tinha duas opções: fazer uma transferência às pressas para Recife ou fazer o parto aqui mesmo. Pegamos a sala de emergência, colocamos uma maca, uma mesa obstétrica e monitorização. Da hora que ela admitiu até o nascimento, foram umas 5 ou 6 horas", conta Diego Amoroso, médico emergencista, em entrevista à CRESCER.
Todo o hospital se mobilizou para ajudar na chegada da pequena Lavígnia. Três técnicos de enfermagem, dois enfermeiros e quatro médicos auxiliaram no procedimento. Enquanto isso, os diretores do hospital e a equipe administrativa faziam os trâmites para conseguir um avião que levasse mãe e bebê até um hospital mais bem equipado em Recife.
"Por ser prematuro, estávamos com medo de que nascesse com dificuldade para respirar e precisasse colocar no ventilador mecânico. Quando vimos que ela começou a chorar e mostrar que estava bem, foi o momento de muita alegria e que deu para respirar um pouco aliviado. Não precisamos fazer nenhuma medida de reanimação. Foi como se um peso estivesse saindo do ombro, entramos para a história de um jeito bom", relata Diego.
A bebê nasceu às 12h03, medindo 41 centímetro e pesando 1,8 kg. Ela e a mãe tiveram de esperar até o fim do dia para serem transferidas para um hospital da capital. "Um jatinho público veio buscar a Larissa e a bebê; eu fui depois. Quando elas chegaram no hospital Barão de Lucena [para onde a Secretária de Saúde havia feito o encaminhamento], não tinha vaga na UTI neonatal para a minha filha. Eu estava longe, sem ter como fazer nada, entrei em desespero. A sorte é que, como a gente tinha plano particular, conseguimos trazer para outro hospital, o Vasco Lucena", lembra o pai.
Lavígnia ainda deve ficar mais três semanas em observação no hospital, para ganhar peso. Larissa está bem e teve alta na última quinta-feira (7). "Consegui registrar minha filha e hoje ela é cidadã noronhense. Estava com muito medo e orando para que tudo desse certo. Hoje a gente está aqui feliz para contar essa história", celebra Douglas.
Em 2004, a única maternidade do arquipélago de Fernando de Noronha, no Hospital São Lucas, foi desativada. Na época, a Secretaria Estadual de Saúde alegou que o custo para manter a estrutura da maternidade era alto demais, considerando o pequeno número de partos realizados por lá. Hoje, o arquipélago tem apenas 3.140 habitantes (IBGE).
Desde então, as moradoras de Noronha não contam com estrutura hospitalar adequada para dar à luz. O Hospital São Lucas, o único da ilha, não tem emergência obstétrica e nem estrutura de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) adulta e neonatal. Quando uma mulher engravida, o pré-natal é realizado por lá, mas, na reta final da gestação, ela deve ir para Recife, no continente, para o parto.
Não existe uma norma ou lei que proiba oficialmente que partos aconteçam em Fernando de Noronha. Mas, na prática, as autoridades locais se encarregam de tranferir para a capital do estado todas as mulheres nas últimas semanas de gestação (a partir da 27ª) – mesmo que, para isso, seja preciso insistir. Procuradas pela CRESCER, a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES-PE) e a administração do arquipélago não deram detalhes de como esse processo funciona atualmente, nem quais custos são bancados pelo governo.
Douglas Gustavo Heleodoro, o pai da bebê que nasceu em Noronha na última segunda-feira (4), disse que ele e Larissa, sua esposa, sabiam que não aconteciam partos na ilha e, por isso mesmo, procuraram se informar se a entrada da companheira, com 32 semanas de gestação, seria permitida. "Antes de ir, pegamos dados com a ouvidoria e com os órgãos públicos de Noronha por e-mail e eles liberaram para ela vir. Disseram que não recomendavam, mas que, caso ela quisesse vir, não teria restrição nenhuma. Então, ela veio", disse. "Espero que sirva de lição para os governantes de lá reverem seus conceitos sobre os nascimentos na ilha. Todo cidadão tem o direito de ter o seu filho onde bem quiser. Se nossa filha pode nascer lá, os filhos dos moradores da ilha também podem", disse.
Em nota enviada à CRESCER, a SES-PE disse que agora está elaborando uma norma técnica para "disciplinar a entrada de turistas grávidas na ilha". A nova regra proibirá que turistas com mais de 28 semanas de gestação visitem Fernando de Noronha. As mulheres com até 27 semanas de gravidez poderão embarcar, desde que apresentem "parecer médico favorável". A Secretaria, porém, não informou a partir de quando a norma começará a valer e nem de que forma esse controle será feito.
Nem a SES-PE e nem a administração do arquipélago responderam aos questionamentos da resportagem sobre o porquê de as regras atualmente serem diferentes para turistas e moradoras grávidas do local.
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from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Gravidez/noticia/2021/10/turista-conta-como-foi-parto-proibido-em-fernando-de-noronha-se-nossa-filha-pode-nascer-la-os-filhos-dos-moradores-da-ilha-tambem-podem.html