O termo ‘mãe solo’ sempre me deu arrepios. Nunca quis ser classificada por ele. E eu achava que era porque as crianças têm um pai e eu escolhi ter a guarda das minhas filhas depois da separação.
Só que depois de assistir Maid, a nova série da Netflix, fiquei com muita coisa engasgada, que eu não tinha conseguido digerir. Talvez a protagonista tenha escancarado algo que a gente nem tem coragem de confessar em voz alta.
Na narrativa, ao se livrar de um ex-namorado abusivo e pai de sua filha, Alex (Margaret Qualley) decide fugir. E aqui é importante lembrar que ela não se sente violentada apesar de ter medo de continuar com ele. Embora ele não tenha tocado um dedo nela, os estilhaços do vidro que jogou no chão – bêbado – após uma discussão, caíram nos cabelos de sua filha.
E a marca do soco na parede – que ele insiste em dizer que não foi nada porque afinal, “melhor descarregar a raiva em qualquer lugar do que bater nela, não é mesmo?”, vira uma cicatriz na alma daquela mulher.
Movida pelo amor que tem pela filha, ela encontra coragem para sair daquela relação abusiva. Mesmo sem ter com quem contar. Sem dinheiro, sem trabalho e sem ter com quem deixar a criança para poder buscar uma nova vida.
A aula sobre o que é ser uma ‘mãe solo’ começa aí. Quando ela se vê desprovida de qualquer suporte. Tendo que lutar por duas, ela começa a passar por situações que muitas de nós conhecem, mas temos vergonha de contar, de tão humilhantes que podem parecer.
Em primeiro lugar, como nos sentimos ao pedir ‘pequenos favores’, a exemplo de quando solicitamos para uma pessoa ficar durante uma hora com nosso filho para que possamos fazer algo. Ela chega para conversar com a mãe como se estivesse cometendo um crime. Não consegue pedir ajuda nem para ir a uma entrevista de emprego.
Em outros momentos, a série mostra as ocasiões em que ela se sente observada, xingada, julgada – e experimenta aquele limbo social que todas nós conhecemos quando estamos nos sentindo fragilizadas com uma criança precisando dos nossos cuidados. Mas ela também mostra a força que uma mulher resgata ao entender que é só ela por ela mesma. E engolir sapos passa a fazer parte do seu cotidiano.
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Ela não tinha uma marca para mostrar porque tinha saído de casa. Ela só tinha medo. E como explicar isso para uma assistente social que a vê como uma pessoa ‘que não necessita tanto de um olhar compassivo, já que escolheu sair de casa por livre e espontânea vontade’?
Toda mulher que já fez uma escolha sofre com esse julgamento. Como se tudo que acontecesse depois disso fosse o ônus da escolha que bancou. E fosse ‘obrigada’ a carregar. Todo o peso. Toda a carga. E só quem carrega essa carga toda sabe do que eu estou falando.
Das pequenas e grandes escolhas. Que nem precisam estar no limite da sobrevivência, mas que são minimamente pensadas e tiram nosso sono constantemente. Porque para prover o mínimo de bem-estar para as crianças, acabamos nos desdobrando em mil, enfrentando o mundo com sua hostilidade tão comum com as mães – que, diga-se de passagem, estão à beira de um colapso.
São tantas demandas internas e externas, tanto medo, tanta falta de empatia, que a gente se sente desafiada a continuar dia após dia. Como a protagonista da série, que não tem nada de heroína e se vê diante de obstáculos cada vez maiores – somos levadas ao chão com simples palavras. E muitas vezes não temos forças sequer para reagir. Concordamos para sobreviver. Para tentar resgatar o mínimo de dignidade e enfrentar aquele dia de cão.
Tudo isso, para poder sorrir para eles no final do dia.
Só que em um momento da história, ela percebe que a raiva pode ser direcionada para um lugar bom. Ela percebe que apesar de ter sido nocauteada pela vida, fez o que fez porque sabe o melhor para sua filha.
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A verdade é que eu não gostava do termo ‘mãe solo’ porque não gosto de despertar a pena das pessoas. Mas só quem vê a nossa luta do dia a dia sabe – a gente deveria é bater no peito com orgulho por quebrar tantas barreiras, desafiar preconceitos e colocar comida na mesa todos os dias.
Apesar de tantos pesares.
Apesar de.
Cinthia Dalpino é jornalista, escritora e ghost writer de livros. Já foi 100% trabalho, já foi 100% mãe e, hoje, tenta integrar suas paixões – filhos e trabalho – em sua vida. Criadora do Mãe At work, portal com histórias de mães e reflexões relacionadas à maternidade e mercado de trabalho.
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