A publicitária paulista Débora Figueiredo Leme, 26 anos, que mora em Goiania, Goiás, viveu, há 7 meses, a experiência mais incrível de sua vida: tornar-se mãe. Foram quatro meses de licença-maternidade — e mais trinta de férias —, cuidando do pequeno José Marco, até que precisou retornar ao trabalho. No entanto, a angústia da separação, muito temida pelas mães nessa fase, foi subtituída por outro sentimento: "Frustração e desapontamento", disse ela. Débora foi demitida pela empresa no primeiro dia do retorno à empresa, em agosto deste ano.
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Após o ocorrido, ela decidiu compartilhar o que passou em uma rede social de negócios. "Eu coloquei muita alma no meu relato. Escrevi o que estava sentindo", disse, em entrevista exclusiva à CRESCER. Em pouco tempo, o post viralizou. "Foi surreal, surpreendente! A postagem alcançou mais de 60 mil pessoas e, até hoje, ainda não consegui responder a todos os comentários de apoio", afirmou. Mas ela também fez uma triste descoberta. "Foi muito impactante pra mim, e até me emociono ao falar, pois mais da metade dos quase trezentos comentários que recebi foram de mães que também passaram por isso. Foi triste ler tantos relatos de mulheres que também foram demitidas", desabafou.
Débora conta que trabalhou na empresa, como funcionária, por 2 anos e 8 meses. "Faltou acolhimento e assistência como profissional, como ser humano e como recém-mãe. Esperava, com toda a certeza, mais apoio", afirmou. "Passado o 'baque', ressignifiquei o que aconteceu e isso me trouxe superação. No momento, não estou buscando recolocação no mercado, busco uma transição de carreira. Quero deixar a área executiva para abraçar o empreendedorismo", disse.
Enquanto isso, ela está acompanhando de perto o desenvolvimento do filho. "O fato de eu estar participando de toda e qualquer evolução do meu filho tem feito toda a diferença no meu dia. Apesar de a maternidade ser um trabalho árduo e, muitas vezes, invisível, é muito incrível presenciar um ser humano aprendendo tudo. Isso também tem gerado empatia em mim, em relação às mães que não podem participar dessa evolução dos filhos", comentou.
Sobre o post, ela disse que decidiu compartilhar "para alcançar pessoas, principalmente mulheres, que já passaram pela mesma situação". "Queria dizer que elas não estão sozinhas e que as empresas que comecem a olhar, de fato, para isso. É assustador a quantidade de mães demitidas após o retorno. É muito triste. Essa cultura precisa acabar. O profissional que tem um filho se torna uma pessoa melhor, ainda mais responsável, ainda mais potente e compromissado. Pois, além dele, tem o filho. Hoje, não culpo a empresa, mas a sociedade de forma geral. As pessoas precisam parar de vitimizar a mãe, dizendo que ela não vai 'dar conta'. É difícil, claro, mas não é isso que a torna menos profissional", pediu.
"A maternidade me deixou mais resiliente. Ela tem transcendido toda e qualquer experiência que vivenciei durante minha vida. É uma transformação de dentro pra fora. A mulher precisa ter muita força, muita garra, desde a gestação — e ainda mais em um momento de pandemia. Na minha gravidez, passei três meses em repouso absoluto, pois era uma gestação de risco. Ouvi, durante quatorze anos, que eu não poderia ter filhos, e descobri que estava grávida à caminho de uma cirurgia no útero. A maternidade me deixou completamente resiliente quanto à vida e com uma capacidade de adpatação muito maior", pontuou.
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Sobre a sociedade e o mercado que ela espera para futuro, Débora disse: "Espero um mercado de trabalho que 'faça mais do que fale'. Hoje, temos muitas empresas que são visadas pelos seus selos de qualificação, suas políticas... mas, quando olhamos à fundo, ainda falta muito. As políticas devem sair, de fato, dos quadrinhos das paredes e se tornarem rotina dentro das empresas. Espero uma sociedade com equidade, com oportunidades para todas as pessoas", finalizou.
Leia, abaixo, o texto escrito e compartilhado por Débora, que viralizou nas redes sociais:
"Sim, fui demitida no dia do meu retorno ao trabalho. O motivo? Uma reestruturação no departamento, e meu know-how é maior do que as novas funções exigem. Sério? Sim também. Não gostamos de virar estatística, ainda mais quando se trata de uma má estatística, no meu caso, aparentemente má. Eu sei que tudo coopera para o bem daqueles que amam a Deus. Ainda não conheci um ser humano mais adaptável do que a mulher que acabou de se tornar mãe, são 9 meses nos preparando pra viver uma experiência que na prática é muito ou totalmente diferente. E mesmo assim a gente dá conta. A mãe canaliza as forças e vai, com medo e milhares de incertezas, mas vai. Carrego muita gratidão por tudo o que pude aprender, desenvolver, contribuir e colaborar, mas chegou a hora de virar a página. Não lamento pelo tempo que não foi me dado pra demonstrar o quanto a maternidade me deixou resiliente e com uma garra que nem eu mesma conhecia, mas me compadeço pelas outras mães que já passaram ou ainda passarão por esse aborrecimento.
Luto para que a sociedade aprenda a reestruturar sim, mas primeiro os valores, esses estão gravemente invertidos. Hoje não há mais espaço para frases como: “quem não é visto, não é lembrado”, “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, “passo por cima de quem for para subir”, isso não cola mais. Só lidera quem tem empatia e só engaja quem tem propósito. O restante manda e desmanda, e particularmente, não é essa a trajetória que busco para mim. Meu maior exemplo de líder permanece sendo Jesus Cristo, que serviu seus discípulos, ensinando que para ser o primeiro, precisamos ser o último.
Por aqui, seguimos sendo a verdadeira resistência. Hoje não tem a ver só comigo, tenho um filho com o meu esposo, tenho uma família. Você conhece a força e a fé de uma mãe? É bem provável que os conselhos da sua te levaram a caminhos corretos e de sucesso. Eu amo a publicidade e aprendi a amar o marketing, mas nada há carreira (ou cadeira) que valha mais do que a minha família. Oportunidades continuarão surgindo, assim como já estão, mas posso optar por curtir mais um pouquinho essa fase do bebê que não voltará. Jamais seremos menos mãe por trabalharmos fora. E também não teremos menos profissionalismo por causa de um pequenino esperando por nós em casa."
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A gestante em regime de CLT tem direito à estabilidade durante a gravidez e por cinco meses após o parto, tanto do emprego quanto do salário. Em 2017, a estabilidade foi estendida às mulheres que adotam (inclusive crianças e adolescentes até 18 anos), em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
No caso de Débora, ela explicou que tirou férias após a licença maternidade e, por isso, foi demitida exatamente no dia em que voltou ao trabalho. "A licença terminou no dia 14 de julho. Como tirei 30 dias de férias, retornei em 15 de agosto. Nesse dia, eles me demitiram", finalizou.
from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Gravidez/noticia/2021/10/frustracao-e-desapontamento-diz-goiana-que-foi-demitida-apos-licenca-maternidade.html