Saturday, June 19, 2021

Denise Fraga: "É difícil listar os arrependimentos, pois os aprendizados vêm junto no pacote das experiências negativas"

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Se eu pudesse voltar no tempo, o que eu faria diferente? Faria meus filhos arrumarem suas camas desde muito cedo, por exemplo. Falaria uma só vez “vá tomar banho” e esperaria para depois cobrar com firmeza “por que você não tomou banho?”, em vez de falar 50 vezes e esvaziar constantemente o significado de minhas palavras. Compraria menos coisas para mim e para eles. Teria mostrado a eles não só a alegria que me invade quando danço, mas acho que também os teria levado para ver as outras pessoas dançarem para incentivá-los a criar coragem de atravessar a ponte do ridículo para o paraíso. Teria falado com todas as letras o que eu achei que já estava óbvio. E mais um tanto de coisas.

Denise Fraga, atriz e colunista da CRESCER (Foto: @cacafotografia)

 

 

A certa altura da vida, você começa a se perguntar o que faria diferente. Não só como mãe, mas de uma maneira geral. Apesar de as rugas lhe darem um pouco de consciência da mobilidade da vida, da impermanência das coisas, da ausência de respostas, de que errar é inevitável, de que a luta já é uma vitória, é quase um vício, um vício divertido, digamos, imaginar outras ações possíveis, outras vidas possíveis, outras Denises.

O que você faria diferente? É uma pergunta análoga à famosa “do que você se arrepende?”. Nasce da mesma raiz, mas traz menos dor. Quando essa pergunta me é feita, demoro a responder. É difícil eu conseguir listar os arrependimentos pelo que fiz, os aprendizados vêm junto no pacote das experiências negativas, e acabo não tendo coragem de jogar tudo no lixo. Mas, quando me perguntam do que me arrependo, invariavelmente, acabo voltando à lista, sempre crescente, das coisas que eu não fiz. Muitas não dão mesmo mais para fazer e acabam virando arrependimentos reais, afinal, a inação é uma ação. Muitas vezes, fatal. Mas outras, como um dia organizar a profusão de fotos tiradas, ficam lá, esperando na lista.
 

Compraria menos coisas para mim e para eles”
Denise Fraga


 

Com o passar dos anos, venho construindo uma lista de afazeres à espera do tempo. Pode ser encarada como um retrato do meu otimismo crônico ou um constante exercício de frustração em que a linha de chegada é sempre distanciada da maratonista. Esta maratonista aqui que vos escreve e que, por muitas vezes, gostaria de parar de criar mais possibilidades de existência, para não ter pesares, por exemplo, por não tocar violão ou não ter feito mais uma faculdade. Mas pensar que posso começar a aprender violão agora, amanhã, encaixando as aulas no tempo que me resta e que nunca é suficiente para os livros empilhados em cima da mesa, a arrumação do armário, das fotos e tudo o mais, pensar que ainda posso pegar um violão e aprender, fazer um vestibular e cursar antropologia, me mantém aberta aos projetos, aberta para a vida.

Uma vez, ensaiando uma peça com Juca de Oliveira, ele falou, ao assoprar seu bolo de aniversário:

– Eu não me sinto velho. Eu tenho projetos.

De simplesmente mudar uma planta de lugar à empreitada da faculdade, os meus continuam me martirizando. Para compensar o martírio, me empurram para a frente.

 

Denise Fraga é atriz, casada com o diretor Luiz Villaça e mãe de Nino, 23 anos, e Pedro, 21 (Foto: Cauê Moreno/Editora Globo)

 



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