A empresária Bruna Caldas, da cidade de Caieiras, em São Paulo, foi diagnosticada com câncer de mama em outubro de 2014, quando tinha 24 anos. Até então, ela não pensava na ideia de ser mãe, mas decidiu seguir os conselhos dos médicos e fazer a preservação de embriões - já que o tratamento contra o câncer pode ter efeitos sobre a fertilidade. Hoje, aos 32 anos, Bruna celebra a gravidez de forma natural à espera do pequeno Gustavo, que deve nascer agora em outubro.
Em conversa exclusiva com a CRESCER, a empresária contou que a primeira etapa do tratamento - que envolve o diagnóstico, quimioterapia e radioterapia - durou cerca de 10 meses. Bruna precisou passar ainda por uma mastectomia radical da mama esquerda. Durante esse período, ela considera que o acolhimento e amparo que recebeu de médicos e familiares foi essencial para que conseguisse lidar melhor com o tratamento.
Nessa etapa, Bruna – que estava casada havia dois anos – soube que a quimioterapia podia causar infertilidade, e os médicos sugeriram que ela fizesse a preservação dos óvulos. “A princípio eu não queria, porque estava muito focada na minha recuperação para pensar em ter filhos”, lembrou. Mas depois de conversar com especialistas em reprodução, Bruna resolveu fazer a preservação de embriões. “O médico explicou para mim e para o meu marido que é mais fácil conseguir uma gravidez com a implantação de um embrião do que com o óvulo, que depois ainda precisaria gerar o embrião. Por isso nós optamos pela preservação de embriões”, contou.
Daniel Suslik Zylbersztejn, Urologista, PhD em Reprodução Humana e Coordenador Médico do Fleury Fertilidade, explicou, em entrevista à CRESCER, que o tratamento para câncer pode levar à insuficiência ovariana prematura, amenorreia transitória (ausência temporária de menstruação) ou até mesmo a uma menopausa definitiva. “Em todo o mundo, estima-se que cerca de 1,7 milhão por ano de meninas e mulheres com menos de 50 anos tenham o diagnóstico de câncer, com 5% delas tendo idade de até 35 anos, ou seja, durante os anos de vida reprodutiva”, explicou.
O urologista disse ainda que momento ideal para considerar a preservação da fertilidade é antes do início do tratamento. “Existem três principais técnicas para preservar a fertilidade das mulheres: congelamento de tecido ovariano, criopreservação de óvulos e criopreservação de embriões. A escolha recairá muito na idade, no tempo disponível para a realização da preservação da fertilidade antes do tratamento oncológico, no estado civil da paciente e ainda nos recursos financeiros disponíveis por parte da paciente”, orientou.
Durante os 5 anos seguintes, Bruna passou por hormonioterapia (terapia hormonal para prevenir que o câncer volte). Esse tratamento utiliza medicamentos que afetam os hormônios femininos, o que faz com que muitas mulheres tenham oscilações de humor. “Nessa etapa eu enfrentei muitas alterações de emoções, sentimentos e de libido. Foi um desafio”, desabafou Bruna.
Para a CRESCER, Carolina Freitas, mestre em Psicologia e especialista em Sexualidade da Plataforma Sexo sem Dúvida, explicou que os remédios utilizados para o tratamento de câncer podem afetar também o desejo sexual. “O processo de descobrimento do câncer também pode contribuir para a perda no interesse sexual, porque a preocupação em sobreviver se torna uma prioridade”, explica a psicóloga.
Bruna enfrentou falta de desejo sexual durante o tempo do tratamento, além de ter desenvolvido vaginismo. “Libido é um equilíbrio de coisas. Você precisa estar em paz consigo mesma, com o seu parceiro, com a sua rotina e estar com os hormônios em ordem”, disse. “Durante esses 5 anos, eu tive bastante problema com isso. Eu me sentia mal com essa situação porque eu não tinha desejo, até por conta dos remédios”, desabafou.
A empresária disse ainda que, nesta etapa, ter o apoio e compreensão de seu marido foi muito importante. “Eu procurei um psicólogo, tratei o vaginismo com fisioterapia, procurei uma ginecologista para fazer tratamento para a secura e assim fui contornando a situação. Mas foi muito difícil, foram muitas lágrimas nesse período. Porque era uma coisa que eu desejava, mas meu corpo não correspondia”, contou.
Dr. Daniel ressaltou que é importante que a paciente saiba que a queda de libido é temporária e que há algumas coisas que podem ajudar a minimizar essa situação. “Procurar ajuda psicológica pode ser o primeiro passo para a recuperação do desejo sexual. Conversar com o parceiro e compartilhar estas emoções pode ajudar, bem como buscar momentos a dois mais prazerosos, de leveza e descanso que ajudem a ‘esquecer’, mesmo que por um breve momento, o tempo difícil vivenciado”, aconselhou o médico
Carolina Freitas orienta que há quatro pontos importantes para quando a mulher enfrenta queda de libido durante o tratamento do câncer: autocuidado, comunicação, conhecimento e psicoterapia. “É importante manter o autocuidado, nem que seja o mínimo: alimentação, sono, banho e afeto. A comunicação com o parceiro é fundamental e o acompanhamento médico e psicoterápico auxiliam neste processo. A mulher precisa saber que pode acontecer a perda da libido por um tempo durante o tratamento e que esse é um efeito colateral transitório. Isso já tranquiliza e ameniza a culpa por não sentir desejo”, explicou a psicóloga.
Depois que Bruna terminou a terapia hormonal e pode parar de tomar a medicação, seus hormônios se regularizaram e ela recuperou a libido. “Quando eu consegui me libertar dos remédios, foi um grande reencontro comigo mesma. Durante o tratamento, eu praticamente não tinha emoções e isso me incomodava muito”, desabafou.
Seguindo orientações médicas, Bruna esperou seis meses para começar a tentar engravidar. “Eu terminei de tomar os remédios em junho do ano passado, precisava ficar sem engravidar até dezembro e em janeiro eu já engravidei”, contou a mãe. “Essa gravidez foi um presente depois de todas as dificuldades”.
Bruna contou ainda que sofreu com muitas crises de enxaquecas e enjoos durante os primeiros 5 meses de gestação. “Eu estava fazendo terapia hormonal seis meses antes de engravidar e logo depois enfrentei a bomba de hormônios que é a gravidez. Meu corpo sofreu muito para se adaptar a isso”, desabafou. “Mas depois, as coisas se ajeitaram. Agora eu estou muito tranquila e curtindo bastante essa fase da gestação”, completou.
Depois de terminar os tratamentos, Bruna – que é dona de uma oficina mecânica – percebeu que precisava se conectar mais com o seu lado feminino, e decidiu criar uma marca de cerâmica. “Essa delicadeza precisava de alguma forma ser expressada por mim, então eu fui aprender a fazer cerâmica. Com a gravidez, esse projeto foi deixado de lado um pouco, mas ele faz parte dessa reconstrução”, contou.
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