Força e leveza nos dias. É o que tenho desejado às pessoas ao final de algumas mensagens cotidianas. Mas tenho preferido superar esta crítica em nome do efeito em meu interlocutor que tais palavras podem produzir, lidas ao final de um e-mail corriqueiro. Vale a pena. Algumas pessoas são realmente acordadas pela despedida diferente e, tenho esperança, quiçá lutem para pôr um pouco de força e leveza em seus dias.
Acredito no poder das palavras e no quanto elas podem ampliar sua escuta quando tiradas do lugar-comum. Experimente fazer um teste: quando lhe desejarem bom dia, em vez de responder com outro “bom dia”, responda com um “para você também”. É curioso. No início, um pequeno susto, depois, a pessoa olha para você quase como se perguntasse:
- É isso? Você está realmente querendo que meu dia seja bom?
Confesso que acho um pouco estranho quando ouço algumas pessoas que têm falado “gratidão” no lugar de “obrigado”, mas louvo o fato de tentarem tirar o fardo que carrega a nossa forma de agradecimento do dia a dia, trazendo em si uma obrigação de retribuição. Um “toma lá dá cá” explícito, estampado na própria língua e que questiona o valor da graça recebida. Como se não pudesse haver algo que foi simplesmente feito ou doado com bondade e gentileza, sem exigir nada em troca. Não falo gratidão, porque gramaticalmente me soa mal, uma palavra solta, sem comunicação. Mas, com o mesmo intuito, resolvi arriscar uns “agradecidas” por aí. Faz diferença.
Favor também é uma palavra estranha. Implica em favorecimento e já traduz que alguém foi deixado de fora em prol do outro. De vez em quando, mando uns “por gentileza”, com um ligeiro medo de parecer empolgada, mas acho que vale a pena propor tal exercício aos nossos filhos. Palavras têm poder e nossa língua portuguesa carrega pequenos atos falhos que revelam características do comportamento do seu povo na semântica de alguns de seus ditos corriqueiros.
Encontrei o maior dos atos falhos na frase de nossa bandeira. Para quem não sabe, a origem de nosso “ordem e progresso” é a frase positivista “O amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim.” Simplesmente acharam que poderiam tirar o amor. Justo o amor, que, como disse Auguste Comte, o autor da frase, é o princípio de tudo. Devem ter achado que era óbvio. Que esse, todos tinham. Ledo engano. Fala-se de ordem, faz-se tudo pelo progresso, mas nenhum esforço é feito pelo amor.
+ A importância do toque no processo de aprendizagem da criança
Andaram por aí cogitando voltar com a obrigatoriedade de cantar o hino nacional nas escolas. Acho bonito saber o hino e tentar tirar a mancha que lhe deixou os horrores da ditadura militar, mas acredito que antes vamos precisar arar muito esse terreno. Precisamos pensar na frase positivista, cultivar menos o ódio e fazer uma força hercúlea pelo amor. Aí talvez consigamos cantar com propriedade nosso “Pátria amada, Brasil!”
Denise Fraga é atriz, casada com o diretor Luiz Villaça e mãe de Nino, 21 anos, e Pedro, 19.
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