Friday, September 3, 2021

Denise Fraga: "Somos mesmo ridículos!"

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Brigávamos na cozinha. Não está fácil para ninguém. Por um lado, a falta do convívio. Por outro, o convívio em excesso. Somos feitos do mosaico de vários espelhos, pessoas com quem nos relacionamos no dia a dia, os íntimos, os nem tanto, os que nos circundam no trabalho, na padaria, no trânsito. Agora, nosso mosaico está deformado pelo excesso de intimidade a que fomos forçados a viver na pandemia. Apesar da delícia do convívio familiar e da descoberta da possibilidade de se viver mais criativamente dentro casa... não imaginávamos que duraria tanto. E os espelhos íntimos nem sempre nos devolvem a imagem que gostaríamos. O mosaico pode ficar distorcido. 

Casal briga (Foto: Thinkstock)

 

Brigávamos. Brigávamos porque, como todo mundo, estamos cansados, tristes, nervosos, desesperançados. E acima do peso. Porque nunca convivemos tanto em tão pouco tempo, porque estamos preconceituosos dentro de nossas casas e já parecemos todos saber qual vai ser a próxima fala ou ação de nossos companheiros de cena nessa interminável temporada. 

Por um momento, minha atenção fugiu daquele falatório e imaginei um botão que pudesse ser acionado, assim, com o pé, sem que ninguém percebesse, fazendo com que câmeras ocultas começassem a gravar a cena. A certa altura, eu apertaria um outro botão e a discussão começaria a ser exibida na parede da própria cozinha, sobrepondo às nossas falas o que tínhamos acabado de falar ainda há pouco. Pararíamos assustados, sem nos reconhecer: então, éramos assim?

 

“É difícil assumir o ridículo que somos. Mas somos”
Denise Fraga



Estávamos assim? Se deixássemos passar o tempo e víssemos a cena só no dia seguinte, até riríamos. Talvez não juntos, porque é difícil assumir o ridículo que somos. Mas somos. Ridículos. Vergonhosamente ridículos em nossas discussões cotidianas, que, tantas vezes, tomam um tamanho desproporcional diante da faísca da qual brotaram e são capazes até mesmo de incendiar uma cozinha. 

Mas, apesar da tentação, eu não queria ter o tal botão. Não queria pedir auxílio à tecnologia da vida gravada, como um juiz de futebol, para saber quem tinha razão. Tenho medo. Onde iríamos parar? Onde vamos parar? Onde vamos parar nessa escola de juízes que se aprimora dia após dia, potencializada pela ilusão de perfeição e controle nutrida pela tecnologia?

Vi outro dia um episódio de uma série em que isso era possível. Talvez tenha vindo daí o meu desejo do botão imaginário. Na série, todos tinham um dispositivo no pulso para voltar a vida e ver a parte que quisessem. 

Pois não duvido que cheguemos a isso. Já me peguei checando no WhatsApp o que disse a uma amiga num tal dia, dois anos atrás. Nossas relações estão documentadas. Podemos ouvir um áudio cotidiano de alguém que não está mais entre nós, e nossos filhos talvez possam nos processar se julgarem que não foram bem-criados, quando checarem suas infâncias na nuvem. Ai, que terror! 

Melhor fazê-los entender, antes que seja tarde, que a vida é imperfeita. Que todo mundo erra. Alguns têm mais paciência que outros. Que aquilo que é justo nem sempre é generoso. Que generosidade dá mais prazer que justiça. E que, melhor irem se acostumando, somos mesmo ridículos.
 

Denise Fraga é atriz, casada com o diretor Luiz Villaça e mãe de Nino, 23 anos, e Pedro, 21 (Foto: Cauê Moreno/Editora Globo)

 

 



from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Denise-Fraga/noticia/2021/09/denise-fraga-somos-mesmo-ridiculos.html

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