Enquanto a empresária Adriana Guimarães, 39 anos, pesquisava escolas para matricular o filho Lucas, 7, no primeiro ano do Ensino Fundamental, o novo coronavírus se alastrava pelo país havia poucos meses. Em julho de 2020, tínhamos instituições educacionais fechadas e nenhuma perspectiva de vacinação. Quando as visitas foram liberadas para as famílias interessadas, os espaços estavam... vazios. “Não vimos o clima de uma sala de aula com crianças”, diz Adriana, também mãe de Maitê, 1. “Além disso, ficamos inseguros porque não sabíamos se as escolas abririam em 2021 ou como seriam as aulas online.”
O Brasil teve em média 279 dias de suspensão de atividades presenciais no ano passado, considerando escolas públicas e privadas, de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Um número bastante superior ao de países como Argentina (199 dias) e Portugal (67 dias). Gradualmente, muitas escolas reabriram com turmas e horários reduzidos, consolidando o ensino híbrido – com atividades presenciais e virtuais. Em agosto deste ano, Lucas finalmente pôde frequentar a escola todos os dias em período integral.
Um relatório do Banco Mundial aponta que mais de 1 bilhão de estudantes foram impactados com o fechamento das escolas durante a pandemia de covid-19 – mas de formas distintas. A crise educacional evidenciou as desigualdades socioeconômicas. O ensino híbrido, por exemplo, foi adotado por 4% da rede pública e 21% das escolas privadas, segundo o Inep. Apenas 6% das escolas municipais e estaduais disponibilizaram acesso gratuito à internet e 8% forneceram equipamentos, como notebook e smartphone, para os alunos. Além da dificuldade de estudar à distância, a Unesco considera que muitas crianças e jovens perderam nesse período “o contato social que é essencial para a aprendizagem e o desenvolvimento”.
Muito além de aprender a somar
Se o seu filho está na Educação Infantil, você certamente percebeu a importância do ambiente escolar e da socialização. “A função da escola é mais do que passar conteúdo”, afirma a psicopedagoga Quézia Bombonatto, conselheira vitalícia da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp). “É um lugar para ter vivências coletivas e desenvolver habilidades socioemocionais (autonomia, empatia, convivência), além da psicomotricidade (coordenação motora e equilíbrio, por exemplo)”. Para Quézia, a eficácia do ensino remoto é pequena nessa faixa etária, entre outras coisas, porque o tempo de atenção da criança é muito menor, não há troca simultânea – de qualidade – com o professor e os colegas.
Mas, agora, se o seu pequeno avança para o primeiro ano do Ensino Fundamental, este é um marco para filhos e pais, e a indefinição do atual contexto acrescenta mais complexidade à escolha da escola. Apesar do avanço da vacinação no país, a liberação das aulas 100% presenciais a partir de agosto sofreu um revés no Rio de Janeiro logo após ser autorizada, por causa do aumento de casos de covid-19 – elas foram suspensas na rede pública estadual. No entanto, até o fechamento desta edição, nada havia mudado em relação à rede privada, com recursos e condições de atender aos protocolos sanitários.
Então, o que esperar exatamente de 2022? “O setor educacional não está contando com a possibilidade de fechamento das escolas, especialmente para crianças de até 10 anos”, diz Arthur Fonseca Filho, presidente da Associação Brasileira de Escolas Particulares (Abepar). Isso não significa, infelizmente, que essa possibilidade inexista. O pediatra Daniel Becker, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), considera o futuro com alguma precaução: “Podemos ter complicações... uma pandemia prolongada com novas ondas e variantes [do coronavírus]”.
Para ajudar você, CRESCER ouviu especialistas em educação e levantou o que continua essencial para a escolha da escola – e o que se tornou importante após um ano e meio de pandemia.
Mix de critérios
“Minhas prioridades são localização e metodologia de ensino”, diz a pediatra Ana Luiza Dib, 38 anos, mãe de Olívia, 5, e Thomás, 1. A escola infantil em que sua filha está matriculada – e frequenta presencialmente desde setembro passado – não tem Ensino Fundamental. “Como trabalho o dia todo, preciso que a nova escola seja perto de casa, ofereça uma educação inclusiva e de qualidade.” A família mora em um bairro de Santos (SP) com muitas alternativas, mas uma visita à escola em que alguns amigos da filha seriam matriculados contou pontos para a decisão de transferi-la para lá também. Assim como ela, 48% dos pais procuram primeiro pelas escolas da vizinhança e 60% consideram a indicação de amigos.
Os dados são de um levantamento do Departamento de Pesquisa da Editora Globo, realizado em janeiro deste ano para a CRESCER, com mais de 400 pais e mães que têm ao menos um filho de até 8 anos (leia mais no quadro Boletim escolar: pesquisa revela preferências das famílias). Entre os fatores tidos como muito ou extremamente importantes em uma escola estão: infraestrutura (90%), linha pedagógica (88%), número de alunos por sala (81%), localização (80%), horários (76%), currículo do corpo docente (66%), alimentação (66%), tradição e reputação (62%), valor da mensalidade (59%) e acesso à tecnologia (55%).
No entanto, é preciso bom senso: resista ao impulso de sair agendando reuniões com essa lista de pré-requisitos em mãos. Faça uma autoavaliação antes. “Defina o que você espera da educação pedagógica e acadêmica do seu filho”, afirma Quézia Bombonatto. Ela explica que há quem priorize informação, como ter uma criança alfabetizada aos 5 anos. Outros veem importância na formação do indivíduo, optam por uma escola religiosa ou com uma proposta mais artística.
Deve haver compatibilidade de princípios e prioridades entre família e escola. “Não adianta colocar em uma instituição rígida porque você não consegue disciplinar: será uma adaptação muito agressiva para a criança”, diz a psicopedagoga. O perfil do seu filho – temperamento e habilidades – também deve ser levado em conta. Uma escola grande, por exemplo, pode ser intimidadora para um menino retraído. Da mesma forma, uma menina com vocação para esportes pode se frustrar em uma escola com pouco espaço para a prática de atividades físicas.
Ainda assim, para a diretora pedagógica do Colégio Magno/Mágico de Oz, Cláudia Tricate, quesitos como estrutura física ou localização da escola são passíveis de adaptação. “Os valores pedagógicos não são”, diz. “Por isso é essencial que eles casem com a expectativa da família”.
Pesquisa online prévia
Graças à internet, você pode ter acesso prévio a uma série de informações que funcionam como notas de corte. Se a localização da escola for uma questão-chave, busque pelos arredores do seu endereço usando a ferramenta de mapas. Caso você tenha adotado em definitivo o trabalho remoto, vale ampliar esse alcance porque há mais flexibilidade para levar e buscar na escola?
Explore sites ou páginas das candidatas nas redes sociais para ter fotos do espaço e pistas do projeto pedagógico. Pergunte sobre mensalidade, carga horária, refeições e outras informações pontuais por e-mail e telefone. Essa pesquisa economiza tempo, garante mais eficácia e segurança ao processo. Afinal, ainda estamos em pandemia! Alguns colégios marcam reuniões com os coordenadores por vídeo-chamada.
Deixe para visitar apenas aqueles dois ou três lugares mais compatíveis com a expectativa educacional (e a realidade) da família. Não há consenso sobre levar ou não as crianças. Para algumas famílias, a opinião delas conta muito. Outras acreditam que elas avaliam apenas o espaço físico. De qualquer forma, não é hora de passear pelos corredores de uma escola que custa quatro vezes o que você pode pagar.
“A maioria redefiniu a visitação dos pais interessados: está agendando e escalonando fora do horário de funcionamento – por exemplo, aos sábados”, diz Arthur Fonseca Filho, presidente Abepar. Por isso, assim como a mãe no início desta reportagem, talvez você não sinta o clima das salas de aula cheias de crianças. Quer dizer, não convém que estejam cheias mesmo.
No Ensino Fundamental I, espera-se que cada professor tenha uma turma de até 15 alunos – e um espaço condizente com a proporção de três metros quadrados por aluno. Esses parâmetros são anteriores à covid-19. “As exigências aumentaram muito: desde a adoção de protocolos sanitários até a competência das escolas na administração de recursos tecnológicos”, afirma a psicopedagoga Marisa Castanho, presidente da ABPp.
Espaço físico X covid-19
A infraestrutura da escola é apontada por pais e mães como um critério de extrema importância – e eles estão bem alinhados com as medidas de prevenção da covid-19. Na pesquisa feita pela CRESCER, 80% consideram higiene e conservação do local como indispensáveis; 77% buscam salas de aula grandes, arejadas e bem iluminadas.
Para o pediatra e sanitarista Daniel Becker, uma das lições desta pandemia foi a ventilação como forma de reduzir a contaminação de doenças virais: verifique se a escola tem janelas amplas e que podem permanecer abertas. Outros protocolos básicos são aferição de temperatura, álcool em gel disponível, funcionários com máscara adequada, distanciamento entre as carteiras.
Além disso, após um longo período de confinamento, valorize ainda mais os espaços ao ar livre, como quadras, pátios e jardins. “Mas que sejam aproveitáveis e não apenas decorativos”, diz Daniel. “Melhor ainda se tiverem horta e bichinhos.” As escolas pequenas ou sem natureza não têm vez? Ele acredita que podem ser escolhidas, desde que levem as crianças para pracinhas e parques.
Bons profissionais também devem ser capazes de propor atividades físicas e criativas mesmo sem espaços amplos. Antes de descartar a escola porque ela não tem um playground maravilhoso, explore onde e como as crianças gastam energia por ali ou com que frequência acontecem passeios e interações com o meio ambiente.
Modelo híbrido
É impossível garantir que as aulas presenciais não serão suspensas em 2022, ainda mais com o avanço das variantes, portanto as escolas devem estar preparadas para o ensino remoto. Aliás, o ideal é que tenham realmente incorporado a tecnologia como ferramenta educacional. “Um dos aprendizados da pandemia foi considerar a sala de aula para além dos muros físicos”, afirma Débora Vaz, diretora pedagógica do Colégio Santa Cruz, em São Paulo (SP). Por meio de videoconferências, seus alunos puderam conversar com especialistas que vivem em outros países. “Temos núcleos que estão avaliando quais atividades e disciplinas seguirão nos suportes digitais.”
Você pode perguntar à coordenação da escola (e aos pais de alunos matriculados nela) como funcionou esse modelo para as turmas do Fundamental. “Ensino híbrido não é transmitir uma aula ao vivo ou digitalizar o material impresso”, diz Cleuza Bourgogne, diretora do Ensino Fundamental da escola Móbile, São Paulo (SP). “É preciso pensar na integração da tecnologia às metodologias de aprendizagem e ter uma plataforma virtual a serviço dos alunos ativos.” Fóruns multimídia e games didáticos são alguns exemplos. “A tecnologia é (mais do que nunca) repertório das crianças e deve ser entendida de forma positiva”, afirma Cláudia Tricate, diretora pedagógica do Colégio Magno/Mágico de Oz. Ela conta que, durante a pandemia, um estudo foi realizado por meio de óculos de realidade virtual. Os alunos adoraram a iniciativa e agora querem o passeio ao vivo. “Isso mostra que uma coisa não substitui a outra... Ainda bem”.
Conteúdo útil e metodologias ativas
A crise sanitária global gerou reflexões sobre o que é prioridade na educação das crianças. “A maioria das escolas ainda se estrutura apenas para transmitir conteúdo: o aluno está numa posição passiva e decora coisas sem significado para ir bem na prova”, afirma Daniel Castanho, presidente do Conselho da Ânima Educação, sócio das escolas Lumiar e Castanheiras. Ele defende que esse “aprendizado do passado” não promove curiosidade e engajamento, não desperta autoconhecimento e propósito de vida.
A diretora da escola Móbile, Cleuza Bourgogne, sugere que os pais esmiúcem o assunto com a escola candidata: “Pergunte sobre metodologias ativas e que tipo de aluno formam ali.” Investigue se o currículo é engessado ou contemporâneo – se aborda temas como antirracismo e inclusão de pessoas com deficiência, por exemplo. As aulas são apenas expositivas (modelo tradicional em que o professor é protagonista) ou o aluno participa da construção do conhecimento? Existe incentivo ao debate, à troca entre os colegas e à resolução de problemas?
Lúdico, lógico!
As atividades artísticas e esportivas se mostraram excelentes válvulas de escape no estresse do confinamento. Quem não recorreu à massinha de modelar e arremesso de bola para entreter os pequenos em casa? Não há motivo para minimizar sua importância agora. “Precisamos olhar menos para o conteúdo e mais para as relações: criança aprende brincando”, afirma a psicopedagoga Marisa Castanho.
Descubra se a escola incentiva práticas e projetos além do currículo clássico – música, teatro, oficina maker, robótica etc. Para Débora Vaz, diretora do Colégio Santa Cruz, “investir na ludicidade e nas artes forma pessoas com olhar amplo, capazes de se expressar, trabalhar em equipe...”. Habilidades valiosas para prosperar no mercado de trabalho, mas principalmente nos relacionamentos e na vida. Afinal, é disso que nossos filhos vão precisar.
ACOLHIMENTO COM AFETO
“A escola precisa olhar a criança não apenas do ponto de vista pedagógico, mas socioemocional”, afirma a psicopedagoga Quézia Bombonatto. Por isso, vale perguntar se há alguma iniciativa nesse sentido para readaptar os alunos no retorno às aulas presenciais. Como a escola pretende acolher e conectar as diferentes experiências? Algumas famílias ficaram reclusas, enquanto outras seguiram sem tantas restrições. Existem ainda aquelas que estão em luto porque perderam familiares e amigos para a covid-19.
Há uma atenção especial (e contínua) para a saúde mental tanto de alunos quanto colaboradores? A sensibilidade da escola para essas questões é um indício de que considera o desenvolvimento integral de seus alunos. “Os pequenos precisam processar as vivências que tiveram durante a pandemia para tirar lições dela”, diz o pediatra Daniel Becker. “Seria um desperdício ignorar isso para falar de algoritmos e datas históricas”, conclui.
BOLETIM ESCOLAR: PESQUISA REVELA PREFERÊNCIAS DAS FAMÍLIAS
Quando pensam em uma escola de qualidade, a primeira palavra que vem à cabeça é... “afeto” (25%); a segunda resposta mais comum foi “ensino de qualidade” (9%).
60% consideram a indicação de amigos; 48% buscam primeiro pelas escolas da vizinhança.
31% preferem escolas bilíngues; 15% religiosas.
Linha pedagógica que mais interessa: construtivista (45%); montessoriana
(39%); tradicional ou conteudista (21%).
Atividades extracurriculares consideradas indispensáveis para uma boa escola: esportivas (85%); musicais (78%); idiomas (77%).
Fonte: Departamento de Pesquisa da Editora Globo, levantamento online realizado em janeiro de 2021 com mais de 400 pais e mães que têm ao menos um filho de até 8 anos
from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Educacao-Comportamento/noticia/2021/09/primeiro-ano-como-escolher-escola-em-tempos-de-pandemia.html