Quem não quer ter um filho lindo, comportado, estudioso, que coma rabanete e tome banho sozinho sem gastar o vidro inteiro do shampoo? Um filho que tenha amigos, não faça bullying, não sofra bullying e entenda as lições de matemática sozinho.
Quando a gente pare uma criança, coloca no mundo toda uma expectativa. Não só queremos que eles durmam a noite toda quando são pequerruchos, como queremos que eles gostem de outras coisas que não apenas funk quando começam a usar o Spotify.
É impossível não sonhar, esperar e desejar em cada fase da criança. Passei por isso quatro vezes e vivo diversas fases de expectativa ao mesmo tempo. E na mesma medida que sonho, me penitencio por isso.
Porque cada vez que a gente cria uma expectativa com relação aos filhos, cria a enorme possibilidade de se frustrar e, pior, cria a possibilidade de eles nos frustrarem. E, acredite, eles sentem na nossa voz e captam na opacidade do nosso olhar cada frustração.
Num mundo cada vez mais apinhado de Instagrams maravilhosos, vemos cada vez mais crianças fofas, comendo espinafre e sempre com uma roupa bonitinha. Vemos crianças penteadas, irmãos se amando e mães com cara de despreocupadas, sentando a mão em #gratidão #famílialinda #meusfilhosmaravilhosos e afins.
E quando o Instagram mostra, o coração sente.
Lá em casa, irmãos se pegam dia sim, dia também, ninguém penteia o cabelo e chilicar é um verbo conjugado em diversos tempos. E, muitas vezes, observando o caos da nossa família (como qualquer outra) me pego pensando em como “melhorar” as crianças. Ops. Pois é. Desde cravar uma hora sensata para ir para a cama, até estimular a independência, passando claro por como deixá-los mais gentis, amáveis e solícitos.
E toca botar a criança na terapia, na música, no teatro, fazer reunião com a escola e assuntar com os outros pais. Toca ler sobre parentalidade positiva e revisitar aquele clássico que narra como as crianças francesas não fazem manha. Toca botar os defeitos de cada filho na mesa do bar para não se sentir tão sozinha e ver se tira alguma dica ninja para dar aquela melhorada na nossa produção.
Porque no fundo a questão está aí: pensamos os filhos como algo nosso, que nós fizemos e precisamos “dar um jeito”. Mas não é sempre sim. Claro que filhos são responsabilidade dos pais e precisamos ser exemplo e trilho firme pra eles seguirem, mas não podemos achar que eles são um texto que a gente pode editar ou uma cadeira com farpa que a gente pode lixar.
É preciso ter em mente que as crianças são muito mais do que uma junção de pai e mãe. Eles podem até ter o nariz de um e o gênio do outro, mas têm também uma coisa só deles que, na maioria das vezes, não bate com a nossa (enorme) expectativa regada a muito Instagram.
O problema não está em sonhar alto para nossos pequenos, está em querer interferir demais para botar esse sonho em prática, muitas vezes desrespeitando os limites daquele ser em formação. É o velho exercício de saber quando falar e quando calar que precisamos colocar em prática em diversas esferas da nossa vida.
Ser mãe e pai é um grande exercício de desapego, de deixar ir expectativas e sonhos remendados pra que possa entrar a surpresa que cada um deles reserva para nós. Seja um jeitinho tímido, que é isso mesmo e vai ser assim pra sempre, seja uma agressividade latente, que jamais vamos apagar, ou a falta de gosto pelo esporte que tanto amamos.
Lia Bock é jornalista, escritora e mãe de 4 crianças. É autora do Meu primeiro livro, um diário inclusivo para registro dos primeiros anos de vida e do Manual do mimimi, com crônicas sobre relacionamento. Também é colunista do UOL e editora da Plataforma Hysteria. Na sua casa todos podem riscar a parede e comer a sobremesa na frente da TV
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from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Lia-Bock-Meus-filhos-minhas-regras/noticia/2019/08/em-busca-do-filho-perfeito.html