Quem convive com crianças sabe o que é ficar constantemente surpreso com as ideias mirabolantes e as histórias imaginativas que saem daquelas cabeças. Elas usam utensílios de cozinha como instrumentos musicais, têm diálogos profundos com amigos imaginários e colocam no mundo criaturas fantásticas com massinha, tinta e blocos de montar. Nos primeiros anos, o mundo é um grande parque cheio de possibilidades para explorar, descobrir e transformar.
Desde 1940, quando os testes de QI começaram a ser aplicados em larga escala, a pontuação média da população aumenta a cada década. Para os pesquisadores, o fato de atualmente as pessoas se alimentarem melhor e receberem educação formal de mais qualidade desde os primeiros anos de vida explica o impacto positivo no desenvolvimento cognitivo. Porém, segundo os especialistas consultados para esta reportagem, até o fim da infância, que acontece por volta dos 12 anos, muitas perderão boa parte desse potencial criativo. Além disso, a partir de 1990, as novas gerações se saíram pior do que as anteriores nesse tipo de avaliação, segundo levantamento da pesquisadora e professora de psicologia da faculdade William & Mary (EUA) Kyung Hee Kim.
Por que estamos criando filhos mais “inteligentes”, mas menos criativos? Para responder a essa pergunta, primeiro é preciso entender o que é criatividade, definida não só pela capacidade de se expressar de uma maneira diferente, mas pela criação de algo novo. Geralmente, quando pensamos em alguém criativo, nos vem à cabeça a imagem de um escultor excêntrico ou de um músico genial, mas a criatividade não é uma exclusividade da área de Humanas. Um engenheiro que inventa um novo produto ou uma cientista que descobre o tratamento para uma doença também dependem dela para ter sucesso, assim como tantas outras carreiras (confira nos quadros com perfis de pessoas criativas).
Dentro do cérebro, a criatividade está ligada ao córtex pré-frontal, também responsável pela regulação do comportamento. A imaturidade dessa região na infância explica, em parte, por que os pequenos parecem mais criativos do que os mais velhos de acordo com o neurologista Kenneth Heilman, diretor do departamento de neurologia da Universidade da Florida (Estados Unidos). “O córtex pré-frontal só amadurece completamente por volta dos 25 anos, o que faz com que as crianças sejam criativas de uma maneira diferente. Elas são ‘pensadoras divergentes’ por natureza e não têm maturidade para se autocensurar, por isso, conseguem chegar a ideias criativas quase de forma aleatória. Já os adultos frequentemente pensam de uma maneira muito focada e estreita. A criatividade foi arrancada deles por estarem sempre fazendo o que precisam, em vez de o que querem, e obedecendo ordens”, explica o cientista.
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Por trás da “crise criativa”
Entre os principais responsáveis pela diminuição da criatividade das crianças atualmente, segundo o educador Max Haetinger, doutor em Ciências da Educação pela Universidade do Porto e diretor do Instituto Criar, em Porto Alegre (RS), estão o foco do ensino na preparação para avaliações que exigem grande capacidade de memorização, como o vestibular, e a imposição de regras exageradas dentro e fora de casa. “As crianças têm um decréscimo de capacidade criativa dos 9 aos 12 anos, quando fazem a transição da escola lúdica para o ensino formal. A mesma coisa acontece quando os pais, muitas vezes pelo excesso de proteção, não dão oportunidades para que o filho teste coisas novas, controlando cada passo dele por meio do celular ou simplesmente proibindo que ele explore novidades sem a supervisão superpróxima”, diz Haetinger.
Essa queda de criatividade na população em geral aumenta a procura por pessoas inovadoras no mercado. Em um estudo global conduzido pela IBM em 2010, cerca de 1.500 CEOs de 60 países e 33 indústrias foram entrevistados, e mais da metade deles revelou acreditar que a criatividade – mais do que o rigor ou a visão de negócio – é a característica decisiva para o sucesso em um mundo complexo e automatizado. “Ser criativo é visto por muitos como a competência essencial para quem viverá neste século, e isso fica cada vez mais evidente no mercado de trabalho”, aponta Haetinger.
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Porém, muito antes de fazer a diferença no mercado de trabalho, a criatividade pode ajudar o seu filho a viver melhor. Ela é essencial na hora de encontrar uma resolução mais eficiente para todo tipo de problema, desde arrumar o quarto até fazer a lição de casa; melhora o processo de aprendizado e torna as crianças mais confiantes em suas habilidades. E a boa notícia é que ela pode ser estimulada no dia a dia, confira: 8 dicas para incentivar a criatividade do seu filho.
from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Criancas/Desenvolvimento/noticia/2019/08/entenda-como-funciona-criatividade-das-criancas.html