Tuesday, November 2, 2021

"Maternidades no Plural": livro destaca como cada mãe é única e há diferentes formas de ter uma família e de criar um filho

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Seria maravilhoso se houvesse um guia infalível para maternar sem erro. Mas a maternidade real não tem solução mágica, passo a passo milagroso, enredo exato e previsível. Assim como cada criança é uma – e, infelizmente, não vem com manual –, cada mãe é uma também, com sua história de vida, seus anseios, suas dúvidas.

É o que mostra o livro “Maternidades no Plural”, que conta as histórias de seis mulheres: Annie Bacarat, fotógrafa e mãe do Lilo, que fala de adoção e maternidade solo; Deh Bastos, comunicadora e mãe do José, que fala sobre maternar e racismo; Glaucia Batista, economista e mãe do Thales e do Breno, que narra experiência com a maternidade atípica; Ligia Moreiras, cientista e mãe da Clara, que não tinha o sonho de ser mãe, mas seguiu o caminho da maternagem solo; Marcela Tiboni, artista plástica e mãe da Iolanda e do Bernardo, que divide com os leitores a vivência da maternidade lésbica; e Mariana Camardelli, especialista emocional, mãe da Flora e madrasta do Augusto e do Vicente, que traz uma nova visão sobre o papel da madrasta na vida dos enteados.

Grupo diverso de mães com os filhos (Foto: Ariel Skelley/Getty Images)

 

“Os livros de parenting raramente tratam de famílias que fogem do ‘comercial de margarina’, ou seja, mamãe, papai e filhinho(s). Assim, começamos a nos perguntar: o que pensa uma mãe que não se vê nesses livros? Onde ela encontra apoio e opiniões? O que será que ela tem a dizer? E assim surgiu a ideia do Maternidades no Plural”, conta Marina Castro, editora da Fontanar, selo que publicou o livro. Neste contexto, quanto mais diversidade, melhor. Por isso, o livro foi escrito a seis mãos, permitindo que as autoras contassem sua experiência em primeira pessoa e mostrassem que o conceito de família é amplo e plural.

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“A gente precisa entender que existem pessoas diferentes e configurações diferentes de relacionamentos. E disso nascem vários modelos de família. E todas elas merecem nosso respeito”, afirma Mariana Camardelli, uma das autoras do livro que concederam esta entrevista exclusiva à CRESCER. Com ela, Annie Bacarat, Glaucia Batista, Deh Bastos e Marcela Tiboni falam sobre maternidades no plural. Confira!

CRESCER: Na opinião de vocês, em que medida as convenções sociais influenciam na vontade de maternar e no modo de maternar de cada mulher?
Annie Bacarat: Acho que como ainda temos muito forte a presença da família margarina – pai, mãe e filhos felizes – e tudo diferente disso é “errado”, desestimulamos ao invés de fortificar escolhas diferentes. Mas acredito que nosso trabalho vai contribuir para fortalecer esta mudança.

Deh Bastos: Acho que influenciam 100%. Nossa sociedade é toda construída em padrões machistas e a reprodução é estrutural.

CRESCER: Falta informação e apoio para quem quer maternar “fora da caixa”?
Glaucia Batista: Falta sim. Nosso livro veio preencher um espaço ainda muito raro de produtos que espelham a sociedade em sua forma real e diversa. Havia um tempo em que a mídia projetava um modelo ideal a ser alcançado. Acho isso frustrante porque o ideal não existe. Hoje, as pessoas buscam se enxergar através dos produtos que consomem, mas ainda assim lidam com barreiras internas, moldadas por uma educação estruturalmente preconceituosa.

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CRESCER: Qual a importância de contar com profissionais preparados, acolhedores e empáticos na jornada da maternidade?
Marcela Tiboni: Fundamental!!! Quando fomos à clínica de reprodução humana pela primeira vez, a ansiedade dividia lugar com o medo. Porque se qualquer profissional de saúde no início desta jornada da maternidade excluísse meu papel de mãe eu ficaria completamente acuada e insegura. Nossa dupla maternidade desde o princípio foi validada, apoiada e amparada por nossos médicos da clínica, a pediatra dos nossos filhos, obstetra, consultora de amamentação e doula. Mas infelizmente esta não é a realidade da grande parte da comunidade da área da saúde.

CRESCER: Quão importante é contar com uma rede de apoio na maternidade?
Annie Bacarat: Entendo que é um dos pontos mais importantes. Após a adoção do meu filho, entendi e valorizei toda a ajuda que eventualmente recebo. Infelizmente, no meu caso, minha rede de apoio é quase inexistente. E isso traz um peso de mãe heroína que na realidade está mais pra mãe exausta. Sou apenas eu e meu filho, da hora em que acordamos até a hora de dormir. Com exceção do período em que ele está na escola, todo o cuidado é meu. As redes de apoio suavizam as dificuldades e nos proporcionam aquele momento em que podemos, mesmo que por curto tempo, cuidar somente de nós.

Capa do livro Maternidades no Plural (Foto: Divulgação)

 

CRESCER: Para vocês, o que define a maternidade?
Mariana Camardelli: Maternar é uma escolha, ao contrário do que se pensa na sociedade de que é um instinto da mulher. O que define a maternidade é a tomada de responsabilidade pelo cuidado, pelo vínculo, pelo afeto.

CRESCER: Qual a importância da figura paterna na criação de uma criança? E como vocês enxergam as desigualdade entre o valor da figura paterna e da figura materna, especialmente quando falamos de famílias não-tradicionais?
Glaucia Batista: Percebo que em todas as relações a figura paterna tem funções sociais pré-estabelecidas. No meu caso, se brinco com meu filho para estimular o desenvolvimento dele, me rotulam de guerreira incansável. Quando o pai faz o mesmo, ele é lido como um pai maravilhoso, bom demais, um exemplo de anjo caído do céu. O pai dos meus filhos é quem me oferece a parceria que me permite ser a mãe que eu sou. Compartilhamos o desejo de ver nossos filhos felizes. E nossos filhos ficam felizes quando percebem amor e cuidado entre nós dois.

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CRESCER: O que falta para que todas as maternidades sejam aceitas na nossa sociedade?
Marcela Tiboni: Tanta coisa... Falta informação de qualidade, mas falta, principalmente, um fácil e amplo acesso a esta informação. Falta um compromisso da mídia com as diversas formas de parentalidade. Falta a representação da pluralidade de famílias nos filmes, novelas, gibis, desenhos animados, jornais, revistas e televisão. A empatia e a "mente aberta" são um processo de construção coletiva e colaborativa, havendo informação, acesso e representatividade em massa nas grandes mídias, acredito que a mudança e a transformação sejam possíveis.

CRESCER: Na opinião de vocês, que maternaram de maneiras tão diferentes, como se criam os vínculos com os filhos?
Marcela Tiboni: Vínculo se cria com convivência, com tempo, com descobertas partilhadas.  Vínculo é construção não é um objeto pronto e entregue a alguém em um determinado momento ou situação. Ao se sentir inferior é sempre importante pensar "inferior a que modelo de parentalidade?". Muitos insistem em me dizer "mãe só tem uma" e eu também acredito nisso, cada mãe é uma, é única, só ela existe daquele jeito no mundo, não há outra igual. Nem na minha casa, onde existem duas mães, existe igualdade plena, podem existir semelhanças, mas somos únicas e diferentes.

CRESCER: Para vocês, o que constitui uma família?
Annie Bacarat: Família é formada por uma ou mais pessoas (avós, mães, pais....) que se responsabilizam pelo crescimento de uma criança através do amor e dos cuidados diários.

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CRESCER: Muitas mulheres veem na maternidade uma incompatibilidade com o crescimento profissional. No entanto, vimos pelas histórias do livro que a maternidade pode ser um propulsor para o sucesso profissional. Vocês sentiram esse medo? 
Annie Bacarat: O medo existiu e existe. Mas o fato de ser mãe solo me coloca numa posição em que não há escolha, que o sucesso precisa acontecer. O futuro do meu filho tem relação direta em como lido com as questões profissionais ou de crescimento nesta área.

Deh Bastos: Eu tinha certeza absoluta que depois da maternidade eu não conseguiria ter uma vida profissional, eu inclusive adiei o máximo possível o planejamento de ter um filho por causa disso e a vida, surpreendente como sempre, fez com que minha vida decolasse quando meu filho nasceu e eu pari junto um propósito.

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CRESCER: Algumas vezes, os nossos medos podem impedir nossos filhos de se desenvolverem em sua plenitude. Como evitar a superproteção?
Glaucia Batista: Por trás da superproteção está o capacitismo estrutural. No caso das pessoas com deficiência, estamos condicionados a enxergá-las como aquela que necessita de ajuda. Na verdade, elas precisam de adaptação para viver em um mundo construído para a maioria de pessoas típicas. Mudar esta visão é o primeiro passo. A neurodiversidade não é um conceito novo. Assim como todos os corpos são diferentes, o cérebro também é. Pensamos e agimos de forma diferente, somos bons em algumas habilidades e péssimos com outras. Precisamos permitir que as crianças explorem as possibilidades e testem nossos limites. 

CRESCER: Como vocês lidaram com o preconceito e o que fizeram para superar?
Mariana Camardelli: Aqui acho que o elemento fundamental é ter coragem para enfrentar. Nem sempre é fácil, muitas vezes ofensas e críticas chegam de dentro da própria família, mas se a gente acredita realmente no que está tentando criar dentro da nossa casa, acho que as batalhas valem a pena sim!

CRESCER: A pandemia exigiu ainda mais da mulher no papel de mãe. Por que se espera mais dela nesses momentos de crise? E por que ela toma para si essa responsabilidade e se sobrecarrega?
Mariana Camardelli: Vejo a pandemia como uma oportunidade de repensar funções parentais e distribuição de tarefas dentro de casa. Se não houver conversa, dificilmente as estruturas se modificam. Como mulher (mãe e madrasta) decidi não aceitar que essa sobrecarga venha como responsabilidade para mim – isso precisa ser compartilhado.

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CRESCER: Maternar é mudar o mundo diariamente. Por qual mudança vocês estão trabalhando?
Mariana Camardelli: Eu trabalho por uma mudança de narrativa social em que divórcios não são fracassos, nem tabus. Trabalho para que as pessoas tenham o direito garantido (inclusive por lei) de se separar e retomar suas vidas afetivas. E quando isso acontece, que exista acolhimento e entendimento desse lugar que a madrasta ocupa. Menos preconceito, mais inclusão. Madrasta não é bruxa.

Marcela Tiboni: Meu trabalho é falar sobre a composição da minha família, mostrar, naturalizar, dialogar, escrever e produzir conteúdo sobre o tema. Quanto mais eu puder ser voz, mais chances meus filhos têm de escutarem menos atrocidades no futuro próximo. Quero que meus filhos vejam a sociedade de forma plural e diversa.

Glaucia Batista: Luto para que eles possam desenvolver plenamente suas potencialidades e, sobretudo, para que nunca duvidem da importância que têm. Que eles saibam reconhecer como devem e merecem ser tratados pela sociedade. Antes de qualquer transtorno invisível, aparece a cor da pele. Minha luta não se desvia da luta antirracista. É mais uma camada dela. Precisamos combater todo preconceito que marginaliza pessoas.

Annie Bacarat: Pretendo formar um homem sem preconceitos, que respeite e entenda a escolha das pessoas e que também tenha liberdade nas tuas escolhas, assim como eu tive quando decidi adotar sozinha.

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from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Educacao-Comportamento/noticia/2021/11/maternidades-no-plural-livro-destaca-como-cada-mae-e-unica-e-ha-diferentes-formas-de-criar-um-filho.html

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