Quando Telêmaco, procurando seu pai, Ulisses, chegou a Esparta, foi entretido pelo rei Menelau e sua esposa, Helena, que felizmente estavam reconciliados. Helena, que, apesar de ter abandonado seu marido e se casado sucessivamente com dois príncipes troianos, os irmãos Páris e Deífobo (ambos já mortos), faz o papel de amante, esposa, dona de casa e perfeita anfitriã, oferecendo jantares seletos e uma conversa agradável a seus convidados. Pareceria quase uma piada, se não fossem as mortes de dezenas de milhares de pessoas e a cidade de Troia arrasada por completo.
O melhor do banquete é o nepente (“sem dor”), uma poderosa erva trazida do Egito: anexa ao vinho/ de nepente porção, que aplaque as iras/ e as tristezas desterre; o que a bebesse/ não brotava uma lágrima no dia/ por mãe, nem genitor, irmão, nem filho/ que visse degolar.
E ninguém no jantar acha estranho; ninguém duvida, não apenas da eficácia da droga, mas da razoabilidade de seu objetivo. Ninguém parece duvidar de que seria algo bom não deixar cair uma lágrima se você presenciasse seus pais, seus filhos ou seu irmão sendo degolados.
Parece, então, que é muito antigo esse desejo humano de alcançar magicamente uma felicidade vazia e inútil; uma felicidade que não se baseia na companhia dos seres queridos, nem em aprender, nem em criar ou realizar algo, nem em apreciar a arte, nem em contemplar a beleza, nem em superar obstáculos, nem em se sentir útil para os outros, nem no orgulho de um trabalho bem-feito; uma felicidade idiota. Não precisamos solucionar os problemas; basta que eles deixem de nos incomodar. Anestesiar qualquer sentimento, renunciar a qualquer possível alegria, contanto que se evite qualquer possível tristeza.
Mas faltavam três milênios para que a indústria, não satisfeita em vender seus remédios para os doentes que precisam deles (são tão poucos, não é mesmo?), optasse por anunciar suas pílulas da felicidade, não para doenças mentais, mas para “curar” a tristeza, o cansaço, a irritação ou a preocupação. Para a vida cotidiana, mesmo. E milhões de pessoas tomam essas pílulas, que podem provocar importantes efeitos colaterais e uma grande dependência. E devem continuar tomando, não apenas para buscar a felicidade, mas para evitar a síndrome de abstinência.
Há algum tempo, vi um menino de 5 anos a quem haviam receitado um ansiolítico e um antidepressivo porque estava muito triste pela morte de seu pai. Chorar pela morte de um pai? Com certeza, não é normal! Precisa de tratamento!
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