Pegar o bebê nos braços é um dos momentos mais aguardados depois do parto. Finalmente sentir o toque, o cheirinho, os batimentos cardíacos e aninhar a criança no peito é, sem dúvidas, uma oportunidade única e emocionante para quem acabou de dar à luz. Mas a importância desse primeiro contato pele a pele vai muito além.
A primeira hora de vida do bebê fora do útero também é determinante para a sua saúde no futuro. Ou seja, o que acontece logo depois do nascimento não fica restrito à sala de parto. Os protocolos adotados nesse momento podem trazer impactos a curto e longo prazos tanto para a mãe quanto para o bebê. Não é à toa que a primeira hora de vida é conhecida como 'golden hour' ('hora dourada' ou 'hora mágica', em português).
"Essa transição da vida uterina para o ambiente externo é um momento difícil e decisivo. O ambiente uterino é aconchegante, restrito, protegido. Permitir esse contato pele a pele e o colo dos pais torna esta transição mais acolhedora e menos traumática", explica o pediatra Paulo Telles (SP).
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Por isso mesmo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que esse contato entre mãe e bebê aconteça o mais rápido possível depois do nascimento, de preferência na primeira hora após o parto, ainda durante a 'golden hour'.
Segundo a pediatra e neonatologista Mônica Carceles Fráguas, do Hospital e Maternidade Pro Matre (SP), esse é um protocolo recente, que cada vez mais vem sendo adotado por equipes de assistência ao parto. "Antigamente, a rotina na maternidade era o bebê nascer, ser avaliado, trocado, secado, vacinado e só aí levado para perto da mãe. Mas várias evidências recentes têm mostrado que isso não é o melhor a ser feito. Sempre que possível, deixamos o bebê com a mãe e só depois fazemos os outros procedimentos", explica.
Os especialistas ouvidos pela reportagem concordam: quando um bebê nasce a termo (com ao menos 37 semanas de gestação) e saudável, não há nenhum cuidado tão urgente que não possa esperar alguns minutos. Se a criança respira com tranquilidade e apresenta os sinais vitais estáveis, ela pode ir direto para o peito e o colo da mãe, para a primeira mamada. Não há pressa para medir o bebê, pesá-lo, vaciná-lo... Nesse primeiro momento, nada é mais importante do que esse "abraço de boas-vindas".
Esse contato pode ser feito em todo tipo de parto, seja ela normal, natural ou cesariana. O importante é que a equipe médica avalie se tanto a mãe quanto o bebê têm condições clínicas favoráveis para isso. "Caso haja necessidade de assistência e reanimação do bebê, instabilidade respiratória, hemodinâmica ou térmica , além de situações clínicas maternas, como sangramento ou algum desconforto, evitamos para não colocar em risco a saúde de ambos. Mas na grande maioria das vezes é possível, sim. Pediatra e obstetra definirão em conjunto se mãe e filho estão aptos", afirma Paulo.
Em alguns casos, até bebês prematuros podem desfrutar da hora dourada, especialmente aqueles com mais de 34 semanas – mas tudo dependerá, é claro, da idade gestacional e das condições clínicas da mãe e do bebê na hora do parto. Isso porque prematuros costumam apresentar hipotermia, desconforto respiratório e exigir assistência emergencial logo após nascerem.
Cada vez mais estudos mostram que o contato pele a pele na primeira hora de vida é fundamental para a saúde do bebê. Além de ajudá-lo a se aquecer e se sentir seguro, esse é também o momento ideal para que ele já tenha a primeira mamada.
Um relatório divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pela OMS mostrou que os recém-nascidos que são amamentados na primeira hora de vida são beneficiados de várias formas. O contato pele a pele e a sucção da mama estimulam a produção do leite materno, ajudam a controlar a temperatura corporal, a adquirir anticorpos...
"Quando se trata do início da amamentação, o timing é tudo. No entanto, todos os anos, milhões de recém-nascidos perdem os benefícios da amamentação precoce e as razões - com muita frequência - são coisas que podemos mudar. As mães simplesmente não recebem aconselhamento suficiente para amamentar dentro desses minutos cruciais após o nascimento, mesmo da equipe médica nas unidades sanitárias", diz Henrietta H. Fore, diretora executiva do Unicef.
Segundo o relatório, a estimativa é de que, anualmente, pelo menos 78 milhões de bebês não sejam amamentados na primeira hora de vida. Isso significa que a cada cinco crianças nascidas no mundo, três não têm esse privilégio de começar o aleitamento logo depois do parto. "Se o bebê não mama nesse primeiro momento, ele perde uma oportunidade valiosa, porque depois vai entrar num estado de relaxamento muito grande, em que passará horas sem querer sugar ou mamar. Aí acabamos postergando o começo da amamentação", explica a pediatra Mônica Carceles Fráguas.
A sucção do peito da mãe na primeira hora de vida também ajuda a estimular a liberação do colostro, rico em nutrientes e anticorpos, e da prolactina, hormônio que atua na produção de leite. Ao aproveitar o momento em que a criança está mais ativa e a prolactina em alta, fica mais simples garantir o sucesso da amamentação nos próximos dias, semanas e meses.
"Na barriga da mãe, o bebê passa semanas sugando o próprio dedo e engolindo líquido amniótico. No momento do nascimento, ele só coloca em prática seus instintos. Não necessariamente a mamada seja o mais importante nesse primeiro momento, mas, sim, o contato. Pode ser que o bebê não mame, mas o toque pele a pele por si só já traz inúmeros benefícios como estabilização da frequência cardíaca e respiratória, menor risco de hipotermia, melhora da glicemia...", diz a enfermeira obstetra Cinthia Calsinski, especialista em aleitamento materno (SP).
Não é só o bebê quem se beneficia da golden hour. Para a mãe, essse contato imediato com o filho depois do parto também tem um impacto positivo. A amamentação na primeira hora de vida ajuda, por exemplo, a aumentar os níveis de ocitocina. "Esse hormônio ajuda na contração uterina e, consequentemente, leva a um menor risco de sangramento e hemorragia", afirma Cinthia.
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Segundo o pediatra Paulo Telles, além de colaborar para a contração do útero, a liberação de ocitocina também contribui para a expulsão da placenta de forma mais fisiológica. "Alguns estudos também mostram uma relação da golden hour com a diminuição nos índices de depressão pós-parto, com o controle da pressão arterial materna e com a criação de um vínculo entre mãe e bebê", destaca o especialista.
O contato imediato com o bebê depende de muitos fatores, que só poderão ser avaliados, de fato, pela equipe médica na hora do parto. Porém, ainda no pré-natal, a família pode conversar com o obstetra sobre a vontade de respeitar a golden hour e perguntar sobre a possibilidade de adiar os primeiros procedimentos com o recém-nascido.
"Isso pode ser manifestado tanto nas consultas pré-natal quanto no plano de parto. Basta dizer que, se for possível e se o bebê nascer bem, a mãe tem vontade de que ele seja colocado imediatamente no seu colo", explica Mônica. Por isso, uma dica é revisar o plano de parto com antecedência e compartilhá-lo de novo com a equipe médica quando chegar ao local em que dará à luz.
Às vezes, o bebê precisa receber cuidados médicos especiais logo depois do nascimento e, por causa disso, não consegue ir imediatamente para o colo da mãe, fazer o contato pele a pele e ter a primeira mamada durante a hora dourada. "Se isso acontecer, não tem problema nenhum. O pele a pele pode ficar para outro momento. Se a mãe não conseguir amamentar depois do parto, ela provavelmente vai conseguir fazer depois. É importante a gente lembrar que o vínculo entre mãe e filho é construído mesmo que ela não consiga amamentar e abraçar o bebê nessa hora", diz Mônica.
Segundo o pediatra Paulo Telles, os benefícios da hora dourada são, sim, muitos. Mas eles podem ser adquiridos também em outras oportunidades e contextos. "Todos estes fatores positivos da golden hour devem ser destacados e valorizados, mas temos que deixar claro que a construção do vínculo e a amamentação são multifatoriais e podem ser recuperadas mais para frente. É muito importante valorizar a primeira hora de vida, mas, na jornada da vida, podemos até ter dificuldades na largada, mas temos de ter a tranquilidade de que os fatores determinantes para que vençamos a corrida serão muitos."
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from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Gravidez/Parto/noticia/2021/11/golden-hour-o-que-e-e-quais-sao-os-beneficios-da-hora-dourada-do-parto.html