Tuesday, November 2, 2021

Denise Fraga: "Não economizemos os abraços. Demoremos neles para dar a chance de outro coração bater em nosso peito"

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Minha mãe já tomou as duas doses da vacina. Eu tomei a primeira. Nestes tristes tempos pandêmicos, me dei o direito ao esperado abraço. Foi um encaixe único, inesquecível. Não esperava. Fui abraçá-la assim, meio de lado, num abraço desajeitado, ela sentada, eu em pé, ainda um tanto atenta aos protocolos. Mas algo aconteceu. Fui fisgada, surpreendida por um encaixe único, um conforto. Obra da urgência, ou da necessidade, uma memória qualquer me grudou ali. Aquela posição que podia me gerar um torcicolo, me colocou de volta em algum lugar muito reconhecível, mergulhada no corpo de minha mãe. Fiquei ali. Torta. Com vontade de chorar.

Pesquisadores japoneses estudaram o abraço perfeito (Foto: Andrea Piacquadio/ Pexels)

 

 

Já não sou mais filha. Sou mãe há muito tempo e tenho sido, inclusive, meio mãe de minha mãe. Ela não me pede. Faço sem querer, por chatice, por excesso, pela filha rebelde que não fui e que ela sabe ser. Vai fazer 80 anos este mês, está com a cabeça ótima. Internauta, se vira sozinha, faz supermercado, vê filmes e lives, faz e acontece no mundo virtual. Mas comeu tudo o que quis, aproveitou as delícias dessa vida e seu corpo já não tem a mesma leveza de seu espírito curioso e passeador. Cada vez tem mais dificuldades de locomoção. Foi nesse corpo sentado que me afundei e fiquei imóvel sentindo o seu cheiro doce. Ocitocina pura.
 

“Somos feitos do outro, dos outros, nossos e alheios”
Denise Fraga

 

Quando soltei do abraço, tive vontade de abraçar meus filhos que, naquela hora, estavam longe de mim. Minha mãe me deu saudade dos meus filhos. Somos uma cadeia de gerações, e aquele abraço torto e profundo fez eu sentir falta da outra parte de mim, de nós, o que prolonguei dela. O ciclone dos dias vai rompendo a lembrança física desse aglomerado contínuo, em que os cheiros, as peles, a forma de sentar, a finura dos cabelos sabem restabelecer num toque todos os saberes.

– “Então, sou isso”, pensei.

Sou isso. Também. E tudo o que agreguei. E meus filhos também o são. E agregarão. Essa é nossa cadeia, nosso conjunto de vivências, sonhos, erros e acertos. Nossa árvore.

Esses tempos difíceis têm posto a existência em lente de aumento, em todos os sentidos. Pequenas alegrias podem tomar grandes proporções. Pequenos dramas, também. Perceber a árvore da vida no abraço torto que dei na minha mãe talvez tenha sido uma das preciosidades herdadas desses dias estranhos. Talvez não aconteça de novo tal epifania, humanos que somos, que se adaptam, se acostumam assustadoramente, e precisam que a ausência lhes confirme a presença, às vezes, já perdida para sempre. Percebi, estive ali, em total presença, com meu corpo no corpo de minha mãe. Senti seu cheiro, sua pele e uma alegria profunda por poder abraçá-la ainda.

Que não esqueçamos o aprendizado maior desses tempos: somos feitos do outro, dos outros, nossos e alheios. Não economizemos os abraços. Mais: demoremos neles para dar a chance de um outro coração bater em nosso peito.
 

Denise Fraga é atriz, casada com o diretor Luiz Villaça e mãe de Nino, 23 anos, e Pedro, 21 (Foto: Cauê Moreno/Editora Globo)

 

 



from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Denise-Fraga/noticia/2021/11/denise-fraga-nao-economizemos-os-abracos-demoremos-neles-para-dar-chance-de-outro-coracao-bater-em-nosso-peito.html

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