A trágica morte da cantora Marília Mendonça, aos 26 anos, em uma queda de avião entristeceu o país. Além de deixar milhares de fãs, parentes e amigos, Marília também deixa um filho, Léo, que vai completar 2 anos em dezembro. O caso gerou uma reflexão: existe uma forma adequada para tratar de um assunto tão delicado com as crianças?
Rita Calegari, psicóloga da ICareGroup, explicou em entrevista à CRESCER que é muito importante que, em situações como essa, a criança seja amparada por sua rede de apoio já conhecida (como pai, avós ou babá, por exemplo) para que, a princípio, não haja grandes mudanças de rotina. “Nós sempre indicamos tentar manter a rotina. E quando já há uma estrutura organizada para cuidar dessa criança, sua rotina pode ficar melhor preservada. É importante tentar manter o máximo possível do dia a dia que ela já estava habituada, para que essa criança não precise lidar com muitas mudanças ao mesmo tempo”, recomendou.
Após a morte do ente querido, a família pode apoiar a criança com ações acolhedoras. “Forneça muito carinho e tranquilize a criança com frequência, ressaltando que ele ou ela continuará a ser amado e cuidado. Incentive a falar sobre suas emoções. Sugira outras maneiras de expressar sentimentos, como escrever em um diário ou desenhar um quadro”, aconselhou Mônica Pessanha, psicanalista da USP, palestrante, autora e colunista da revista CRESCER.
Para as especialistas, há 3 dicas essenciais sobre como tratar do assunto com os pequenos:
Rita explica que, geralmente, as crianças de até 6 anos não conseguem entender o conceito essencial em relação à morte: a irreversibilidade. “Para as crianças menores, pode ser difícil entender que aquela pessoa nunca mais vai voltar”, disse. Apesar disso, é importante tentar ressaltar que o ente querido realmente se foi, para que o pequeno não crie a ilusão de que a pessoa irá voltar um dia – situação que pode gerar ainda mais frustação para a criança.
Além disso, é importante não ignorar a criança por acreditar que ela não está percebendo o que está acontecendo. Mesmo que ela não entenda o conceito de morte, ela vai sentir que tem algo de errado com a família, já que as pessoas tendem a ficar mais tristes e desanimadas. Por isso, é essencial que, dentro das crenças e valores de cada família, os adultos conversem com a criança com sinceridade e expliquem o que de fato aconteceu. “É recomendado não utilizar frases como ‘foi viajar’ ou ‘está dormindo’, porque isso faz com que a criança fique esperando o retorno dessa pessoa”, destacou.
Rita explica, ainda, que cada família pode se apoiar em sua própria cultura ou crença, para ajudar a explicar a situação de perda para a criança. “Se a família for religiosa, é possível utilizar conceitos da própria religião para explicar a perda, dizendo, por exemplo, que a pessoa foi morar com Deus”, aconselhou. Saber que a pessoa não vai mais voltar é mais saudável e evita que a criança fique frustrada.
+ 10 filmes para falar sobre o luto com as crianças
Com o passar dos dias, a falta daquele ente querido vai ficando mais clara para a criança, o que pode fazer com que ela questione mais sua ausência. “É importante ser transparente e dizer a verdade sempre que a criança perguntar. Assim, a criança pode passar pelo processo de luto com a ajuda da família, evitando que ela sofra em silêncio”, indicou Mônica.
A psicóloga recomenda que os adultos não escondam o choro da criança e deixem que ela compartilhe, junto com a família, o sentimento de tristeza. “A criança precisa se sentir segura, então por mais que ela deva participar de momentos de choro de saudade, ela deve ser poupada de momentos de muito desespero ou desconsolo. Caso contrário, ela pode ficar assustada”, esclareceu.
Não permitir que a criança chore ou reaja com tristeza àquela ausência não é o caminho certo, ressaltou Rita. “Deixe que ela chore e ponha para fora esse sentimento de tristeza, isso é esperado”, explicou. Por não entender a irreversibilidade da morte, muitas vezes o pequeno acaba até dando consolo para os adultos, secando suas lágrimas e oferendo carinho.
Mônica acrescentou que quando os adultos também expressam suas emoções, a criança pode se sentir encorajada a compartilhar o que está sentindo. “Sem sobrecarregar a criança, é legal compartilhar a dor com ele ou ela”, aconselhou.
Até os 6 anos, as crianças têm tendência a achar que tudo acontece por sua causa, o que faz com que ela possa se sentir culpada pela ausência daquela pessoa. Por isso, os adultos precisam explicar para a criança que ela não fez nada de errado e que a pessoa não foi embora por sua causa. “Se a vovó morreu, por exemplo, precisamos explicar que ela não vai mais voltar, mas ressaltando que ela não foi embora por estar brava com a criança”, disse a psicóloga.
No dia a dia com as crianças, é comum que os pais castiguem seus filhos os privando de fazer algo de que gostam, por exemplo, proibindo de ver TV ou jogar videogame. Por isso, a criança pode acabar associando a ausência da pessoa a um castigo. “Não é raro que ela crie a ilusão de que é responsável por aquela morte, então é essencial explicar que a criança não tem culpa de nada”, reforçou.
Para crianças de qualquer idade, seus cuidadores podem buscar apoio de um psicólogo infantil. Alguns profissionais podem oferecer atendimento voltado à família, para orientar sobre como lidar com a situação. Caso a criança apresente alguma complicação maior, como parar de comer ou apresentar problemas de saúde, é importante procurar um pediatra.
Em algumas situações, a criança pode, ainda, demonstrar regresso de comportamento. “Crianças maiores que já pararam de usar fralda, por exemplo, podem voltar a fazer xixi na cama, outras podem voltar a ficar um pouco mais infantilizadas. Nesses casos, é interessante buscar auxílio profissional”, aconselhou Rita.
Sobretudo, é importante ter em mente que a família precisa atuar como um “filtro”. A criança deve, sim, vivenciar a dor que faz parte do processo de luto, mas não deve se “afundar” nesses sentimentos. “É preciso ter uma estrutura familiar que continue funcionando, para que a criança continue brincando, tendo momentos de descontração, para que sua rotina continue funcionando”, lembrou a psicóloga.
Para crianças muito pequenas, pode ser difícil manter as lembranças vividas com aquele ente querido até a vida adulta. Por isso, parentes podem mostrar registros daquela pessoa, para estimular a memória da criança a manter as recordações vivas, completou Mônica.
Saiba como assinar a Crescer para ter acesso a nossos conteúdos exclusivos
from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Educacao-Comportamento/noticia/2021/11/adeus-marilia-mendonca-como-falar-sobre-morte-com-criancas-pequenas.html