Algumas crianças não conseguem largar a chupeta. Outras, sofrem muito com a adaptação escolar. Às vezes, o problema é o ciúme do caçula que acabou de chegar. O fato é que, às vezes, parece que o diálogo não funciona e, mesmo tentando de tudo, os pais não conseguem fazer com que os filhos entendam e aceitem certas situações.
Há pouco mais de dois anos, a psicóloga Nanda Perim, do blog Psi Mama, testou inúmeras táticas na tentativa de fazer com que o primogênito, Theo, hoje com 5 anos, largasse a chupeta. Até que uma estratégia deu certo. "Na época, ele estava prestes a fazer 3 anos e percebemos que a chupeta estava causando alterações dentárias. Decidimos conversar com ele durante o sono, ou seja, enquanto ele estava dormindo", conta.
"NÃO É MÁGICA"
"Na primeira noite, depois que Theo dormiu, pedi para que ele parasse de chupar chupeta, mas só se estivesse pronto. Disse que ele não precisava mais dela e que nós estaríamos aqui para surprir qualquer demanda que ficasse. Deixamos claro que se ele precisasse muito, poderia continuar usando", conta. "Na segunda noite, ele dormiu de chupeta. Na terceira noite, de novo. Pensamos que não daria certo, mas resolvemos insistir. Fizemos mais uma vez e, na noite seguinte, aconteceu algo. Na hora de dormir, com a chupeta na mão, ele chorou muito, mas não a colocava na boca. Pensei que, talvez, ele precisasse apenas se despedir dela. Perguntei se ele queria dar tchau e ele disse que sim. Então, fomos até o banheiro. Theo abraçou a chupeta e a jogou no lixo. Ele deitou, dormiu e nunca mais pediu a chupeta. Foi impressionante, mas não foi mágica", afirma Nanda.
Depois desse dia, ela conta que usou o método diversas vezes. "Repetimos no desmame do Gael, 4 anos, e usamos quando um está batendo ou mordendo muito o outro. Outra coisa que indico muito é para situações traumáticas. Esses dias, um deles quase se afogou e ficou traumatizado. Então, falamos muito com ele durante o sono. Repito que ele está seguro, que não vai acontecer de novo e que vamos protegê-lo sempre", conta.
COMO SURGIU O MÉTODO
O método foi inventado na década de 1970 pela professora e autora britânica Joane Goulding. Mãe de uma menina com paralisia cerebral e dispraxia verbal, ela apostou no poder do insconsciente para ajudar a filha. "Percebi que as crianças absorviam tudo o que ouviam, independentemente de suas crenças conscientes. Então, ativei em minha vida a lei mais antiga da mente: 'Se você pode imaginar, então você pode realizar'", conta ela, em sua página oficial. Foi assim que ela começou a conversar com a filha durante o sono. “Embora ela ainda tenha que lidar com as deficiências físicas, ela está casada há mais de 25 anos e muito feliz. É independente, viaja e até cozinha. Michelle agora tem o presente mais precioso que eu poderia dar a ela: a crença de que ela é amada incondicionalmente, que ela pode andar e falar, e que a vida é feliz. Sua profunda crença inconsciente de que ela era inadequada e 'defeituosa' foi alterada para: 'Estou bem', e essa é agora a base do mundo dela”, afirmou.
Hoje, o método é certificado e protegido por Lei. Segundo Raphaela Alencar, representante legal do Processo Goulding SleepTalk no Brasil e Trainer Internacional do método, ele não tem ligação com a hipnoterapia. "A única coisa que eles têm em comum é que ambos usam sugestões. A hipnoterapia consiste na aplicação de técnicas se utilizando o estado de hipnose como uma ferramenta terapêutica. O Processo Goulding® SleepTalk® é um Programa de Desenvolvimento e Empoderamento Emocional Infantil – um poderoso processo de parentalidade positiva", disse.
PRINCIPAIS DÚVIDAS SOBRE O MÉTODO
Raphaela e Camila Lavagnoli, que é pedagoga, especialista em rotina infantil e entusiasta no assunto, responderam às principais duvidas sobre a aplicação do método.
C: O Sleep Talk consiste, basicamente, em conversar com a criança durante o sono REM?
Raphaela: Frequências de ondas cerebrais diferentes ocorrem durante todo o ciclo de sono. O processo desse método visa facilitar a aceitação das sugestões, alcançando, na verdade, níveis de ondas cerebrais que vão desde o Alfa profundo para o Teta leve em vez dos níveis mais profundos, como o REM e o Delta. Desta forma, as sugestões são aceitas sem despertar a criança e sem interferir nos hábitos normais e essenciais de sono da criança – que é o principal objetivo.
C: Como saber que a criança está nesse estágio do sono?
Camila: O sinal de que a criança está em sono REM – sigla em inglês para Rapid Eye Moviments - são os movimentos rápidos dos olhos. Mas nem sempre é fácil perceber esta movimentação, então pode-se observar se a criança está movimentando sutilmente alguma parte do corpo ou, até mesmo, dar um comando para que ela se movimente caso estiver ouvindo (sem acordá-la).
C: Por que a conversa durante o sono é mais eficiente?
Camila: O método consiste em conversar com a criança diariamente por cerca de 5 minutos durante o sono REM. Nesta fase, acontece a consolidação da memória e fixação dos aprendizados. É um momento oportuno, pois a mente da criança está aberta a novos aprendizados. Nós podemos e devemos sempre tratar os assuntos com a criança acordada, mas nem sempre a nossa abordagem será de interesse da criança ou realizada em momento oportuno como a conversa durante este estágio do sono.
C: Como deve ser essa conversa? Existe uma maneira correta de falar?
Raphaela: As sugestões a serem ditas pelos pais às crianças são ensinadas pelo Especialista Goulding® credenciado - único profissional qualificado a ensinar aos pais o processo -, após realizada a avaliação da criança e da família. De um modo geral, posso dizer que a maneira “correta” de se dizer as sugestões (criadas de forma personalizada, caso a caso) é com emoção. Emoções como o amor e a verdadeira intenção dele.
Camila: O método pode ser realizado de três maneiras. Primeiro, com sugestões diretas. Por exemplo: "Você consegue deixar a chupeta"; "Você pode falar baixo, pois sempre te ouvirei"; "Você pode dormir tranquilo, pois a mamãe cuida de você"; "Você não precisa temer o escuro". Quando usado para tratar situações dificultosas do cotidiano, o cuidador pode ter uma conversa exprimindo suas emoções, como: “A mamãe tem estado nervosa ultimamente, mas isto não tem relação com você. Você continua sendo amado e querido". Ou, ainda, para promover a autoestima: “Você é querido”; “Você é amado”; “Você é capaz”. É importante lembrar que, em qualquer abordagem, a fala deve se basear em afirmações gentis e positivas sobre as situações. Os pais também devem ser específicos e não sobrecarregar a criança com várias demandas, não excedendo 3 pedidos por vez.
C: Quanto tempo deve ser aplicado para um determinado objetivo?
Raphaela: Muitas pessoas interpretam erroneamente o processo acreditando que basta falar coisas positivas ou específicas para os seus filhos que – plimplim – a mágica acontece. Isso é um enorme erro, pois o processo não tem a finalidade de “consertar” problemas ou questões da infância, mas sim EMPODERAR mental e emocionalmente a criança que, desenvolvendo recursos mentais internos, será capaz de lidar com as adversidades, desafios e dificuldades que a vida trouxer. Desta forma, portanto, terá seu sistema emocional ressignificado e naturalmente. O Processo Goulding® SleepTalk® envolve três fases, cada qual com o seu objetivo no desenvolvimento e empoderamento mental da criança. São elas: fase 1, que melhora e desenvolve o senso de autoestima, felicidade, confiança e calma; a fase 2 corrige maus hábitos e comportamentos indesejáveis; e a fase 3 que aborda desafios e comportamentos mais específicos, incluindo questões de desenvolvimento. Perceba que por se tratar de um processo, como já diz o nome, ele tem por finalidade desenvolver a criança. Nesse contexto, esse Programa de Desenvolvimento Mental leva em média seis meses, considerando dois meses para cada fase – o que pode, na verdade, variar de criança para criança e suas necessidades.
C: Em quais casos o método é indicado?
Camila: Pode ser usado para encorajar a criança em passos importantes de seu desenvolvimento, como desfralde e retirada da chupeta. Também pode auxiliar no desenvolvimento da resiliência emocional, como rivalidade entre irmãos, birras, ansiedade da separação, dentre outros eventos do cotidiano familiar e na construção da autoestima e autoconfiança.
C: Existe idade mínima para aplicação da técnica?
Raphaela: Há muitos estudos que indicam o quanto sons e sensações externos e internos (da própria mãe) são transmitidos aos filhos ainda na gravidez. Como o Processo Goulding® SleepTalk® atua tanto como prevenção quanto desenvolvimento, o método pode ser aplicado desde a gravidez até, em média aqui no Brasil, aos 13 anos de idade a depender da maturidade intelectual da criança. Jovens adultos com condições intelectuais são beneficiados também!
C: A técnica sempre funciona?
Camila: Não. A técnica só funciona se a criança estiver pronta para aquilo que lhe está sendo proposto. Uma criança, por exemplo, não deixará a fralda através do Sleep Talk se não estiver madura para atingir este marco. É válido também ressaltar que se trata de um processo.
from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Criancas/Comportamento/noticia/2020/04/sleep-talk-falar-com-crianca-durante-o-sono-pode-ajudar-no-desenvolvimento-e-ate-superar-traumas-entenda-o-metodo.html