Quando a psicóloga norte-americana Ilyse Dobrow DiMarco teve o primeiro filho, Matty, há dez anos, encontrou muitos livros que ensinavam a cuidar do bebê. Mas, durante uma crise de choro no puerpério, enquanto amamentava o pequeno, a mãe de primeira viagem se deu conta de que nenhum deles mostrava como ela poderia cuidar de si mesma a partir daquele momento novo.
Ao voltar da licença-maternidade, ela percebeu que várias de suas pacientes mães compartilhavam suas angústias. Resolveu, então, usar sua experiência no tratamento de estresse e ansiedade para ajudá-las. Os resultados foram tão positivos que ela quis publicá-los em um livro, o recém-lançado Mom Brain, Proven Strategies to Fight the Anxiety, Guilt, and Overwhelming Emotions of Motherhood – And Relax into Your New Self (“Cérebro materno, estratégias comprovadas para enfrentar a ansiedade, a culpa e as esmagadoras emoções da maternidade – e curtir o seu novo eu”, em livre tradução do inglês), Editora The Guilford Press.
Inspirado em uma hashtag popular nos Estados Unidos (#mombrain), o título faz referência às transformações que o cérebro da mulher sofre após a gravidez, que tornariam a mãe mais “esquecida”. Aqui, no entanto, Ilyse reflete sobre as verdadeiras razões por trás do meme: sobrecarga de tarefas, busca pela perfeição e julgamento de toda a sociedade.
A boa notícia é que cada capítulo do livro, que foi escrito para mães de bebês e crianças pequenas, contém estratégias baseadas em técnicas de psicoterapia. Entre elas, a terapia cognitivo-comportamental (TCC), cujo objetivo é mostrar que não são os acontecimentos em si que nos afetam, e sim a forma como os interpretamos; e a terapia de aceitação e compromisso (ACT, na sigla em inglês, mais comumente usada), que se inspira no mindfulness para ajudar o paciente a aceitar a realidade e a escolher uma direção de acordo com seus valores.
A autora cita, ainda, histórias reais de pacientes mães que aplicaram as técnicas no dia a dia, para lidar tanto com problemas simples quanto graves – que vão desde a mania de checar a babá eletrônica o tempo todo ao receio de o filho alérgico comer algo possivelmente letal fora de casa. Mas Ilyse deixa claro que as dicas não vão funcionar para todas as famílias, por isso ela não acredita em fórmulas prontas. “Toda mãe é única e toda criança é única”, escreve a autora, que também é mãe de Sam, de 7 anos, e colaboradora de diversos sites de maternidade. Ela recomenda, então, que a leitora escolha a ideal para o seu caso e o seu momento. Em entrevista exclusiva à CRESCER, Ilyse convida você a prestar atenção nos próprios sentimentos – seu cérebro vai agradecer.
CRESCER: É verdade que o cérebro das mães muda após a maternidade?
Ilyse Dobrow DiMarco: As últimas pesquisas nos mostram que sim. Basicamente, há uma adaptação do cérebro para que sua parte frontal (responsável pela elaboração do pensamento, planejamento e emoções, entre outras funções) se volte aos bebês. O que, obviamente, é maravilhoso do ponto de vista do cuidado infantil, ao garantir que prestemos mais atenção a eles. Mas também significa que outras coisas, que antes poderiam estar em nossa cabeça, agora nos escapam, como onde deixamos nossos celulares, por exemplo.
CRESCER: Você acredita que as mídias sociais deixam as mães mais ansiosas. Por quê?
IDD: O uso delas leva a um aumento das comparações entre as mães, o que é um dos principais impulsionadores da ansiedade materna. Vemos fotos e postagens cuidadosamente selecionadas, de mães e seus filhos, e começamos a nos preocupar se nós ou nossos filhos não estamos à altura. Veja, por exemplo, aqueles posts com marcações como #gratidão com mães felizes e filhos corados. Mulheres sobrecarregadas veem isso e se questionam por que sua família não se parece com a da tela. Por que, elas perguntam, essas mães do Instagram parecem ter tudo sob controle, enquanto o resto de nós está desmoronando? Da mesma forma, elas também veem postagens de crianças fazendo coisas que talvez seus filhos ainda não tenham dominado, como comer alimentos sólidos ou ler, e pensam que eles podem estar atrasados no desenvolvimento. A maioria das comparações que as mães fazem por meio das redes sociais é totalmente injusta. Pois, muitas vezes, elas não têm nenhuma informação real sobre a pessoa com quem estão se comparando, além dessas postagens selecionadas – que não dizem nada, a não ser que a pessoa é boa no Instagram.
CRESCER: E como saber que a preocupação está virando ansiedade?
IDD: Todas as mães se preocupam. Vem com o pacote. Afinal, você se torna mãe e, de repente, é responsável pela vida de outra pessoa. Ficar ansiosa em relação às crianças, geralmente, é positivo, porque nos motiva a fazer o que é necessário para mantê-las em segurança. No entanto, muitas mães experimentam um nível alto de ansiedade, a ponto de interferir nas atividades do dia a dia e nos relacionamentos. Alguns sinais de que talvez seja o caso de buscar ajuda profissional: dificuldade para dormir; sintomas físicos (dores de cabeça e de estômago, náusea, tontura, respiração e batimentos cardíacos acelerados); problemas para se concentrar e focar; sentir que está ansiosa 24 horas por dia, sete dias por semana, por conta de assuntos variados; questionar-se com frequência com perguntas como “E se…?” e tomar decisões com base na sua preocupação, e não nos seus valores. Um exemplo é quando a mãe quer fazer novas conexões sociais, mas desiste de ir a um evento da escola por medo de ser rejeitada.
CRESCER: Há muitos memes hoje em dia que colocam o vinho como um alívio para o dia a dia das mães. O que há de errado com isso na sua opinião?
IDD: Fico muito incomodada com a ideia de que as mães precisam de vinho para lidar com os obstáculos da maternidade. Em primeiro lugar, beber álcool pode interferir no sono, além de acentuar a depressão. Há tantas estratégias saudáveis para gerenciar o estresse e a ansiedade materna, meu livro é cheio delas! Depois, o abuso de substâncias entre as mães é uma preocupação real, algo que esses memes banalizam. Eu me preocupo que as mães que têm problemas com álcool não enxerguem que precisam de ajuda, uma vez que esses memes mostram que isso seria normal. Por fim, assim como acontece na juventude, há uma pressão para que as mães bebam com suas amigas. Algumas gostam de sair e beber, mas outras, não, e têm dificuldade em resistir quando são convidadas para uma “noite das meninas”. As mães já sofrem pressão o suficiente – elas não deveriam ficar preocupadas até na hora de se divertir com as amigas.
CRESCER: Por falar em estratégias, há duas que se destacam no seu livro: o mindfulness e as metas alinhadas aos valores. Como o primeiro pode ajudar as mães?
IDD: Na terapia cognitivo-comportamental, definimos o mindfulness como estar totalmente focado no momento presente, sem julgar ou tentar mudar o que está acontecendo. Há duas maneiras de praticar o mindfulness. Uma delas é se concentrar em alguma sensação ou experiência específica, como a respiração ou sons ambientes. Enquanto mães, somos distraídas com frequência pelo barulho das crianças e/ou pelas mídias sociais, e raramente damos a nós mesmas um tempo para relaxar a mente durante o dia.
CRESCER: E a técnica das metas alinhadas aos valores?
IDD: Eu peço às mães que pensem com cuidado sobre o que valorizam em diferentes áreas de suas vidas. Que tipo de mãe, parceira ou profissional, caso trabalhem fora, pretendem ser? Como querem que suas horas de descanso e recreação sejam? Então, eu as encorajo a criar metas consistentes com esses valores. Por exemplo, se você valoriza ser uma pessoa atlética, como pode continuar a praticar esportes, apesar das restrições da parentalidade? Com planejamento e criatividade, as mães descobrem que são capazes de honrar seus valores, mesmo que isso signifique fazer as coisas de maneira diferente da época em que não tinham filhos. Acho isso importante porque elas geralmente perdem suas identidades uma vez que se tornam mães. O que faz com que acabem por lembrar com pesar de suas antigas vidas. Nomear seus valores e criar metas específicas, alinhadas a eles, garante que você possa expandir seus horizontes para além da maternidade.
CRESCER: Você tocou em um ponto importante na publicação, que contribui para sobrecarregar ainda mais o cérebro das mães: a divisão de tarefas. Nos seus anos de prática, imagino que o tópico apareça com frequência. Tem saída?
IDD: Sim, aparece o tempo todo. Em primeiro lugar, é essencial que, assim que se tornem pais, os parceiros marquem um horário na agenda para conversar sobre toda e qualquer coisa relacionada a suas vidas, incluindo os cuidados com o filho. Isso porque, com a chegada do bebê, é comum que eles se cruzem como dois barcos à noite, tamanho o cansaço, sem nunca discutir a fundo sobre nada. Então, esse papo combinado pode ser sobre as necessidades do bebê, como estão passando a semana, o que aconteceu em sua série preferida. O que importa é criar um canal de comunicação e dedicar tempo um ao outro.
Também sou fã da “lista das listas”, termo que roubei da escritora do The New York Times Judith Shulevitz, que recomendo a todos os casais. Ela inclui tudo o que precisa ser feito para a criança e todos os passos envolvidos. Com a lista em mãos, eles podem designar quem vai fazer o quê. Cada membro do casal deve considerar suas próprias limitações e horários ao decidir por qual tarefa vai se responsabilizar. E, claro, que a lista precisa ser revista periodicamente, à medida que os filhos crescem e as demandas mudam.
CRESCER: Não existe mãe perfeita, sabemos. Mas qual o problema em querer o melhor para nossos filhos? Quando o cuidado se torna perfeccionismo?
IDD: Todas nós queremos que nossos filhos prosperem, com certeza. Mas existe uma linha tênue entre ser uma mãe responsável e pecar pelo excesso, e algumas mães têm dificuldade em definir onde termina a meticulosidade e começa o perfeccionismo. Para descobrir se você cruzou essa fronteira, pergunte-se: estou me sentindo pressionada a fazer algo direito ou de determinada maneira? Tenho problemas para desapegar de algumas tarefas, porque acredito que sei fazer mais e melhor sempre? “Bom o bastante” é inaceitável para mim? Sinto ansiedade, frustração, culpa, ou todas as anteriores!, como resultado de meus esforços? Responder “sim” para qualquer uma dessas questões provavelmente significa que você espera muito de si mesma ou anda exagerando. Por essa razão, dediquei um capítulo inteiro do livro a ajudar as mães nesse ponto.
CRESCER: E quanto ao outro lado? Embora o autocuidado esteja na moda hoje, por que as mães ainda enfrentam dificuldades em cuidar de si mesmas?
IDD: Antes de mais nada, devo esclarecer o que chamo de autocuidado. Não estou me referindo à manicure e pedicure, pelo menos não exclusivamente. Estou falando de coisas que vão reabastecer seu corpo e sua mente, como se exercitar e dormir o suficiente e ir atrás de suas paixões. Autocuidado é também pedir e aceitar ajuda quando precisar, ou mesmo negar, se for o caso. A covid-19, aliás, deixou muitas mães sem rede de apoio. Em tempos normais, as crianças já demandam todo o nosso tempo, energia e esforços, sobrando pouco para nós mesmas. É impossível, então, tirar um momento para cuidar de si quando você não tem um segundo livre de crianças. Além disso, muitas mães parecem crer que é obrigação delas sacrificar a própria felicidade e bem-estar em prol dos filhos. Mas, como costumo dizer às minhas pacientes, autocuidado é ainda mais importante para elas hoje do que quando não eram mães. Você precisa estar em forma, mental e fisicamente, para ser capaz de cuidar dos seus filhos efetivamente. Mais uma vez, depende de planejamento e criatividade.
CRESCER: Como a covid-19 afetou a maternagem ao redor do planeta? Você acha que sairemos mães melhores depois dela?
IDD: Essa é uma grande questão! Não é segredo que o fardo do cuidado infantil caiu desproporcionalmente sobre as mães durante a pandemia. Elas deixaram os postos de trabalho e reduziram suas aspirações profissionais com mais frequência que os pais. Mas não é só a sua vida profissional que foi afetada. A responsabilidade de atender os filhos 24 horas por dia, sete dias por semana, impossibilitou que cuidassem de si mesmas. Elas não conseguem se exercitar, socializar, buscar hobbies alinhados com seus valores, como mencionei anteriormente. Também notei bastante ressentimento entre minhas pacientes mães em relação a seus parceiros por conta disso. Não sei se sairemos dessa melhores mães, mas eu acredito, sim, que a pandemia fez com que as mães revissem suas prioridades e reconhecessem o que realmente era importante para elas e para seus filhos. Por exemplo, muitas de minhas pacientes agora estão refletindo sobre as agendas cheias das crianças dos tempos pré-covid e sobre o quanto toda a família valoriza o ritmo mais quieto e devagar que a pandemia nos impôs. Outro ponto diz respeito à importância das conexões sociais e familiares, tanto para adultos quanto para crianças. Agora, muitas de minhas pacientes estão mais determinadas nas visitas a seus entes queridos.
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