Em 14 de novembro é celebrado o Dia Mundial do Diabetes, e durante todo o mês ocorre o Novembro Azul, dedicado à conscientização sobre a doença, que se apresenta de diversas formas, entre elas, o diabetes gestacional. De acordo com a International Diabetes Federation (IDF) ou Federação Internacional do Diabetes, um em cada seis nascidos vivos (16,8%) é filho de mulheres com algum tipo de hiperglicemia (aumento do açúcar no sangue – saiba mais ao longo da reportagem) na gravidez. Ou seja, uma a cada seis mulheres apresenta taxas elevadas de glicose no sangue durante a gestação e, para 84% delas, o motivo dessa alta é o diabetes mellitus gestacional (DMG). Dados do Ministério da Saúde estimam que a prevalência de DMG no Sistema Único de Saúde (SUS) seja de aproximadamente 18%.
A dentista Marcela de Sá Bologna Abrão, 36, faz parte dessa estatística. Grávida de 16 semanas, a futura mãe tomou um susto já na primeira consulta com sua obstetra. “Levei os exames de sangue que tinha feito assim que descobri a gestação e, ao analisá-los, a médica disse que teria de fazer as medições de glicose ao longo do mês para ver se os valores baixavam. Infelizmente, não houve melhora”, disse Marcela. Ela conta que foi instruída a mudar a alimentação para evitar o uso de insulina para controlar o diabetes – procedimento inicial de praxe. “Passei por uma nutricionista que ajustou minha dieta, e a taxa de glicose normalizou. Não tive de tomar insulina!”, comemora.
Para ajudar você a entender melhor sobre o diabetes gestacional, CRESCER consultou especialistas, e reuniu as principais informações em um miniguia com perguntas e respostas que você confere a seguir:
1. O que é diabetes gestacional?
É o diabetes diagnosticado pela primeira vez na gravidez, com exceção dos casos em que a mulher era diabética antes, não sabia, e fez o diagnóstico durante a gestação. Esse, aliás, é o problema metabólico mais comum na gravidez. Para entender melhor, vale explicar que, além do diabetes gestacional, existem os tipos 1 e 2. De forma geral, o diabetes é uma doença crônica e silenciosa, que se caracteriza pelo aumento dos níveis de açúcar no sangue. Ocorre quando o pâncreas não consegue produzir insulina (caso do diabetes tipo 1), ou não produz o suficiente (caso do tipo 2). A insulina é um hormônio secretado pelo pâncreas para metabolizar a glicose, transformando-a em energia para o organismo. Quando essa substância não é metabolizada, isso leva à hiperglicemia, que, justamente, caracteriza o diabetes.
2. Por que acontece na gestação?
Os hormônios da gravidez aumentam a resistência à insulina. Isso quer dizer que, para metabolizar a mesma quantidade de glicose ingerida antes da gestação, o corpo precisa produzir uma maior quantidade de insulina. Se o pâncreas não consegue aumentar suficientemente essa produção, os níveis de glicose no sangue ficam mais altos, levando ao diabetes gestacional.
3. Quais são os fatores de risco?
Qualquer mulher pode ter diabetes gestacional, no entanto, existem alguns fatores que elevam essa possibilidade. São eles: estar acima do peso (de acordo com o Índice de Massa Corporal, IMC), ou apresentar muito ganho de peso durante a gravidez; idade materna elevada (acima de 25 anos já entra nesse grupo); ter tido diabetes gestacional em gestação anterior; histórico de crescimento fetal excessivo (acima de 4 kg) em gestações anteriores; antecedente de abortamentos de repetição ou malformações; ter síndrome de ovários policísticos; apresentar histórico familiar de diabetes em parentes de primeiro grau.
A vendedora Vanessa Tadeu Turati, 38, se enquadra nesse último fator de risco. Tanto seu pai quanto seus avós paternos têm diabetes. “Eu fui diagnosticada logo no início da gravidez, nos primeiros exames. Começamos o acompanhamento da gestação de risco, e os médicos me passaram uma dieta para controlar o diabetes. Fiz testes para medir a glicose várias vezes ao dia, e percebemos que as restrições alimentares não eram suficientes. Então, no terceiro mês de gravidez, a médica optou por entrar com a insulina”, conta Vanessa, mãe de Manuella, hoje com 2 meses.
4. Como ocorre o diagnóstico?
Por meio de testes laboratoriais. Na primeira consulta pré-natal, o médico solicita a glicemia de jejum para a gestante (exame de sangue), com o principal objetivo de detectar o diabetes preexistente ou fazer o diagnóstico de diabetes gestacional. A diferença se dá nos valores encontrados: se a glicemia for maior que 126 mg/dL, significa diabetes mellitus diagnosticada na gestação. Se a glicemia for maior de 92 mg/dL e menor que 126 mg/dL, será feito o diagnóstico de diabetes gestacional.
A partir da 24ª semana, realiza-se um exame chamado teste oral de tolerância à glicose (TOTG), em que a gestante ingere a substância via oral. A glicose é medida em jejum, uma e duas horas após a ingestão da glicose. E, diante dos resultados, o especialista faz o diagnóstico.
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5. Dá para controlar?
Uma vez que a doença é diagnosticada, a gestação é classificada como de risco, e deve ser feito um controle rigoroso da glicemia para evitar ou reduzir os riscos de complicações tanto para a mãe quanto para o bebê.
O tratamento inicial parte sempre de uma mudança no estilo de vida, que começa na escolha dos alimentos, permitindo o ganho de peso adequado e o controle metabólico, além da prática de atividade física, desde que não haja contraindicações obstétricas. Na maioria das vezes, uma dieta fracionada (com pequenas porções várias vezes ao dia), sem açúcar de absorção rápida (alimentos integrais são um bom exemplo), com controle de carboidratos, juntamente com a prática de exercícios físicos já controla os níveis glicêmicos. Esses, aliás, devem ser monitorados frequentemente, antes e após as principais refeições. Se, depois de duas semanas, os níveis glicêmicos permanecerem elevados, é recomendado o tratamento farmacológico que, na maior parte das vezes, é realizado com insulina.
6. Quais são os riscos para a grávida?
Caso não seja monitorada, a gestante pode apresentar ganho de peso em excesso, hipertensão, eclâmpsia, parto prematuro, pré-diabetes (quando os níveis glicêmicos estão perigosamente próximos ao do diabetes) ou diabetes tipo 2 após o parto, além de ter risco aumentado de doenças cardíacas. Já o perigo de contrair covid-19 é o mesmo para mulheres com ou sem diabetes gestacional. No entanto, as ameaças de piora e agravamento da doença são maiores nas gestantes com diabetes gestacional.
7. E para o bebê?
Se o diabetes gestacional não for diagnosticado e tratado adequadamente, pode causar macrossomia, ou seja, resultar em crianças com mais de 4 kg ao nascer. Além disso, é possível haver uma quantidade de líquido amniótico aumentada, prematuridade, óbito fetal, risco de necessidade de UTI neonatal maior por hipoglicemia, dificuldade respiratória, icterícia, maior índice de cesárea e parto difícil por conta do tamanho do bebê.
Mas, se a doença for controlada, o parto normal é possível, sim. Foi assim com a técnica de segurança do trabalho Bruna Manoela da Costa Almeida, 36. “Antes do parto, me mandaram para o ultrassom para terem certeza de que a Luiza estava com um tamanho adequado para o parto normal. Foi feita a indução e ela nasceu depois de 16 horas de trabalho”, conta. A bebê chegou com 37 semanas, 3,630 kg, 50 cm. Permaneceu na UTI por seis dias para se recuperar da icterícia, um dos efeitos do diabetes na gravidez, mas depois ficou bem.
8. A criança pode nascer diabética?
Não, ao contrário. Na maioria das vezes, o recém-nascido tem hipoglicemia. Como a baixa glicose não apresenta sintomas, é fundamental o acompanhamento rigoroso ao bebê, porque a hipoglicemia prolongada pode levar a déficits no desenvolvimento neurológico.
9. Depois do parto, a doença continua? É preciso fazer monitoramento constante?
Algumas mulheres com diabetes gestacional permanecem diabéticas para sempre, outras voltam ao normal (como a Vanessa Turatti, do início desta reportagem), mas têm mais risco de serem diagnosticadas com diabetes tipo 2 no futuro. Um estudo da Universidade de Cambridge publicado pela Diabetes Research and Clinical Practice, em dezembro de 2020, mostrou que 33% das mulheres com diabetes gestacional podem desenvolver diabetes tipo 2 em 15 anos. A pesquisa é a maior e mais abrangente revisão sistemática de todos os dados disponíveis de estudos publicados até outubro de 2019.
Para controlar a possível continuidade da doença, recomenda-se que, após quatro a seis semanas do parto, seja feito o teste oral de tolerância à glicose (TOTG) para avaliar a glicemia no organismo. Se o exame vier alterado, dependendo do valor, pode significar tanto pré-diabetes como diabetes do tipo 2. Caso o teste esteja normal, é preciso realizar ao menos uma glicemia de jejum anualmente. Vale lembrar que é possível prevenir o aparecimento do diabetes tipo 2 com a orientação de redução do peso corporal, prática regular de atividade física, além do tratamento medicamentoso, caso necessário.
Um dos riscos do diabetes gestacional é o crescimento desproporcional à idade de gestação do feto. Isso acontece porque ele recebe muito mais glicose de uma mãe que é hiperglicêmica, levando ao aumento de peso. São considerados macrossômicos - nome dado aos bebês grandões - os que apresentam mais de 4 kg ao nascer. O excesso de peso pode levar ao parto prematuro o que, por sua vez, traz chance de uma série de complicações. Entre elas, está a Síndrome do Desconforto Respiratório que, como o nome já diz, dificulta a respiração do recém-nascido. Ao longo da vida, a criança cuja mãe teve diabetes gestacional tem mais probabilidade de ser obesa e desenvolver a síndrome metabólica (ligada à resistência à insulina).
Toda gestante tem de cuidar da alimentação. Mas quem tem diabetes gestacional deve redobrar a atenção. O valor calórico total recomendado pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) deve ser composto por 40% a 55% de carboidratos, 15% a 20% de proteínas e 30% a 40% de lipídios. Segundo Rosiane Mattar, presidente da Comissão Nacional Especializada em Gestação de Alto Risco da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), “a grávida precisa consumir porções adequadas de carboidratos, proteína e gordura, sempre procurando respeitar os horários de alimentação, e em refeições fracionadas”. A seguir, veja os itens que ela deve priorizar, de acordo com a especialista:
- Preferir carboidratos com baixo índice glicêmico, como aveia, castanhas, soja e alimentos integrais
- Ingerir frutas, verduras, legumes, proteínas, como carnes magras, ovos e iogurte natural
- Evitar alimentos que contenham açúcar e farinha branca em sua composição, como refrigerantes, biscoitos, bolos e doces em geral
- Passar longe de alimentos que tenham açúcar de absorção rápida, como o que se põe no café, no suco e nos doces. Adoçantes são permitidos com moderação e sob consulta médica
Fontes: Airton Golbert, endocrinologista e coordenador do Departamento de Diabetes na Gestação da Sociedade Brasileira de Diabetes; Eduardo Zlotnik, vice-presidente do Hospital Israelita Albert Einstein (SP), doutor e mestre em ginecologia e obstetrícia; Fernanda Bolfi, endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo (SBEM-SP); Rosiane Mattar, presidente da Comissão Nacional Especializada em Gestação de Alto Risco da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo)
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from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Gravidez/noticia/2021/11/o-que-fazer-quando-o-diabetes-surge-com-gravidez.html