Após ser adotada, há seis anos, uma menina, 9, poderá voltar a sua família biológica. Nesta quinta-feira (25/2), o Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou o recurso apresentado pela família adotiva da garota, que vive em Belo Horizonte (MG). Segundo Renata Coutinho, amiga da família, os pais não esperavam essa decisão e estão muito abalados. "A mãe só chora, está desolada. Ninguém imaginava que o Tribunal iria chancelar um absurdo desse", diz.
A advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), assistiu ao julgamento e disse que a desembargadora não justificou sua decisão. A advogada da família, Larissa Jardim, espera a publicação da decisão para saber os motivos que levaram à negação do recurso. Agora, os pais irão recorrer ao Supremo Tribunal Federal.
A avó da criança tinha apresentado um recurso de apelação que foi admitido pelos Desembargadores da 3ª Câmara Cível do TJ/MG, em 19 de novembro de 2020, determinando que a menina deveria ser retirada imediatamente do seu lar atual. No entanto, a família entrou com um novo recurso é a decisão tinha sido suspendida provisoriamente. Em nota oficial, a Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção (ANGAAD) condenou a decisão da Justiça de Minas Gerais. "A família adotante foi acionada pela fila, eles estavam devidamente habilitados para o perfil indicado. A decisão ataca todo o sistema legal de adoção no país ao retirar do procedimento a segurança jurídica necessária, tanto buscada pelos Grupos de Apoio à Adoção que compõe a ANGAAD".
Na época, em entrevista à CRESCER, Carolina Alves Bella, 42, que adotou a menina há seis anos, diz que a decisão foi um equívoco do sistema jurídico. "Um lapso, um momento ruim do Judiciário mineiro. Mas, se não crermos nisso, teremos que crer que, infelizmente, uma parcela do Judiciário Nacional é preconceituosa e defende, injustificavelmente, a doutrina biologista, ou seja, nada é suficiente grave ou desumano para embasar a retirada de uma criança de sua família de origem e sua inserção legítima e legal".
RELEMBRE O CASO
Carolina conta que sempre teve o desejo de adotar. "Eu e a adoção temos um relacionamento antigo, me lembro de pensar em adoção com uns 8 anos de idade". No entanto, foi só quando ela tinha 30 anos que essa ideia começou a ser tirada do papel. Após várias tentativas para engravidar naturalmente, ela começou a frequentar as reuniões do Grupo de Apoio à Adoção de Belo Horizonte. "Acho que a adoção me escolheu primeiro e depois caminhei para encontrá-la", relata.
Em 2001, Carolina e o marido, Manuel Luiz Bella, 44, foram habilitados no Sistema Nacional de Adoção. Porém apenas em 2014, receberam a ligação da assistente social judicial, dizendo que uma menina estava disponível para a adoção. "Comparecemos ao fórum e o promotor de justiça nos contou sobre a situação jurídica da nossa filha e sobre os riscos de assumir a guarda dela, visto que o genitor biológico era, na época, um suspeito de mandar matar o próprio pai e estava fazendo ameaças", relata a mãe. "Hoje, ele é um condenado que está cumprindo pena pelo crime. Mesmo assim, com toda esta periculosidade, achamos que valia a pena: a recompensa é bem superior ao dano — minha filha valia e ainda vale o sacrifício!".
Segundo a mãe, o promotor de justiça seguiu o procedimento e logo o casal pôde ter o primeiro estágio de convivência com a filha. "Foram 15 dias juntos no feriado de Carnaval de 2015. "No final, quando fui obrigada a devolver minha filha para o abrigo, a assistente social me perguntou como eu me sentia e eu lhe disse: me sinto mãe". Após mais um período de convivência na Páscoa, saiu a guarda provisória da menina, em 25 de junho de 2015. "No dia seguinte, minha filha saiu de casa de acolhimento no nosso colo para nunca mais voltar. Quando minha filha chegou, tudo estava preparado, quarto, roupas, livros e brinquedos em nossa casa, além da escola e do atendimento médico e terapêutico".
A mãe explica que o lar dos genitores da garota não oferecia condições para cuidar dela com segurança, por isso a mãe e pai biológicos perderam a guarda da criança. "Imagine um núcleo familiar onde o ódio e a violência cheguem a um ponto em que um dos seus integrantes resolva exterminar a vida de seu próprio pai. Não é lugar seguro para ninguém, muito menos para uma criança", diz Carolina.
Segundo a mãe, a Justiça, o Conselho Tutelar e o CRASS - Centro de Referência de Assistência Social tentaram por um longo período a manutenção e reinserção da menina ao núcleo familiar de origem, inclusive com a família extensa, isto é, avó paterna. "Ela teve muito tempo para fazer alguma coisa a respeito de tudo, até porque a casa dela era grudada na casa dos genitores biológicos em uma pequena comunidade rural - todo mundo sabia de tudo. Todas as tentativas de reinserção foram sem êxito, sendo todos os relatórios multidisciplinares conclusivos no sentido de inviabilidade da permanência dela junto à família biológica e extensa", relata Carolina.
"A questão é que minha filha também foi abandonada pela família extensa, principalmente, por esta avó paterna biológica, que se recusou a cuidar dela no momento oportuno, sendo omissa durante os anos em que minha filha sofreu todos os tipos de violações de direito, chegando a dizer que não cuidaria da minha filha, pois esta era a obrigação da sua genitora". Foi então que o Ministério Público propôs a Ação de Destituição do Poder Familiar e a menina foi levada para um abrigo. No entanto, a avó paterna decidiu requerer a guarda da criança, em 2015, dando início a uma dura batalha judicial. Na época, a justiça determinou a perda do poder familiar dos genitores e entendeu que a família extensa não reunia condições para assumir os cuidados da menor.
CRESCER entrou em contato com o advogado da avó paterna da criança, mas ele não quis comentar a decisão.
CRESCER também entrou em contato com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais e não obteve retorno ainda. Essa matéria pode ser atualizada.
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