Eu sei, pode ser que você esteja em exaustão de contabilizar tantas diferenças da vida em meio à pandemia, em contraste com os anos anteriores. Mas eu lhe peço licença para falarmos de um novo começo, que tem lá as suas características desafiadoras em qualquer tempo. Começar um ano letivo é dar-se conta de que a vida é mesmo um conjuntos de despedidas e boas-vindas. Novas professoras, nova escola às vezes, novo jeito de organizar a semana, novos desafios cognitivos. Mas este ano está tudo diferente. Quiséramos todos que o retorno à escola tivesse mesmo tintas tão novas pintando o céu dos olhos das crianças. Ao invés disso, elas se deparam com o mesmo formato de virtualidade e (em algumas escolas) alguma aventura presencial, ainda que besuntada de álcool em gel e com máscaras separando os corpos miúdos e tímidos de se reencontrarem nesta roupagem estranha.
É momento de estar muito próximo deles. Nós somos o abraço que lhes restou, o amparo do corpo que não pode se atirar ao mundo sem muita estratégia. O corpo infantil está represado como jamais esteve: antes de correr, há que se pensar antes para onde, a que distância de quem, que brincadeiras serão possíveis diante de tantas amarras. E as crianças só querem espairecer um pouco da vida em isolamento social. Minha gente, basta sentir com o coração dos miúdos para entender as dores que eles podem sentir nesta hora. Elas querem sentir que a escola aconteça minimamente em 3D, e não somente através das telas, com expressões chapadas diante da câmera ou com as famigeradas câmeras desligadas que desesperam as professoras.
Desde o início da pandemia, há crianças se vendo cada vez menos sociáveis, com medo deste outro que pode lhes transmitir uma doença grave. Nós ensinamos aos nossos filhos a não tocarem em nada ou ninguém, a não entrarem em contato com gente que não aqueles que estiveram dentro da mesma casa. Agora, quando a vida escolar convoca para algum retorno, como eles lidarão com este paradoxo entre querer o contato e temer pelo contágio? Em momentos como esse, em que não temos respostas fáceis para dilemas complexos, vale acolher a dor tão legítima deles, afirmando que nós vivemos exatamente a mesma dor com nossos amigos grandes. E estejamos preparados para a fadiga emocional de todo o aparato tecnológico em que se transformou a vida escolar, reduzindo demais sua imensa função. Escola é lugar de cuidar de quem está aprendendo a ser, e de quem está à sua volta. Escola é lugar de cuidar de quem ensina. Escola é lugar de celebrar um mundo possível de ser inventado. Escola, nesta pandemia, é o lugar de nos reencontrarmos com aqueles que não nos conhecem mais - e com aqueles que também desconhecemos. Mas o mais importante me parece, certamente, a escola como o lugar de se voltar a acreditar na esperança de existir, resistir e renascer. E, para isso, precisamos estar ao lado deles, tantas vezes respondendo perguntas para as quais ainda nem temos respostas...
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