Ao lado da grande sabedoria que emana da frase “é na derrota que se aprende, pois, na vitória, ninguém evolui”, eu colocaria, com a mesma relevância, esta outra reflexão: “é no ‘não’ que se educa, pois no ‘sim’ ninguém evolui”.
“Se eu não deixar, não comprar, não der a ele o poder de decisão, todos vão achar que sou muito duro, retrógrado, que não sou um pai moderninho, daqueles que sabem entender e conviver com a nova geração. E se meu filho falar que eu não comprei, que ele não tem ou que eu exijo demais dele, quem fica mal na fita sou eu.” Alguém aí se identifica?
Crianças necessitam de normas, de horários para dormir, de uma alimentação balanceada e de um pai que se mostre firme, decidido e preocupado. Isso é o que vai regular não só a vida delas, mas também a relação com o mundo e com elas mesmas. A médio e longo prazo, um dia a dia desregrado e repleto de permissividade pode deixar a criança perdida, sem rumo e, o pior, sem noção de valores. Se você está sentindo algo assim na sua família, saiba que sempre é tempo para mudar! Afinal, é você quem organiza as regras e comanda a educação dos seus filhos.
Toda criança precisa ser frustrada. Precisa saber lidar com escolhas e com as responsabilidade das suas decisões. Querem um exemplo? O filho de um amigo recebeu um valor estipulado de dinheiro para gastar num parque durante as férias. Ele escolheu comprar três livros de colorir do Harry Potter. Sim, três.
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Não é óbvio o exagero e a falta de limites numa situação como esta? Ninguém precisa de três livros de colorir de uma só vez! Resultado? Alguns dias depois, meu amigo viu os livros, com os lápis de colorir ao lado, na estante. Intactos. Ao questionar o filho, ouviu a criança dizer que não sabia por que tinha comprado aquilo, que “era chato” e tinha se arrependido e que, acreditem, queria comprar outro que fosse legal de verdade. Queria um quarto livro!
Para muitos pais, o fato de ele ter se arrependido já seria o suficiente para ganhar um afago e carta branca para adquirir o novo livro que, aí sim, iria gostar de verdade. Para o meu amigo, foi bem diferente. A partir daquele dia, ele cronometrou uma hora, todos os dias, para o filho sentar na mesa e colorir os três livros. Até o final. Esse é o tipo de atitude que admiro, pois está ensinando muito, em vários aspectos, mas principalmente sobre responsabilidade e consumismo. Na minha opinião, dois dos principais problemas desta geração.
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No meu livro A Escova de Dentes Azul, entro no mundo do autismo para passar esta lição, que serve para todos: importa mais ter uma única coisa que vale o mundo para você, do que ter um monte de objetos que não valem nada. Mas as crianças não chegam ao mundo com esse conhecimento. São atitudes como a do meu amigo que as ensinam sobre isso. São atitudes baseadas no “não” e na frustração. E isso, sim, é amar, é educar.
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