Aline Amaral já estranhou quando os dois primeiros dentes de cima irromperam da gengiva do filho, Henrique, pouco antes dos 8 meses, já com as pontas amareladas. Logo, ficaram completamente escuros. Para não perder a viagem ao dentista, encaminhou uma foto a duas amigas que haviam se formado em odontologia e recebeu o mesmo diagnóstico: cárie de mamadeira.
Mas como um bebê que ainda mal comia, mamava apenas no peito e tinha os poucos dentes higienizados desde o primeiro dia já poderia ter os dentes cariados? Em busca de uma terceira opinião, procurou uma odontopediatra que lhe deu a mesma resposta. “Ela recomendou que o bebê fosse desmamado a noite para que dormisse com a boca limpa e assim as bactérias não se proliferassem. Porém, isso ia contra todos os artigos pró-amamentação que eu tinha lido”, conta.
Insatisfeita, procurou o posto de saúde de sua região e, após uma atenta examinação, foi constatado que o problema não era cárie, mas hipoplasia de esmalte, uma má formação que se dá ainda na gestação quando o dente se forma sem quantidade de esmalte suficiente para cobrir a dentina [camada interna dos dentes], deixando o dente desprotegido. Segundo os especialistas disseram a Aline, a crosta preta era, na realidade, uma defesa do corpo para proteger a dentina de corpos estranhos. Dessa vez, a orientação foi manter a amamentação tanto quanto possível, pelo leite materno ser rico em anticorpos e até proteger a saúde bucal do bebê.
Na odontologia tradicional, é quase consenso que o leite materno causa cárie e muitos dentistas chegam a desencorajar a amamentação noturna ou mesmo em livre demanda. Contudo, não há nenhuma comprovação disso, muito pelo contrário! Sandra Kalil, odontopediatra do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (CROSP), aponta que esse é, na verdade, um grande mito. “Muitas vezes essa cárie acontece durante a introdução alimentar, quando temos o suco de frutas, a papinha adocicada, acompanhada do aleitamento. Não é o leite o grande culpado, são esses confundidores”, explica.
Debora Garcia, mãe de Ana, 1, também foi vítima dessa desinformação. Ao levar a filha em abril deste ano ao dentista, foi confrontada sobre a amamentação em livre demanda, mesmo que não houvesse nada de errado com a saúde bucal da pequena. “Quando respondi que não escovava os dentes após cada mamada, ela me disse que era questão de tempo até ela ter uma cárie”, relembra. “Ainda falou, ‘Se você decidir continuar amamentando assim, não posso me meter, então pelo menos limpe a boca dela toda com uma gaze depois de cada mamada e faça o possível pra tirar pelo menos as mamadas durante a madrugada”.
O recomendado é que, desde o primeiro dente, a higienização tenha início - pelo menos duas vezes ao dia. Para isso, basta uma escova de cabeça pequena, cerdas macias e preferencialmente do mesmo tamanho. Desde 2015, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda também o uso de creme dental com flúor a partir do primeiro dente, em quantidade equivalente a um grão de arroz. Segundo Sandra, se essa higienização for feita adequadamente, não é necessário escovar os dentes após as mamadas noturnas.
Quando o bebê é alimentado com mamadeira, a história é outra. Segundo a dentista Beatriz Queiroz, de São Paulo (SP), o contato do leite com os dentes é diferente e pode representar um risco maior. “No seio, o leite materno vai direto para o palato menor [a parte de trás do céu da boca], tendo um contato mínimo com os dentes. Já na mamadeira, este leite se espalha pela boca e, mesmo a lactose tendo um potencial cariogênico mínimo, pode ser melhor prevenir”, afirma. No caso do uso de fórmulas, o cuidado precisa ser redobrado, já que algumas delas são adoçadas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a amamentação ocorra de forma exclusiva até os 6 meses de idade e complementada até pelo menos 2 anos ou mais. “É importante reforçar o incentivo ao aleitamento materno, já prejudicado por inúmeros fatores, e esclarecer que ele não é o vilão quando falamos em cáries. O que causa cárie é o açúcar, que, infelizmente, o brasileiro ainda consome muito, e a falta de higienização”, destaca Sandra.
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