Assim que começamos a conversar nos desencontramos.
Admito que não fui capaz de deixar para trás a primeira impressão que sua frase imprimiu. Um desconforto imenso me atravessou e ali ficou.
- Quero muito amamentar exclusivamente, mesmo que para isso o bebê passe um pouco de fome. Disse-me ela. Direta e objetivamente ela me atingiu como um rojão. Travei ali.
Será que ela entendia o que havia escrito? Tinha noção do absurdo? Se expressou mal? Queria dizer outra coisa mas... Foi isso que saiu? Me fiz todas essas perguntas, mas não fui capaz de me desvencilhar do incômodo que aquela frase me causara. O que pude dizer-lhe, também de forma bem direta, foi:
- O bebê passar fome nunca é uma opção.
Terminada estava a nossa “conversa”.
Quantas vezes no percurso da amamentação nos perguntamos: " Será que ele/a está chorando de fome?"
Este é o principal fantasma que assombra a maciça maioria das mães que amamentam.
Fugimos dele como o diabo da cruz. Mas abraçá-lo como se fosse um preço a pagar para manter o aleitamento materno? Nunca. Óbvio que este custo cai sobre as costas do coitado do bebê, que mal entende o que se passa.
De todas as trocas de mensagens tiro algo, algum aprendizado, esse é o meu exercício principal, ouvir o outro empaticamente, buscando sempre me colocar em seu lugar.
+ Não tem leite nenhum aí. Dê logo a mamadeira e pronto!
Mas nessa frase emergia algo novo, com o qual eu talvez nunca tivesse me deparado ali no “Amamentar é..” : a impossibilidade de uma mãe de perceber seu bebê, enxergá-lo como alguém que tem necessidades específicas que precisam ser atendidas para que o início da sua existência seja o menos angustiante e traumático possível.
Penso sempre neste estado de absoluta vulnerabilidade no qual chegamos ao mundo, e só de pensar me aflijo. Na minha época, o choro de qualquer bebê, não só dos meus, me tirava dos trilhos.
O que coloca uma mulher nessa posição narcísica, em que a única coisa que lhe interessa é sua imagem, atingir uma meta, deixando de priorizar o que realmente é importante, o bebê?
Tanto falamos em sites, livros, blogs, sobre a simbiose da dupla mãe/bebê. Etapa vital para o desenvolvimento do recém nascido, que inclui o emocional, o físico, o neural, o psíquico...
Nutrir o bebê em todas as suas instâncias existenciais é muito mais que amamentar, tanto é que quantas mães que amamentam por pouco tempo, ou nem o fazem, são absolutamente capazes de construir um vínculo afetivo suficiente para impulsionar o desenvolvimento da criança em todas as esferas.
Não fui capaz de ajudar aquele bebê. Ou será que fui e nem sei, com meu corte incisivo que colocava um limite concreto nos impulsos egoicos daquela mãe?
Quando as dificuldades surgem, em qualquer etapa da amamentação, a procura por ajuda é inadiável, imprescindível e absolutamente fundamental. Mas quando mesmo assim as coisas não caminham da forma desejada o chamado para a realidade precisa ser ouvido: em primeiro lugar está sempre o bebê.
Não há porque listarmos as situações em que as chances do insucesso são maiores, pois o que vemos empiricamente é que são infinitos os casos nos quais os motivos que levam ao desmame precoce são subjetivos e permanecem para sempre um mistério para a mãe e todos os envolvidos. Coisas da maternidade... Essa vivência cheia de labirintos nos quais não sabemos com entramos e muito menos como saímos. O fato é que saímos.
from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Chris-Nicklas-Amamentar-e/noticia/2018/08/nutrir-o-bebe-e-muito-mais-que-amamentar-dupla-maefilho-precisa-estar-bem.html