Friday, September 17, 2021

Marcelo Cunha Bueno: "Temos de despertar a sensibilidade do olhar e do escutar para ajudar nossas crianças a desenvolverem generosidade, amor, empatia e justiça"

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Não gosto de categorizar as coisas. Mas o desamparo e o isolamento afetivo pelos quais passamos ao longo dessa pandemia podem nos ajudar a entender melhor o que nos atravessa. A educação faz isso: organiza, separa, estrutura, racionaliza para avançarmos. O tempo se revela estranho, contraditório. Enquanto pessoas alertam por uma necessidade de sermos mais empáticos, vemos, na mesma medida, falta de amor, de generosidade e de respeito entre outras. Um tempo de isolamento da alma, que deve ter gelado as pessoas. Deve tê-las distanciado de si mesmas e das demais.

Isolamento (Foto: Getty Images)

 

Percebi, de maneira dura e simplista, formas de ser e estar no mundo. Com olhos da individualidade e com lentes da diversidade: um olhar fragmentado em categoria. É pelos seus interesses que articulam seus grupos. Manipulam, instauram a dúvida para se favorecerem das palavras que proferem. Eu sou a verdade. Uma verdade covarde, que precisa se esconder atrás de gritos de guerra para viver.

São adultos de infância superprotegida. Crianças que não foram frustradas pela realidade do crescimento e preservadas de entender a complexidade do mundo coletivo. Tiveram tudo para si e não suportam viver num mundo onde é preciso compartilhar. Por isso, para não serem pegas, escondem-se em discursos generalistas. Falam em nome de alguma coisa. Tiveram suas vozes infantis caladas por famílias que davam respostas antes das perguntas, que apresentavam soluções para driblarem os problemas que nem tinham aparecido. Não estão preocupadas com as outras pessoas. Crianças que nunca pensaram sobre si a partir do meio. Meu, eu: o que define a educação com esses olhos e lentes.

 

Quanto mais recursos sensíveis usarmos, mais empáticos seremos”
Marcelo Cunha Bueno

 

Com olhos da diversidade e com lentes da individualidade: adultos narcisistas. São os olhos que querem saber sobre todas as coisas para benefícios próprios. Agem de forma autoritária sobre as pessoas e sobre as instituições. Crianças que tiveram suas opiniões suprimidas pelos lugares-comuns, pelas grandes verdades, pelas receitas de bolo da educação (menino isso, menina aquilo, bom aluno assim, mau aluno assado). Em nome de uma verdade universal, encontram prazer para si próprios. Diversidade, nesse olho, é só a esperteza de enxergar o todo para manipulá-lo melhor com suas lentes. Suas ferramentas são opiniões generalistas e impactantes, calcadas em grandes correntes de pensamento (que são aceitas socialmente).

Generosidade, amor, empatia e justiça. É aqui que queremos chegar com nossas crianças, lógico. Mas, antes, temos de reconhecer com que olhos vemos e com que lentes enxergamos. Somos atravessados por tudo isso na vida. Por isso, temos de despertar a sensibilidade do olhar, do sentir, do perceber, escutar. Para ampliar. Quanto mais recursos sensíveis usarmos, mais empáticos seremos. Nosso papel com as crianças, enquanto adultos, é o de despertar o sentido do ser. Ser criança, ser mundo, ser infância!

 

Marcelo Cunha Bueno é um educador apaixonado pela infância. É pai do Enrique, 9 anos. Diretor da Escola Estilo de Aprender, autor dos livros 'Sopa de pai' e 'No chão da escola: por uma infância que voa' (Foto: Divulgação)

 

 



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