Wednesday, January 30, 2019

O primeiro dia de aula, a gente nunca esquece

Crianças estudando (Foto: Pragyan Bezbaruah/Pexels)

 

Eu devia ter 4 anos quando entrei na escola pela primeira vez. Eu queria muito fazer parte daquilo. Minha irmã mais velha já frequentava aquele lugar, tinha amiguinhos. Era a minha vez.

Até hoje não sei quantos dias se passaram desde o dia que entrei na escola até o dia em que saí dali chorando. Só sei que eu era a criança que não se enturmava, aquela que ficava olhando as outras crianças brincarem sozinha, num canto. Que tinha vergonha de dizer uma palavra em voz alta e também a que, logo que se viu diante de um colega de sala, fazendo um desenho bonito, levou um soco no nariz.

A dificuldade em fazer amigos, eu podia tolerar, mas o soco no nariz era demais. Em casa, chorando, com dor de barriga, me lembro da minha mãe entrando no quarto e dizendo as palavras mágicas: "Se não quiser ir mais, não precisa".

Uma sensação de alívio misturada com "minha nossa Senhora, que bom ficar em casa", foi minha agradável companheira durante alguns anos. Até que entrei na escola novamente, aos 6. O dia também não ajudou – meu irmão nascia justo em 5 de fevereiro. Logo, a sensação do primeiro dia na nova escola era de angústia: "E se meus pais não lembrarem de vir me buscar?"

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Passaram-se muitos anos até eu revisitar a mesma sensação. Eu não lembrava o que era escola e achava que aquele assunto estava super bem resolvido pra mim. Nem sonhava que a minha experiência com escola atrapalharia a adaptação da primeira filha.

Na primeira tentativa de colocá-la na escola, ela tinha 1 ano. Tinha ido ao trabalho comigo até aquele dia e a gente mal se desgrudava. Eu via a cena da minha filha no parquinho do jardim de infância como se ela estivesse sendo jogada numa cova com leões ferozes. As crianças maiores, os meninos, as meninas que se enturmavam.

Durante a trágica adaptação, tive que ser convidada a me retirar porque não caia bem uma mãe olhando a filha brincar no parquinho chorando tanto. Depois disso, sempre que eu ia buscar minha filha na escola, achava que tinha cometido um erro grotesco por tê-la deixado lá, como se estivesse abandonando-a.

Logo, a matemática estava feita: escola = tortura no meu inconsciente.

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Por isso, todos os dias, eu secretamente buscava motivos que me fizessem desistir de trabalhar e tirar minha filha da escola. Eu a via sofrendo, eu a via perdida. Eu deturpava as experiências dela com o meu filtro. Meu filtro que via a escola como a grande inimiga dos pais.

Essa guerra, eu perdi.

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Não consegui mantê-la na escola e nem me manter no trabalho. Saí do trabalho, tirei-a da escola e vivi em função dela até que completasse 3 anos e minha vida virasse um caos completo com o nascimento da segunda filha.

Quem tem um recém-nascido em casa sabe do que estou falando. Some a isso uma criança cheia de energia aos 3 anos de idade.

Mas eu não queria que aquilo se repetisse. Queria tê-las debaixo da minha asa. Mesmo que esta asa estivesse fraca e não conseguisse abraçá-las como gostaria.

Algum tempo depois, na segunda experiência com a segunda escola, onde a filha mais velha entrou no jardim, tive a sensação de que eu não conseguiria. Mas ela conseguiu se livrar dos meus fantasmas.

Apesar de mim, ela fez amigos. Apesar de mim, ela conseguiu estabelecer novos vínculos. Apesar de mim, ela começou a amar a escola.

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No entanto, a vida sempre traz oportunidades de revivermos nossos fantasmas e foi só entrar no primeiro ano que cataploft!. Como uma magia, ela passou a odiar aquilo tudo. Chorava, berrava, tinha dor de barriga. A mãe, mais uma vez cedeu. Lembra das palavras mágicas que tinham me tirado do sufoco lá na infância? Pois é, eu não cansava de repeti-las.

“Se você não quiser, não precisa mais ir”

Claro que era tudo que uma criança queria ouvir naquele momento. Foi assim que a tirei da escola pela segunda vez, mesmo sem saber onde ela seria matriculada a partir dali.
Por sorte, consegui uma vaga perto de casa e fizemos uma nova adaptação. Ela adorou.
Agora entramos numa nova fase do jogo: a mais nova começará na escola este ano. Mesmo que eu saiba que ela está preparada para isso, a mantive por perto o quanto podia, afastando do pensamento a ideia de jogá-la na tal “jaula de leões famintos” que povoava meu imaginário.

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No primeiro dia de adaptação, ela me perguntou: ‘Afinal, o que vou fazer aqui?’, enquanto olhava para os coleguinhas, desconfiada.

Sugeri que brincasse. “Conhecer pessoas é muito bom”, disse, sabendo que, como mãe, essa não era minha habilidade principal.

Ela silenciou. Concordou em fazer uma adaptação e agora parte para seus primeiros dias de aula. O tempero adicional não poderia ser mais irônico: em sua segunda semana de aula, a mãe estará viajando a trabalho. Não sei se isso vai ser bom, mas, de certa forma, ela estará livre de mim. Livre das minhas crenças. Livre para seguir com sua própria experiência.

Se eu pudesse fazer um pedido a todas as mães que levam seus filhos à escola, eu diria que tentassem isolar a experiência que tiveram na infância da experiência dos filhos. Eu demorei para entender que o que as impedia de se relacionar com as outras crianças era eu mesma. Que o que as impedia de se adaptar era a minha velha crença de que ‘escola não era bom’.
Se estou curada? Só os próximos capítulos dirão. Mas que estamos em busca de ressignificar antigas experiências, estamos. Todos os dias.

Cinthia Dalpino (Foto: Divulgação)

Cinthia Dalpino é jornalista, escritora e ghost writer de livros.Já foi 100% trabalho, já foi 100% mãe e, hoje, tenta integrar suas paixões - filhos e trabalho - em sua vida. Criadora do Mãe At work, portal com histórias de mães e reflexões relacionadas à maternidade e mercado de trabalho.

 



from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Cinthia-Dalpino-Mae-at-work/noticia/2019/01/o-primeiro-dia-de-aula-gente-nunca-esquece.html