MInha memória dessa volta às aulas é como uma experiência sempre densa de expectativas positivas e negativas; de alguns receios; de algumas alegrias; da certeza de encontrar alguns amigos ou da ausência e saudade de outros que trocaram de escola, de cidade ou de país.
A sensação é de que se evolui, se avança para novos desafios, novas lições, novos professores, novas oportunidades de aprendizados.
Aos pais, a emoção que cerca esse ritual vem com marcas de cuidar, de desejar que tudo corra bem, que os desafios não sejam tão intensos e exigentes. Afinal, em nossa cultura, desafio sempre sugere trabalhar, enfrentar conflitos, acionar dispositivos de superação. Por isso, a cada semestre escolar que se inicia, muitos pais manifestam o desejo de que os filhos não sejam tão desafiados, tão cobrados e tão colocados em situações adversas que os leve a sofrer.
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Que volta é essa, às aulas? É a volta a um lugar, a um espaço ocupado com a melhor das intenções que nossa cultura poderia criar: a intenção de se construir conhecimentos. É a volta a um território de encontro com o patrimônio cultural da humanidade e com a diversidade cultural e social presentes em nossas cidades. A volta às aulas representa o privilégio de se retornar a um lugar no qual podemos aprender a aceitar e compreender os seres humanos diferentes do que somos. É o lugar de contato com os saberes científicos e filosóficos e com o desenvolvimento de saberes das relações interpessoais.
Esse lugar público representado pela escola e pela sala de aula nos ensina desde muito cedo a conviver com a riqueza cultural construída pela humanidade até os nossos dias. Mas essa riqueza é agora disponível fora dos muros da escola, graças às tecnologias de comunicação.
Então, o que torna o espaço público escolar diferenciado, para além, das informações relativas aos conteúdos científicos e filosóficos, é a oportunidade de encontro com funcionários, professores, gestores e colegas que certamente são diferentes de nossa família, permitindo assim um alargamento de horizontes e a construção da noção plural de cultura.
Mas o território escolar é também especial por articular e motivar esse encontro com o diverso em torno de conversas de conhecimento, que ensinam a reflexão sobre nossas experiências e sobre as experiências do outro.
Quem volta às aulas, volta para o exercício do pensamento que se derrama sobre ações de construção das cidades e da cidadania. Por isso, interessante seria se, como pais, pudéssemos cultivar a ideia e o sentimento de que nossos filhos, ao voltarem para as aulas, voltam para um refúgio que os protege dos próprios dramas, familiares ou pessoais. Um refúgio que os coloca em contato com a Filosofia, com a Biologia, com a Poesia, com a História, com a Matemática, com as Línguas materna e estrangeiras, com a Geografia, a Arte, a Química e a Física. E se forem pequenos, esse refúgio os inicia nos jogos interativos e nas primeiras manifestações expressivas.
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Voltar às aulas é voltar a uma das experiências mais enriquecedores criadas por nossa cultura: a convivência escolar.
Que nossa conversa com as crianças nesse momento de volta às aulas possa valorizar ainda mais essa convivência e, assim, enriquecer também nossas casas na perspectiva de uma urbanidade ética e afetuosa.
Luiza Christov é professora do Instituto de Artes da UNESP e da Casa Tombada (SP) e fala sobre as experiências das crianças na vida escolar
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