Nos últimos dias, respirei mais fundo.
E não foi pra manter a calma.
Mas pra inspirar, ou melhor, aspirar o seu cheirinho até o fundo da alma, pra ele alcançar a memória e ficar guardadinho lá. Esse cheirinho que você tem agora, de shampoo na cabeça e leite na boca.
Ok, respirei fundo pra manter a calma também.
Tenho tentando não pensar, mas penso o tempo todo.
Que o tempo vai andar mais rápido e nós também, e vai deixar no passado esses dias em que a palavra pressa não tinha lugar e nem razão de ser, e os únicos compromissos eram entre nós, sem hora pra começar nem pra terminar.
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Que o nosso universo vai ficar maior. Você vai conhecer um mundo de lugares e de horas sem a mamãe, em que existem outras pessoas pra te cuidar, te alimentar e dar carinho. E eu vou voltar pra aquele mundão que já conheço pra ver se o reconheço, agora que enxergo as coisas com olhos de mãe. Agora que sinto tudo em dobro, com o coração que carrego em mim e com um outro, que pulsou aqui dentro por 40 semanas, depois bateu pertinho do meu por sete meses e a partir de agora você leva dentro do seu peito, não necessariamente perto da mamãe.
Também tenho pensado que a vida tem que seguir. Não como está hoje. Nem como ela era antes. De um jeito novo que vamos descobrir juntos como vai ser.
Dia desses, eu tava chorosa e papai perguntou porque. E eu:
- Porque tá terminando.
E ele:
- Tá só começando.
É um jeito bom de pensar nesse momento. É um RE-Começo.
Sou eu tentando me RE-Conhecer.
Tentando me RE-Encontrar
E tem que ser assim. Por vários motivos:
Pela auto-estima da mamãe.
Pra pagar as contas.
Porque minha profissão é também minha função na sociedade.
Pela sanidade mental também.
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Pra quem sabe um dia não muito distante você ter orgulho dessa parte de mim.
Mamãe tem um trabalho que tira muito de nós (pouca rotina, plantões de 12 horas em feriados, fins de semana...). Espero ter sabedoria pra compensar tantas privações com o que essa minha profissão pode acrescentar de bom. Por exemplo? O banho diário de realidade... o senso de justiça, que nunca podemos perder de vista... até o que um jornalista vê de ruim (e é tanta coisa), reforça o quanto temos pra valorizar e agradecer na vida. Que tudo isso me inspire pra me manter no eixo e te guiar, ajudar a manter a tua pureza, alimentar tua esperteza, fazer de ti um menino bom.
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Agora, me concentro em sentir cada movimento, cada sugada dessa mamada que é a última antes da última noite antes da chave girar.
Ainda tenho que jantar, arrumar a bolsa, escolher a roupa que vou usar no retorno ao trabalho. Mas não tenho pressa. Sou capaz de passar a noite sentada aqui nessa poltrona.
Coincidentemente - ou não - no dia em que volto ao trabalho, vão desmontar um armário da despensa aqui de casa por causa de um problema na coluna do prédio. Bem no dia em que está desmontando a nossa vida como foi dentro desse apartamento nos últimos meses. Essa desmontagem vai deixar tudo meio bagunçado: os utensílios da despensa e os nossos sentimentos. Mas é questão de dias, talvez semanas. E, espero, tudo vai se reorganizar, achar um espaço e se reacomodar.
Natália Ariede, jornalista, mãe do Vicente, que acabou de chegar. Repórter da TV Globo há mais de dez anos, é rotina pra ela ouvir e contar histórias. Até um dia em que, ao invés de dar uma notícia especial, recebeu uma. A melhor que poderia receber e contar pra alguém: A notícia da vida! Quer escrever para ela? redacaocrescer@gmail.com.
from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Natalia-Ariede-A-noticia-da-vida/noticia/2019/02/acabou-nossa-licenca-maternidade-meu-amor.html