Monday, October 21, 2019

Pedagogia Waldorf: mais empatia, criatividade e senso crítico

Waldorf: foco na formação do ser humano (Foto: Crescer/Divulgação)

 

 

 

Para entender a pedagogia Waldorf não são necessárias muitas explicações. Basta entrar e observar uma das 88 escolas espalhadas pelo Brasil — e foi exatamente o que fez a reportagem de CRESCER. A visita à escola Rudolf Steiner, no Alto da Boa Vista, em São Paulo — uma das pioneiras da pedagogia Waldorf no país — começa pela euritmia, uma espécie de aula de dança. Enquanto a professora vai anunciando as coordenadas, estudantes de 11 e 12 anos sincronizam os seus movimentos com uma música suave. Na escola, todos os alunos aprendem a se concentrar, relaxar e a perceber o próprio corpo com ajuda da melodia.

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Saindo de lá, uma exposição permanente de esculturas no corredor chama atenção: são bustos expressivos, miniaturas de diferentes animais e formas abstratas perfeitamente esculpidas — e quem diria, as obras de arte não foram feitas por nenhum artista plástico renomado. "Aqui, todos os estudantes são artistas", anuncia o professor de artes, Matthias Zaeslin, da porta da sala de aula.

Esculturas feitas pelos alunos do ensino médio (Foto: Crescer/Divulgação)

 

Dentro da sala, silêncio e concentração. Alunos do último ano do ensino médio trabalham com tintas, telas e pincéis. Mais uma vez, a qualidade dos traços intriga. João Paulo Feitoza, de 18 anos, conta que desde o sexto ano, ele e seus colegas desenvolvem e aprimoram a pintura. "Começamos com o abstrato, passamos pela luz e sombreamento, aprendemos diferentes técnicas até chegar nesse estágio final, que é o autoretrato", diz. "Desenhar faz parte do currículo e, a cada ano, eles evoluem muito. É um exercício de autopercepção", completa o professor.

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João Paulo fazendo autoretrato (Foto: Crescer/Divulgação)

 

 

 

Ao passar pelo ensino fundamental, mais supresas. Durante a aula, a descontração dos alunos é visível. Mas nada de bagunça, os estudantes imitam bichos enquanto aprendem uma nova língua — todos pisando descalços em um vasto tapete, cercado por bancos que formam um grande círculo. "É uma aula repleta de movimentos. Os pequenos precisam disso, pois eles ainda estão nessa fase", explica Melanie Mangels Guerra, diretora da Faculdade Rudolf Steiner. Nos primeiros anos, não há apostila. O aprendizado começa de forma oral e gradual. Assim, a escrita só será exercitada no terceiro ano.

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Aulas de inglês: oralidade e descontração (Foto: Crescer/Divulgação)

 

 

Outra característica marcante da metologia são as chamadas "professoras de classe". Helena Würker é uma delas. A educadora acompanha os mesmos alunos do primeiro ao oitavo ano, é uma espécie de 'tutora' — e é sempre com ela que os estudantes começam o dia. "Isso permite uma maior aproximação, aumenta a confiança e a escola conhece melhor os seus alunos", afirma Melani. "Todos os dias, quando os alunos chegam, tem um circuito montado para que eles despertem o corpo: pulam corda, viram cambalhota e alongam por alguns minutos. Assim que tocamos o gongo, eles começam a arrumar a sala em um grande círculo e damos início a uma conversa: falamos sobre o dia, o mês, a estação do ano. Temos um momento para o poema da manhã, seguido de canções. A partir daí, começamos com o conteúdo", explica Helena.

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Esse professor conta com a ajuda de educadores de diversas matérias para dar conta do currículo. Nesse momento, os bancos se transformam em classes. No lugar das cadeiras, os estudantes usam puffes de cortiça que, segundo os educadores, ajudam a corrigir a postura. A lousa ainda é o bom e velho quadro negro com giz. Ao fundo, canecas coloridas e sustentáveis. Já as tradicionais mochilas de personagens infantis são substituídas por bolsas de couro que são confeccionadas pelos pais dos alunos. Mas se engana quem pensa que a individualidade é prejudicada. Uniforme escolar não é obrigatório. Cada um se veste como gosta.

Sala de aula ao estilo Waldorf (Foto: Crescer/Divulgação)

 

 

 

Já no espaço reservado ao maternal e jardim de infância, muitas árvores, plantas e "pé no chão". A imaginação é estimulada por meio de brinquedos simples, pouco estruturados e produzidos quase sempre com material natural, como madeira e tecidos. A autonomia é incentivada constantemente, desde as bebidas e petiscos que ficam sempre à mão para que eles mesmos possam se servir. O método visa o desenvolvimento integral da criança, não apenas o intelectual.

Mais à frente, debaixo da sombra de uma pequena árvore, um grupo concentra-se em aprender alguns pontos de tricô. Aliás, atividades manuais estão presentes em todo o currículo escolar. Isso porque além da concentração, eles exercitam as habilidades motoras e a criatividade — enquanto mantém um contato direto com a natureza. "Queremos que os nossos alunos aprendam a pensar fora da caixa, sejam criativos, mas também saibam consertar uma porta, tenham autonomia e independência", afirma o professor de classe do ensino fundamental, Irceu Munhoz.

As habilidades manuais começam cedo (Foto: Crescer/Divulgação)

 

 

DE OLHO NO VESTIBULAR

No ensino médio, as salas de aula se aproximam mais das convencionais. Durante uma aula de biologia, é possível perceber que, mesmo com a presença de visitantes, os alunos não perdem a concentração e respondem prontamente aos questionamentos da professora. Sobre o vestibular — que é uma preocupação constante dos pais —, o professor de classe Irceu Munhoz, afirma que os alunos saem tão bem preparados que "o acesso às universidades não é um problema". "A Escola Waldorf cumpre, em todo o seu currículo, as exigências do MEC. Ou seja, o aluno recebe todos os conteúdos que teria em uma escola tradicional, além de muitas outras disciplinas particulares da pedagogia Waldorf. A mistura dos conteúdos gera um processo de educação e desenvolvimento saudável, que promove um equilíbrio na meta de atender ao ser humano integralmente", disse.

"Muitos dos nossos alunos entram em universidades públicas sem cursinho. Mas, em geral, cada vez mais, eles se destacam em diversos âmbitos dentro da academia e esses destaques provém justamente de tudo o que a escola oferece a mais para a vida — e não somente visando o vestibular. É um processo de 'aprender a aprender'. O conhecimento se torna propriedade por meio de tudo o que se faz na escola", completa.

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ORIGEM DA PEDAGOGIA WALDORF

O método Waldorf foi criado pelo filósofo e educador austríaco, Rudolf Steiner, na Alemanha, logo após a primeira Guerra Mundial e se espalhou pelo mundo. Atualmente, a pedagogia — que visa a formação de adultos livres, com pensamento individual e criativo, sensibilidade artística, social e pela natureza — está presente em mais de 60 países. No Brasil, são 88 escolas filiadas, mais de 16 mil alunos em 21 estados. Há 21 anos no país, a metologia tem crescido mais de 200% em pouco mais de dez anos, segundo a Federação das Escolas Waldorf no Brasil (FEWB). Praticamente todas as escolas são particulares, mas a Waldorf também possui parcerias com instituições públicas em todo o mundo. No Brasil, são 15 projetos sociais e escolas públicas.

Prioridade é o desenvolvimento oral, depois a escrita (Foto: Divulgação)

 

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"Depois de cem anos, essa pedagogia ainda se faz muito moderna e necessária para o desenvolvimento saudável do ser humano. Tudo o que a Waldorf apresenta é um contraponto muito precioso para as realidades atuais. Tudo o que ensinamos — desde o maternal até o último dia do segundo ano — tem um sentido. As crianças plantam o trigo, colhem, debulham, fazem a farinha e, finalmente, o pão. É um exemplo simples para entender que elas se envolvem e vivem aquilo. Os jovens saem da escola e se destacam nesse mundo que nos pede criatividade e interação social. Ele sabem biologia, mas também sabem trocar uma tomada e arrumar uma porta quando empena. É uma pedagogia para a vida", afirma o professor de classe, Irceu Munhoz.

ESCOLA PARA A FAMÍLIA

Já a participação dos pais acontece naturalmente, no dia a dia e até na gestão da escola, e faz parte da proposta pedagógica. "São escolas para filhos e para os pais. Por sua própria constituição, os pais estão sempre por perto, acompanhando o desenvolvimento das crianças. E a relação com o professor é naturalmente muito estreita, principalmente quando um professor acompanha a criança por oito anos. É um convivio muito próximo e de troca. A escola tem por princípio ser uma associação, sem fins lucrativos. O que entra com mensalidade se gasta com a estrutura e os pais se associam, são eleitos para administrarem a escola. Então, não é só deixar o filho na porta, dar um beijo e ir embora. É um trabalho bem profundo de parceria", explica Irceu. 

José Carlos Ventre, que hoje é conselheiro de proteção patrimonial e dos fundamentos da escola, também passou pela experiência de ser um pai de aluno na Waldorf. "Eu tive quatro filhos na escola, todos se formaram aqui e todos estão muito bem, cada um em uma área. Na família, ouvi que meus filhos tinham mudado, estavam diferentes. É transformador. Fui pai, representante de classe e convidado pra ser membro da comissão financeira, depois membro da associação pedagógica, fui diretor e presidente. Faz 12 anos que meu filho mais velho saiu e sabe porque eu continuo aqui? Porque acho que essa pedagogia pode transformar o mundo através dos jovens", finaliza.

Pedagogia instiga a criatividade, autonomia e empatia (Foto: Divulgação)

 

 



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