Meus filhos,
Sabem bronca? Aquela zanga que vem com cara feia, que nem sempre vem com berro, mas às vezes vem, e vem com vergonha agarrada nele também?
Então, bronca em quem se gosta é coisa que, se a gente não dá, é quase como se não gostasse tanto.
Promessa de cuidar que nosso coração faz, sem o outro saber.
Verdade que a vida rola mais fluída, fingindo que não vejo vocês entortando o eixo, e que é uma escolha, digamos, mais orgânica, confiar que, com o tempo, vocês aprenderão com meus bons exemplos, ainda que deseje, às vezes, me entocar bem entocada com aquele meu tipo certo, cujo eixo, vocês bem sabem, também entorta feio.
Porque acontece que bronca provoca uma murchada em quem recebe, mas também em quem dá.
Porque a gente não é tão legal quando dá a bronca, mas, acreditem, bronca tem um plano de fazer quem a gente gosta ser mais legal.
E ainda assim, ela pode falhar, eu posso falhar, vocês podem falhar... Porque a verdade é que não dá para ser legal sempre e, outra verdade, é que cedo ou tarde a gente entende que tudo nessa vida só se aprende no amor ou na dor.
Isso quer dizer, que vocês ouvirão meus conselhos, toda minha teoria, verão meus exemplos e, mesmo assim, seguirão suas próprias direções.
Sei que coisas lindas estarão plantadas nesses seus caminhos, meus amores, mas é um exercício duro de praticar esse de fazê-los lembrar que nem sempre assim será, porque, francamente, acaba que sempre chega escolha que faz doer e, se posso eu me meter entre vocês e seus destinos é pedindo para que nunca esqueçam o que uma dor veio ensinar, porque, acontece que, se a gente não aprende, meus filhos, o caminho que dói fica se repetindo na nossa frente.
+ Dr. Carlos González: "A alternativa ao castigo é não castigar"
Mas, a valer, eu vim aqui falar de bronca.
E contar que sua mãe também toma. E tomou.
Porque é verdade que tem gente que gosta de mim e quer me lembrar de que não sou tão legal, às vezes.
E foi uma bronca sem cara feia, nem berro, mas ainda assim provocou uma murchada.
E daí que teve o Aristóteles, um filósofo, uma daquelas pessoas que gostam muito de investigar e esmiuçar e vasculhar pensamentosaté que eles façam um sentido ainda não sentido por quase ninguém, que pensou pensamentos muito bonitos e que garantiu que só existe felicidade na generosidade.
Aquela chance de poder oferecer o que temos para os outros, para que a gente mesmo ganhe a chance de ser feliz de verdade.
Isso porque, quase sempre meus filhos, ganha muito mais quem dá.
E oferecer o que temos, às vezes, precisa ser só a gente mesmo, com nosso colo e nosso abraço. Porque, o abraço, acreditem, ele serve para muito além de nos aproximar de quem a gente gosta; ele traz poderes grudados em si, trata de deixar o coração mais forte, as pessoas mais calmas, o corpo protegido de doenças, e, podem crer, meus amores, coloca felicidade no sangue!
É que o abraço, além do gostoso que vocês já conhecem, sabe liberar uma substancia que é a mesma que nosso corpo recebe de um lugarzinho lá do cérebro que coloca felicidade na gente.
Sim, substâncias no sangue são as encarregadas por nossa felicidade. E tristeza.
Mas isso é entendimento para depois.
E ocorre que o abraço, esse sim é muito legal com quem recebe e com quem dá.
E daí que eu já sentia isso, mesmo sem saber o que uma pessoa como Aristóteles pensava.
E, ainda assim, deixei minha amiga sem mim.
E não há quase nada que seja capaz de defender um amigo que não cuida de outro, meus filhos.
É que nós, adultos, temos mania de deixar a vida sair rolando no impulso, e aí a gente acaba que depois não alcança e calha que perdemos o ritmo, e nos engabelamos achando que o Whatsapp salva lá com aquelas carinhas que você adora colocar todas de uma vez, filha.
Acontece que tem emojis que a gente não acha ali. Uns tantos que jamais saberão nos mostrar.
E não tem suspiro, nem sorriso como o nosso.
E quando tem quem se gosta no meio, meus filhos, há de se saber todos os caminhos até o cuidado.
Vai ver que foi por isso que eu vim para falar de bronca, passei por Aristóteles e cheguei no abraço.
MARIANA DU BOIS é atriz, mãe de Francisca, 6 anos, e Zeca, 2, e escreve sobre maternidade. "Agora eu era a mãe, era a rainha e era também a bruxa. E pela minha lei, filho meu será sempre feliz"
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