Há muitos e muitos anos, li algo como “cientistas da Universidade X demonstram que as crianças para as quais se contam histórias têm um vocabulário mais amplo e tiram melhores notas em idiomas”.
Tenho certeza de que muitos estudos já apresentaram resultados parecidos; tenho certeza de que, para muitos leitores, isso não é estranho e soa como algo que já ouviram alguma vez, em algum lugar. E tenho certeza de que isso está mais ou menos certo.
Mas seria um erro começar a ler para nossos filhos com o objetivo de ampliar o vocabulário e melhorar as notas deles. Os estudos não dizem que isso vai funcionar e, na verdade, é bem provável que não funcione.
Para começar, as pessoas fazem algo – ou deixam de fazer – por iniciativa própria. Por que alguns pais contam histórias e outros não? Talvez sejam pais que tenham mais tempo para ficar com seus filhos. Ou que aproveitam mais os momentos que passam junto deles; ou talvez sejam pais mais cultos, que tenham, eles mesmos, um vocabulário mais amplo ou, simplesmente, sejam pais com mais facilidade com as palavras. E, talvez, seja por qualquer um desses fatores, e não a história, em si, que tenha influenciado o resultado.
Mas, sobretudo, esses pais não contaram histórias pensando “assim, meu filho terá melhores notas”. Até que uma notícia dessas apareça na imprensa, nenhum pai ou mãe jamais pensa nisso. Contamos histórias para que nossos filhos durmam; ou para manter uma tradição familiar, lembrando do que nos contaram antes, na nossa própria infância; ou para passar um momento agradável com nossos filhos depois de um dia duro de trabalho; ou porque gostamos muito de contar histórias; ou, então, porque nossos filhos gostam muito de ouvi-las. Nosso principal objetivo é que a criança goste da história – mudamos a marcha segundo suas reações – e, se um dia ela não quer ouvir contos, fazemos outra coisa, sem problemas.
Já quem acha que as histórias “estimulam o cérebro”, pode tomar isso como uma dupla obrigação: a dos pais, de contar, e outra da criança, de ficar atenta. Transformamos a diversão em uma nova tarefa escolar. Se a criança quer fazer outra atividade, dizemos: “Fique quieto e escute, que agora é hora da história!”. “Papai, o que é um corcel?”. “Já te disse ontem, um corcel é um cavalo; você precisa prestar mais atenção quando explico as coisas!”
E se, anos mais tarde, a criança vai mal em uma prova, podemos pensar: “Depois do sacrifício que fiz, contando histórias!”. Um erro grave. Nossos filhos não são obrigados a tirar notas boas em troca das histórias que contamos a eles. Não podemos cobrar deles os nossos cuidados, o nosso carinho, o amor que damos a eles. Isso é de graça.
Carlos González tem três filhos, é um dos pediatras mais famosos na Espanha e autor de livros como Bésame Mucho e Meu Filho Não Come!
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