Thursday, February 18, 2021

Volta às aulas na pandemia: adaptação pode ser um pouco mais difícil que de costume

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Volta as aulas Readaptacao (Foto: Getty Images)

 

No fim do semestre passado, quando algumas escolas do Brasil retomaram atividades presenciais, a empresária Juliana Carvalho, 38 anos, viveu um dilema. O Colégio Rainha da Paz, em São Paulo, onde sua filha mais velha, Angelina, 7, estudava, passaria a funcionar com restrições. Mas ela não sabia se deveria ou não levar a menina. “Eu confesso que não tinha muita segurança, mas ela queria e eu pensei: qual a diferença entre ir à escola ou à praça que estávamos frequentando diariamente?”, conta.

 


Assim, acabou permitindo que Angelina voltasse. A garota estava animada para rever tanta gente querida. Já no portão, uma de suas amigas veio correndo alegremente para trocar um abraço. A felicidade, no entanto, foi interrompida por uma das enfermeiras que faziam o controle de segurança e impediu o carinho físico. “Na mesma hora, Angelina começou a chorar. Eu não sabia o que fazer, porque não podia entrar na escola, como costumávamos fazer”, lembra Juliana. Uma educadora resolveu o problema. Acolheu a menina, a acalmou e a acompanhou até a sala.

Com o passar das semanas, as crianças acabaram se acostumando ao novo esquema. Mas o plano de colocar o caçula, Nuno, 2 anos, na escola, ficou para 2022. Assim, evita-se mais estresse, segundo a mãe.

A exemplo de Juliana, famílias do país inteiro vivem momentos de euforia, felicidade, angústia e medo a partir deste mês, com a possibilidade da volta às aulas presenciais. Os esquemas adotados em cada região podem ser diferentes (e estão mudando a todo instante), obedecendo aos protocolos de segurança, já que a pandemia continua.

E como não há previsão para ela acabar, vale refletir sobre as vantagens de os pequenos voltarem às aulas, com todas as medidas de segurança, claro:  “Não há dúvida de que a reabertura das escolas traz muitos benefícios às crianças, já que o fechamento trouxe uma série de sintomas de mal-estar relacionados com falta de socialização, de convívio com os professores, de um local onde tenham menos tensão emocional, uma vez que as famílias estão sobrecarregadas”, diz o pediatra Daniel Becker (RJ). Ele chama atenção especial para a realidade das escolas públicas. “Elas acabam sendo também um lugar de maior proteção contra situações de risco em que vivem em comunidades empobrecidas”, conclui.

Mas, em todo canto, as famílias têm de se organizar para enfrentar uma escola de cara nova, em especial para quem não retornou em 2020. As turmas estarão mais enxutas, as carteiras, separadas, os sorrisos, escondidos atrás das máscaras. Também podemos esperar que parte das atividades aconteça de forma remota, esquema que vai depender de cada escola.

“Neste momento, o pacto entre famílias e escola é fundamental. Pais e cuidadores precisam ter calma e tolerância para o retorno às aulas e, ao mesmo tempo, lidar com possíveis momentos de euforia e frustração”, diz Sônia Barreira, diretora pedagógica do grupo Bahema Educação, que reúne 11 escolas espalhadas pelo Brasil.


Vale a pena enfrentar?
A decisão final de enviar ou não o filho presencialmente  à escola cabe à família, claro, e deve ser combinada previamente com a instituição. Porém, segundo Sônia, por mais que seja difícil e gere insegurança (sim, é normal, e você não está sozinho!), é importante investir energia na retomada. E isso vai muito além de compensar possíveis perdas de conteúdo e dar conta do currículo de 2021, mas, sim, resgatar tudo o que a escola fornece aos alunos e à comunidade que a cerca. “A quarentena trouxe um benefício para as crianças, sobretudo as pequenas, que puderam ficar um maior tempo perto dos pais. Mas, até mesmo elas, mais do que nunca, precisam do convívio social que a escola proporciona”, afirma.

Estar mais perto da família é uma delícia, mas é fundamental para o bom desenvolvimento que esses horizontes sejam ampliados. Crianças precisam se relacionar com outras crianças. É assim que compartilham desafios e desenvolvem importantes habilidades cognitivas, emocionais e sociais. Além disso, é primordial ter referências de adultos que não sejam apenas pais e cuidadores. Até mesmo a família carece desse tipo de relação. “Durante boa parte da quarentena, senti falta de entender como organizar a nova dinâmica porque, com as aulas virtuais, não tinha mais parâmetro do que outras mães e pais faziam”, diz a personal trainer Flavia Picolo, 39, mãe da Maya, 8. Como alternativa, ela abriu espaço para que a menina encontrasse duas amigas, cujas famílias estavam respeitando o distanciamento ao máximo, e pudesse não só brincar como fazer atividades da escola com companhia.

“É claro que tivemos alguns ganhos com as atividades online. Crianças e educadores usaram a criatividade para encontrar novas formas de aprendizado e de convivência”, diz Fernanda Flores, diretora pedagógica da Escola da Vila, em São Paulo. “Mas parte importante da experiência escolar é tornar a criança independente da família, ajudá-la a formar a própria identidade. A escola é também o lugar de errar, de entrar em conflito e essas são questões que ambiente virtual nenhum consegue substituir.”

No entanto, é fundamental lembrar que, para que a volta ao ambiente escolar seja segura, são necessários cuidados, como explica o pediatra Becker: “Já está mais do que demonstrado pela ciência que a escola é um lugar de baixo risco quando oferece boas condições estruturais que permitam a instalação de protocolos de mitigação”, diz. Entre as medidas, ele cita: distanciamento, ventilação, turnos alternados, redução do tamanho das turmas, EPI para professores, como máscaras, utilização de áreas externas o máximo possível. “A escola é mais segura do que qualquer outro lugar porque é justamente onde conseguimos implantar os protocolos de minimização com mais eficiência”, completa.

Adaptação contínua
Seja qual for a sua decisão, mandar seu filho para a escola logo ou depois de um tempo, saiba que a adaptação pode ser um pouco mais difícil que de costume. Até porque o esquema de os pais ficarem dentro da escola por dias ou semanas não deve acontecer por medidas de segurança. A receita para facilitar as coisas? Paciência. “Podemos esperar por crises de choro, euforia, pesadelos e medo”, diz a psicopedagoga Georgia Vassimon, diretora do Instituto Sedes Sapientiae, São Paulo. Ter consciência de que tudo isso pode acontecer e ficar preparado já é um grande passo. É importante conversar muito sobre o que vem pela frente e contar para a criança o que for possível sobre como a escola estará para diminuir a ansiedade e adequar expectativas.

“Outra ideia é criar rituais que reconfortam, como deixar separados a roupa e o kit de máscaras para o dia da aula, preparar uma refeição especial antes do retorno à escola e convocar o pequeno a participar de todo o processo”, aconselha Fernanda Flores.

A educadora lembra ainda do poder das narrativas para momentos difíceis. Que tal sentar com o seu filho para relembrar outros momentos da história em que a humanidade passou por períodos difíceis e deu tudo certo? A experiência será ainda mais rica se incluir conhecidos na contação, dizendo, por exemplo, que a bisa sobreviveu à pandemia de gripe. “E não podemos esquecer de reforçar que tudo isso é uma fase de transição, que vai acabar. Já temos até vacina!”, diz Fernanda.

Volta as aulas Readaptacao (Foto: Getty Images)

 


 

 

 


 

Volta as aulas Readaptacao (Foto: Getty Images)

 

 

 

 

 

 

 


Experiências proveitosas
A pandemia trouxe bons momentos e novos hábitos que podem ser mantidos após o retorno à escola. Confira:

Cozinha em família
Por necessidade ou diversão, pais e mães passaram a cozinhar junto com os pequenos durante a quarentena. Talvez não dê para ser assim todos os dias, mas é bacana incluir a atividade na rotina.

Vida ao ar livre
Muitas famílias tiveram o privilégio de se refugiar no campo ou na praia. Outras, em busca de um respiro, frequentaram mais parques e praças — respeitando o distanciamento. E a experiência mostrou o quanto é saudável viver perto da natureza. É um ensinamento que deve ficar.

Mais tempo juntos
Em muitas famílias, a quarentena aproximou, ainda mais, filhos e pais. A volta às aulas e ao trabalho (quando ocorrer) deve mudar um pouco as coisas, mas é bom abrir mais espaços para o convívio. Conecte-se de verdade: vai brincar com as crianças? Desligue o celular!

Uma mãozinha na casa
O trabalho doméstico aumentou e todo mundo teve de ajudar. Traga algumas das obrigações para a rotina. Que tal manter o hábito de o seu filho arrumar o quarto dele?

Estudos compartilhados
Confiantes no trabalho da escola ou por falta de agenda, alguns pais nem imaginavam o que os filhos aprendiam na aula. Pergunte, escute e mostre interesse pelos novos conhecimentos do seu filho. A relação família-escola deve existir sempre.



from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Educacao-Comportamento/noticia/2021/02/volta-aulas-na-pandemia-adaptacao-pode-ser-um-pouco-mais-dificil-que-de-costume.html