Friday, January 22, 2021

"Pandemia: com os meses, comecei a enxergar filhos que não eram os meus, e foi assustador"

O excesso de videogame durante a pandemia (Foto: Getty Images)

 

Dói escrever isso, porém, eu não tenho vergonha de falar que em função da quarentena meus filhos ficaram viciados no videogame. É uma situação bem complicada de lidar, de equilibrar, mas muito importante de ser discutida porque sei que várias famílias estão passando pela mesma situação.

No começo, confesso que consegui manter o tempo que passavam nos games bem regrado. Segurei firme as rédeas e até fomos bem. O que eu não fazia ideia é que a quarentena se estendesse por tanto tempo. Depois de alguns meses e de escutar de outras mães e até de profissionais que eu poderia/deveria liberar mais, em função de ser a única forma de eles se socializarem com os amigos, fui permitindo um pouquinho aqui, outro ali. ‘Mãe, espera, a partida está acabando.’ ‘Por favor, só mais 20 minutos.’ ‘Ah, mas os nossos amigos jogam de madrugada, por que só a gente não pode?’. E mesmo (obviamente) não permitindo que eles jogassem madrugada adentro, a coisa foi crescendo sem que eu me desse conta. Ficava em um exercício de estica e puxa sem fim. Estende um pouco o tempo num dia, no outro mais um tantinho. ‘Ah, mãe, agora é hora de campeonato. Preciso jogar.’ E sem perceber e me sentindo bem desconfortável, perdi completamente o controle da situação. Ficava irritada com a sensação de ver meus meninos sem interesse por absolutamente nada que não fosse aquele game.

 

 

“Chega! Não é porque outras mães estão liberando mais o videogame que eu vou liberar”
 



Com os meses, comecei a enxergar filhos que não eram os meus, e foi assustador. Questões no comportamento deles literalmente “berravam” quando eu exigia que desligassem o videogame. Nervosismo. Ansiedade. Falta de paciência. Agressividade. Tudo isso estava sempre muito presente. A harmonia da casa evaporou.

Quando os parques foram liberados, eu presenciei dois garotos que sempre foram superativos pedirem para não sair. Por que será?

‘Vamos para o parque?’ ‘Não.’

‘Vamos passear com a cachorra?’ ‘Também não.’

‘Vamos para o sítio do seu tio?’ ‘Não quero, prefiro ficar em casa.’

Quando finalmente saíamos, eles queriam voltar logo. Por que será? Foi quando algo aqui dentro de mim disse chega. Chega! Não é porque outras mães estão liberando mais que eu vou liberar. Não é porque os profissionais dizem ok para mais tempo de uso nesse período, que eu vou manter por aqui, se o resultado tem sido catastrófico. Agarrei novamente as rédeas do tempo de uso, e da supervisão. Chata? Como quiser. Não adianta, só existe equilíbrio assim.

 


Coloquei para praticarem uma atividade física e escolherem um instrumento musical para estudarem, além de introduzir na rotina deles o horário da leitura. Aqui não existe mais o “não vou”. Estamos caminhando, mas já vejo avanços significativos. Socialização com os amigos é incrível, necessária, mas atrelada com o videogame e sem controle, esbarra na saúde mental das crianças. O que, no caso dos meus, é responsabilidade minha.

 

. (Foto: Arquivo pessoal)

 

Thaís Vilarinho é fonoaudióloga e escritora. É mãe do Matheus, 13, e do Thomás, 10. Autora dos livros Mãe Fora da Caixa, Mãe recém-nascida e do infantil Deixa eu te contar...



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