Monday, January 25, 2021

Alexandre Coimbra Amaral: "A alma humana não se apequena diante de nenhuma tragédia"

O sofrimento e as dificuldades nos fazem mais fortes (Foto: Foto de Amine M'Siouri no Pexels)

 

O ano de 2020 não consegue ser representado por nenhum adjetivo, texto ou imagem. Todas as formas de tentar nomear o que vivemos são pífias. As experiências são sempre maiores do que a nossa capacidade de falar delas. Na impossibilidade de fazer uma síntese fidedigna de 2020, resta-nos aceitar que vivemos o tal primeiro ano do resto de nossas vidas. Os últimos meses nos entregaram uma tragédia planetária em várias dimensões inéditas. Ainda estamos começando a reconhecer as consequências para as sociedades, famílias e pessoas desta pandemia.

 


Pois meu convite aqui, hoje, é para se olhar no espelho, com a curiosidade de querer saber o que o ano passado fez com você. É possível que você esteja num dia em que a frase que lhe venha à cabeça é “vamos ver o que restou de mim”. Sim, há restos de uma avalanche, e eles precisam ser legitimados, porque, quando bem elaborados, são o alicerce de muitas belezas. Mas não somos somente os restos. O convite é para que seus olhos percorram a travessia que a alma fez em 2020.
 

“A alma humana não se apequena diante de nenhuma tragédia”
Alexandre Coimbra Amaral


A alma humana não se apequena diante de nenhuma tragédia. Ela está ali, atenta a nossos processos mais dolorosos, cansados, desistentes. Ela aproveita as lágrimas, os gritos, os silêncios dos medos, e faz de tudo uma nova silhueta. No final, estamos maiores, mais capazes, justamente porque temos mais cicatrizes e mais capacidade de passar por elas. A alma, no entanto, não fala por nós. Ela nos observa, atenta, e nos cabe a narração da vida de cada dia, responsável por dar a cor da palavra a tudo o que nos acontece.

A hora, minha gente, é de dar a palavra ao espanto, ao cansaço, ao desespero, ao tédio, às mudanças surpreendentes, às saudades, ao medo, às tristezas. Tudo é parte de quem já somos, tudo é resultado agora de uma nova pessoa. Nesta vida aos avessos de qualquer rotina, crença ou cultura, tivemos de repousar nossos corpos durante este ano colossal. Somos novas pessoas. Olhe para seus olhos. Eles não são os mesmos. Há um contorno inédito neles, um brilho que pode parecer opaco, mas que é pura novidade. Eu convido você a se dar a oportunidade de contar em quem a pandemia o transformou. Quando fizer isso, terá conhecido na sua pele o significado de uma palavra que nomeia a transmutação do sofrimento em aprendizagem, da dor em projeto de futuro: a resiliência. Hoje, você é a prova de que ela é uma das forças que 2020 nos trouxe, como o presente mais paradoxal de toda pandemia.
 

. (Foto: Divulgação)

 

Alexandre Coimbra Amaral É mestre em psicologia pela PUC do Chile, palestrante, escritor, terapeuta familiar e de casais. Pai de Luã, 13, Ravi, 11, e Gael, 7. Psicólogo do programa Encontro com Fátima Bernardes, da Rede Globo.



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