Monday, March 25, 2019

#MeuMomento: Mães na universidade - elas falam dos desafios de voltar a estudar depois dos filhos

mulher com filha mexendo no computador (Foto: Pixabay)

 

Se você tem filho e quer voltar a estudar ou engravidou durante o curso e está aí pensando como vai fazer para concluí-lo, saiba que, embora não seja uma tarefa fácil, isso é superpossível. Eu sou prova de que dá, sim. Em 2017, aos 35 anos, em meio ao mestrado em Letras na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), engravidei da Elis, hoje com 1 ano. Em um primeiro momento, pensei em trancar e terminar mais tarde, já que o regime da universidade prevê uma prorrogação em caso de parto. Mas, na primeira conversa com minha orientadora, que foi muito parceira, percebi que, por faltarem poucos créditos a serem cursados, eu poderia pelo menos tentar conciliar as duas coisas e... cheguei ao fim!

Foi cansativo? Sim, com certeza! Toda brecha que tinha e quando a Elis dormia, lá ia eu para o computador. A louça ficou muitas vezes na pia, abri mão de ir a congressos por não querer levá-la para a universidade ainda tão bebê e também deixei de brincar com ela no parquinho em dias ensolarados porque precisava terminar um capítulo do trabalho. Minha banca de qualificação (a etapa prévia, geralmente seis meses antes da defesa final) ocorreu quando a Elis tinha um mês e meio de vida. Naquele dia, ela ficou em casa com meu marido e minha mãe. Congelei meu leite e ela tomou direitinho com o pai. Ainda tive uma grande vantagem: estava tão preocupada com a minha filha sem mim que não fiquei nervosa com a banca.

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Rede de apoio
Eu não tive outras colegas na mesma situação que a minha na turma de mestrado. Mas, certamente, há muitas mães que passam por isso por aí. Segundo os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), as mulheres são maioria de concluintes na graduação e representam mais da metade de estudantes na pós-graduação. Isso sem contar os cursos técnicos e profissionalizantes e até mesmo os de línguas. Ou seja, se a sala de aula é predominantemente feminina, ela é potencialmente materna. E, com certeza, a minha rotina atribulada foi parecida com a de tantas mães. Aliás, nas comunidades do Facebook Mães na universidade, com 2 mil integrantes, e Mamães na pós-graduação, com cerca de mil participantes, você tem uma mostra de como funciona na prática.

Conciliar maternidade e pós-graduação é muito difícil, mas possível, desde que haja uma rede de apoio. Foi vivenciando isso na pele e me sentindo cada vez mais solitária que criei o grupo Mamães na pós-graduação para ajudar outras mulheres que estavam passando pelos mesmos dilemas. Mesmo que virtualmente, me senti amparada e o peso diminuiu”, diz Vanessa Clemente, 30, mãe de uma bebê de 1 ano e 9 meses e doutoranda em História pela Universidade Federal de Goiás. Ela engravidou no segundo ano do doutorado e sempre teve no marido seu principal apoio. “Em uma ocasião, ele trocou a fralda no carro, no meio de um congresso, pois não tinha trocador e nem banheiro família no local do evento”, conta.

Para quem tem parceiro, uma conversa bem franca sobre a volta aos estudos é essencial. Afinal, mais do que dividir os cuidados na criação dos filhos, ele precisa entender o seu momento e estar disposto a também colaborar. Foi o que fez a bancária Rosangela Anzolin, 41 anos, mãe de Vinícius, 7. “Decidi cursar um MBA Executivo Internacional, na FIA (SP), em um curso que tinha 192 horas de atividades internacionais. Antes de me matricular, tive de conversar com o meu marido e já expliquei que precisaria me ausentar em duas viagens. Na época, o meu filho estava com 4 anos”, lembra Rosangela.

A escolha por esse curso não foi uma tarefa fácil e a culpa começou um ano antes de a bancária colocar os pés no avião. “Sofria só de pensar em me separar do Vi. Então, na primeira viagem, consegui convencer meu marido a ir comigo e aproveitar as férias dele em uma pequena viagem pelos Estados Unidos, durante os dias em que eu teria aula e não poderia ficar com eles. Passei uma semana muito preocupada com a questão da alimentação, porque meu filho tem o paladar bastante seletivo. Durante essa semana de imersão, resolvi que seria melhor não questionar se o Vini estava se alimentando bem. Também sabia que o pai tentaria todos os recursos. No final da semana, quando reencontrei os dois, fiz a fatídica pergunta: Ele está comendo? E a resposta foi sim. Então, percebi que eu não deveria ter insistido tanto para eles irem comigo”, diz Rosangela. Sendo assim, na segunda viagem para Cambridge (EUA), ela decidiu que iria sozinha, pois tinha certeza que o filho ficaria em uma rotina segura e confortável.

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O marido da mestre em enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Shana Vieira Telo, 38, também foi decisivo para ela conseguir terminar o mestrado, depois que engravidou, no final do primeiro ano do curso. Ele precisou ficar muitas noites embalando a bebê enquanto ela se via às voltas com os textos. “Ele só me chamava quando o ‘tetê’ era a última alternativa. Entre uma mamada e outra fui dormir às 5h por quase 90 dias”, diz a mãe de Maria Antônia, hoje com 3 anos.

Eu também precisei de todo do apoio do meu companheiro para ficar com a Elis. Mas não só dele. Contei com meus pais, cunhada, sogra, irmão... fosse para dar colo à minha pequena quando ela chorava e eu precisava estudar, fosse para preparar a refeição quando eu só tinha olhos para os livros.

Assim como sou grata a todos que estiveram ao meu lado nessa jornada, Shana Telo jamais vai esquecer do carinho e suporte que recebeu da irmã. Na reta final do mestrado, ela precisou ir para a casa dela todas as tardes para escrever sua pesquisa. “Defendi a dissertação três dias depois da festa de 1 ano da Maria, que foi toda planejada pela minha irmã. É preciso delegar algumas tarefas”, conta. E não se sinta mal por isso...

Businesswoman reading paperwork with feet up on desk (Foto: Getty Images/Caiaimage)

 

Ajuda de mestre
Não são só os familiares que fazem parte desta grande rede de apoio. Os amigos também são importantes. “Lembro que os pais dos colegas do Vini da escola levavam meu filho a festas de aniversário, quando eu e meu marido não podíamos ir, ou até para as suas casas, quando eu precisava estudar”, lembra Rosangela. A ajuda dos colegas da sala de aula, dos professores e da instituição também pesam (e muito!) na hora de realizar o sonho de finalizar os estudos.

A estudante de Direito Eliana Figueiredo que o diga. Ela engravidou durante o curso de graduação na Universidade Estácio Ceut (PI) e optou por voltar a estudar assim que pôde, sem tirar licença-maternidade. Ela levou o bebê, na época com 6 meses, às aulas e, em uma delas, ele começou a chorar. Para que Eliana não saísse da sala para acalmá-lo, como fazia sempre, o professor de direito penal Alessander Mendes, 43 anos, pegou a criança no colo e continuou a lecionar normalmente. Um aluno gravou o momento e o vídeo viralizou nas redes sociais. Depois da repercussão, Alessander disse que não fez nada além de aplicar a empatia e entender as dificuldades da sua aluna naquele momento. “Se ela não fosse às aulas durante a licença-maternidade, eu a apoiaria desde o início. Mas, se ela quis ir, eu tinha de criar todos os mecanismos para facilitar isso”, contou.

Outro caso recente foi o da professora Ceciane Reis, 37 anos. Ela defendeu o trabalho de conclusão de curso de Letras na Universidade Federal do Pará em sua própria casa por causa da prematuridade da filha e das dificuldades que tinha para ir até a universidade. “Como eu não poderia ir até lá defender minha tese, eles sugeriram que eu fizesse onde fosse melhor para mim. A orientadora e o avaliador vieram em casa para a avaliação. Minha família correu para organizar a casa para o momento e deixar o espaço apropriado. Hoje, percebo que a formação é, sobretudo, uma realização de sonhos. Mas precisamos muito dos mestres para conseguir concluí-los”, disse.

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Embora casos como esses já estejam surgindo vez ou outra, não existe uma regra dentro das universidades sobre levar a criança ou não para a sala de aula ou aplicar uma prova em casa, por exemplo. Por isso, é válido sempre uma conversa com cada instituição para saber sobre o regimento interno e também com os professores. Foi o que fez durante os últimos meses da gravidez Natália Barbosa Ribeiro, 23, que estuda Comunicação Social na Universidade Federal de Pernambuco e é mãe de Caetano, 1 ano. Ela recebeu os textos das matérias e as atividades em casa, mantendo contato por e-mail com os professores. “Por sorte meu filho nasceu nas férias e minha licença-maternidade coincidiu com o período”, conta. Mesmo assim, não foi fácil passar pelo puerpério durante os estudos. “O contato com os textos acadêmicos foi bem difícil. Lidar com tantas coisas profundas que vêm com a maternidade me deixou desconcentrada”, diz.

Poucos direitos
Se algumas questões do dia a dia são conversadas e acertadas com a universidade, outras não: são leis ou estão em vias de se tornar obrigatórias. Existe uma portaria de maio de 2017 que assegura o direito de amamentar nas áreas de livre acesso ou de uso coletivo nas instituições federais de ensino. Também tramitam dois projetos, ambos de 2018, que pedem emendas a duas leis: o projeto nº 12 da Câmara sugere que se estenda às mulheres em puerpério e em período de amamentação o regime de exercícios domiciliares (já previstos em lei para grávidas a partir do oitavo mês); e o projeto nº 185, do Senado, que solicita a prorrogação de prazos acadêmicos e a suspensão das atividades escolares por 120 dias também para estudantes não bolsistas em caso de parto, adoção ou obtenção de guarda judicial para fins de adoção (no momento, a licença existe para bolsistas de agências de fomento). De qualquer maneira, como explica o Ministério da Educação, no âmbito federal cada universidade tem autonomia administrativa e financeira para definir a aplicação de recursos e o desenvolvimento de ações e programas relacionados ao cotidiano acadêmico.

Na Universidade de São Paulo (USP), na Universidade de Brasília e na Unifesp, por exemplo, há normas que preveem licença para pais e mães biológicos e adotivos, assim como auxílio-creche para alunos em situação de vulnerabilidade social. O Instituto Presbiteriano Mackenzie (SP) permite ao aluno de graduação, lato e stricto sensu, a prorrogação de até seis meses para a finalização do curso, enquanto a Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro oferece sala de amamentação às alunas, equipada com freezer para armazenar o leite materno.

A advogada Mônica Sirieiro, 33 anos,  mestre em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, mãe de Rosa, 2, e Caio, 4 meses, percebeu que conhecia pouco sobre seus direitos como gestante quando engravidou da filha, no início do mestrado. “Descobri que não há uma legislação que preveja licença para a estudante não bolsista que engravida. Existe, sim, uma legislação antiga que prevê atividades em casa, mas isso não é paralisação do trabalho”, comenta Mônica, que acabou trancando um período do curso para dar à luz e se dedicar aos primeiros cuidados da bebê.

Quando voltou às aulas, quatro meses depois, a filha passou a ir com ela à  faculdade duas vezes na semana. “Tive dois professores muito acolhedores”, diz. A experiência na universidade influenciou até mesmo no tema de sua pesquisa. Por dois anos, ela conversou com cerca de 50 mães pós-graduandas para compreender seus perfis. “Ficou claro que, para as alunas, há ainda mais falta de apoio do que às professoras. Muitas são orientadas na universidade a trancar ou abandonar os cursos. O sentimento de culpa entre elas é enorme, como se nunca fosse o ‘tempo certo’,” conta. Como resultado, no fim da pesquisa Mônica propôs uma cartilha da “universidade acolhedora”, que reúne os direitos das mães, como acessá-los e o que é possível fazer para mudar a realidade. O projeto ainda está em fase de elaboração.

Mães na ciência
A maternidade  impacta negativamente as mulheres nas áreas de pesquisa. Estudo feito em  2017 com cerca de 1,3 mil pós-graduandas no país pelo grupo Parents in Science, que surgiu como uma forma de buscar fundos de financiamento para pesquisadores pais e mães, identificou que, para 81% das mulheres, a maternidade atrapalhou suas carreiras. O motivo estaria na queda drástica nas publicações nos primeiros anos dos filhos. Embora as mulheres sejam contempladas com a maioria dos financiamentos em todas as categorias do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico  (CNPq), elas alcançam só um terço das bolsas de alta produtividade em pesquisa, a mais alta modalidade de apoio do órgão.

A disparidade motivou uma campanha para que a licença-maternidade tenha um campo específico no Lattes – plataforma virtual do CNPq que integra as bases de dados de currículos, grupos de pesquisas e instituições no Brasil – para ajudar as pesquisadoras a “justificar” a queda na publicação de artigos científicos após a maternidade. Às alunas bolsistas, o órgão dá a possibilidade de prorrogar por até quatro meses o pagamento do benefício em caso de parto e adoção, no âmbito do mestrado, doutorado, pós-doutorado e produtividade em pesquisa.

Persistência
É também nesse contexto de discussão que a Capes criou o Grupo de Trabalho (GT) Equidade de Gênero, em setembro de 2018. “Existe um aumento da participação feminina na base da carreira acadêmica, mas ainda somos sub-representadas em espaços de liderança. Há poucas reitoras e pró-reitoras, por exemplo”, explica Jussara Prado, coordenadora do GT.

Uma das medidas que o grupo quer tomar é a elaboração de um manual de boas práticas com recomendações, por exemplo, para evitar estereótipos nas entrevistas para concessão de bolsas e a consideração da licença-maternidade no prazo de publicações de artigos – se um edital exige os últimos cinco anos, por exemplo, quem tirou licença teria esse período aumentado para sete anos, ou seja, dois anos não seriam contados.

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Espera-se que ações como essa façam com que mais mães se sintam acolhidas e confiantes para, enfim, lotar as salas de aula. E, se quem tem um, dois ou três filhos acha que é difícil, imagine quem tem sete. Sim, a coach em parentalidade e autora do blog Mãe de Sete Julyana Mendes, 42, já estava formada em engenharia civil quando engravidou dos filhos Pedro Henrique, 24, Luís Felipe, 15, João Eduardo, 12, das trigêmeas Maria Eduarda, Maria Carolina e Maria Fernanda, 10, e da caçula, Maria Beatriz, 3. Mas, no ano passado, decidiu voltar aos estudos. “Fiz um curso de coach e, depois que terminei, decidi cursar uma especialização em que preciso ir um fim de semana, uma vez por mês, para a Bahia (moro em Brasília). Sorte que tenho uma rede de apoio! Acredito que filhos felizes só existem quando os pais são felizes. Estudar sempre foi uma paixão, e se as mulheres entenderem que quando estão realizadas isso se reflete na família, elas vão buscar o caminho. Os filhos vieram para realizarmos sonhos, não o contrário.”



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