Friday, November 23, 2018

Porque não me ofendi com o discurso do presidente Macron, que disse: “Mulher educada não poder ter muitos filhos”

Julyana Mendes com os sete filhos (Foto: Reprodução Instagram)

 

Diante de qualquer situação ou conversa aqui em casa sempre me pergunto e ensino aos meus filhos a se perguntarem também qual é a intenção por trás do que está sendo dito ou feito. Intenção é a base da minha maternidade. Em uma situação desafiadora, aprendi a olhar para a minha intenção como mãe: “O que eu quero neste momento? Que mensagem quis passar com aquela colocação? Qual resultado eu desejo agora?” Quando meus filhos trazem um desentendimento da escola, por exemplo, os faço pensar nisto: “Você acha mesmo que a intenção do colega era te magoar?” Para mim, entender a intenção do outro é sempre dar um passo atrás e, assim, evitar conflitos ou desgastes desnecessários.

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E foi exatamente essa pergunta que eu fiz quando recebi hoje uma reportagem com o seguinte título: “Macron disse que mulher educada não pode ter muitos filhos”. Ela descreve as palavras do presidente francês Emmanuel Macron durante o evento “Goalkeepers” da Fundação Gates, realizado em Nova York, em 25 e 26 de setembro, mas que passou a repercutir nas redes na semana passada. Num dos trechos, ele diz: “Apresente-me uma mulher que decidiu, sendo perfeitamente educada, ter sete, oito ou nove filhos. Por favor, apresente-me a menina que decidiu abandonar a escola aos 10 anos para se casar aos 12 anos. Isto acontece porque esses países decidiram que os direitos dessas meninas não eram exatamente os mesmos que dos rapazes”.

Esse era o trecho em destaque e que, basicamente, conduzia a reportagem, além da informação de que várias mulheres incomodadas passaram a se pronunciar dizendo coisas do tipo: “Tenho mestrado e tenho oito filhos”, “Me formei em Havard e tenho nove filhos".
A minha reação imediata quando li tudo foi pensar: “Como assim?” E passei a refletir em como me posicionar, sendo engenheira e mãe de sete. E, portanto, educada e mãe de muitos filhos. Mas, sabe qual foi a primeira pergunta que me veio à cabeça quando parei para escrever? “Espera um pouco, qual foi a intenção dele?”

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A fala em si não me parecia ter muito sentido. Parei para analisar e parecia faltar algo naquela fala. Foi aí que pedi ao filho mais velho que buscasse o discurso inteiro do presidente e não apenas o trecho de menos de 2 minutos que foi espalhado na Internet.
E, então, assisti aos 15 minutos de uma palestra na qual o presidente francês contextualiza tudo, fala de meninas africanas que não têm chances, não têm oportunidades ou os mesmos direitos dos meninos. Elas se casam aos 12 anos. Fala da preocupação com a alta natalidade na África e foca na importância da educação. Vi que a fala deixava bem claro que uma coisa são mulheres que escolhem ter sete, oito filhos... Mas ele estava se referindo às mulheres que não têm escolha.

Talvez a fala dele não tenha sido a melhor, talvez ele pudesse ter dito isso tudo de outra maneira, mas as pessoas simplesmente não procuram saber, não procuram entender. Elas apenas julgam os trechos e títulos que encontram na internet.

Minha atitude, de dar um passo atrás e ouvir todo discurso, para, então, tirar a minha própria conclusão (e que pode ser contrária à sua, diga-se de passagem, mas é sempre bom conhecer as diversas visões sobre o mesmo assunto), veio do aprendizado diário que tenho. Aprendi a dar uns passos atrás quando as pessoas aceleram na conclusão e nas certezas. Aprendi a respirar quando as pessoas, sem fôlego, apontam o dedo para o outro. E certamente o fato de ter sete filhos contribuiu para isso.

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Sem contar que já estive do outro lado, quando as pessoas, sem saber de nada da minha história, julgaram uma vida inteira por um post do Instagram ou por algo que alguém que elas conhecem ouviu alguém dizer sobre mim...

Diante disso, fica o pedido para que ensinemos nossos filhos a respirarem, a refletirem, a pensarem na intenção das pessoas. Diga a seus filhos que na vida muitas vezes é assim: o que viraliza é só o trecho que mais interessa para quem está divulgando. E isso pode ser injusto.

Assim, aos que me questionaram se a fala do presidente me ofendeu, a resposta é não. Ela serviu de oportunidade para, mais uma vez, conversar com meus filhos sobre como um texto fora do contexto se torna um pretexto. Pense nisso.

 



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