Quando começou a quarentena, teve estresse por aqui. Acho que não compreendemos exatamente que íamos ter de ficar juntos, mesmo, sem poder sair para encontrar um amigo ou o resto da família. Acho que a ficha caiu na segunda semana, quando começamos a perceber que não teríamos como prever nosso tempo de cativeiro. Desde a distribuição das tarefas até que música iríamos ouvir, tudo foi motivo de discussão. Mas é incrível a capacidade de adaptação humana. As coisas foram se acalmando e essa virou a nossa nova vida.
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Deve ter sido assim para muita gente. Ou não. Se essa pandemia nos igualou de algum modo, por outro lado potencializou nossas diferenças nas múltiplas maneiras de se lidar com ela. A começar pela brutal injustiça de nossas diferenças sociais que estão aí, escancarada, para quem quiser ver. Gente que não tem casa ouvindo “fique em casa” e gente que não tem água ouvindo “lave as mãos”, enquanto vamos ouvindo os nossos podcasts tentando descobrir maneiras de lidar com isso tudo. Mas estou falando das diferenças particulares, íntimas, dentro de cada casa, cada família e sua maneira de lidar com o desconhecido. Uma riqueza.
Conosco, tem sido assim. Há três meses não saímos de casa. Elegemos um de nós, meu marido, para as compras. Aos poucos, tudo foi entrando nos eixos, temos uma rotina de almoço e jantar, divisão de tarefas domésticas e o dia de cada um escolher a música. Me pergunto o que aconteceu exatamente para nos acalmar. Bom, estamos numa casa, e isso já nos diferencia de muitas famílias. Temos sol, um privilégio. Talvez possa ser ele. Estabelecemos um canto para cada um estar no seu computador, fazendo suas coisas, pequenos oásis de paz. Comecei a achar que fones de ouvido são mesmo uma grande invenção.
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Ainda não inventaram, porém, o cone do silêncio. Ganharia dinheiro quem o inventasse nesses tempos. Tudo que se fala, quase toda a casa ouve. Não dá para cantar lavando louça. Já tentei. “Mamãe! Para de cantar!” Canto de vez em quando no chuveiro, ignorando algum possível grito de censura. Porque há que se cantar um pouco. Ainda mais com tantos males para espantar.
Os dias passaram iguais, sem número, sem urgência, até que fomos nos adaptando também à necessidade de encontrar meios de trabalhar em casa. Muitas reuniões por Zoom. E agora inventamos um programinha para o YouTube, para dar vazão às nossas inquietudes de quarentena e achar uma brecha para exercer o nosso ofício, que não sabe como recomeçar. Pequenas tentativas para inventar o futuro. Estamos gravando em nossa casa. Chama-se Horas em Casa e pode ser visto no nosso novo canal Eu de Você no YouTube. Luiz, meu marido, dirige, Pedro opera a câmera e eu faço como posso meu trabalho de atriz. Tem sido bonito. Se não fosse a insegurança dos tempos futuros, talvez, de vez em quando, eu até esquecesse que não posso sair.
Criamos uma família-comunidade, uma pequena cidade, e é dela que precisamos cuidar agora. Um dia após o outro. Nem sempre um mar de rosas, tampouco ciclones diários. Vamos indo assim.
No outro dia, o Pedro nos disse que ia sentir saudade da quarentena. Sorri. No meio dessa tragédia que assola o mundo, temos conseguido achar nossas riquezas. Um privilégio.
DENISE FRAGA É ATRIZ, CASADA COM O DIRETOR LUIZ VILLAÇA E MÃE DE NINO, 21 ANOS, E PEDRO, 19
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from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Denise-Fraga/noticia/2020/10/denise-fraga-criamos-uma-familia-comunidade.html