Para uma sociedade machista, já avançamos muito nos debates sobre a paternidade responsável. Afinal, num país em que quase 6 milhões de crianças não têm o nome do pai na certidão de nascimento, já entendemos que ser pai não é “ajudar”, não é somente cuidar do filho quando nos é possível ou confortável. A paternidade é um contrato assumido com a eternidade, que vai ganhando eficácia com a intimidade construída no cotidiano mais óbvio dos dias. Somos pais não somente quando os filhos estão tranquilos e colaborativos, mas também devemos ser quando estamos exaustos, e os filhos estão inquietos e estranhos, fazendo com que sintamos que não conseguimos ajudá-los. A paternidade é uma delícia que não se vive em sua grandeza possível caso não aceitemos abraçar o seu lado dolorido.
Sigamos, então, num processo de evolução dos debates. Os pais que queremos para os filhos deste país são aqueles que abraçam a jornada como uma travessia transformadora. Pais que lidam com o seu ofício como um “resto”, “o que dá”, “o possível dentro das minhas possibilidades” ainda não entenderam completamente a questão. Há que se transformar o centro da vida para a criação dos filhos. Não é simples. Quando assumimos os filhos como prioridade, a conta deixa de fechar com a tranquilidade de antes. A angústia que surge é: como fazer da vida um lugar de coerência se eu digo que meu filho é minha prioridade, mas ele ocupa a periferia do meu tempo e dos meus dias? Como explicar para o meu chefe essa decisão? O que preciso fazer para levar para meu lugar de trabalho um debate sobre meu desejo (e não obrigação) de querer ir ao pediatra, à festa da escola, ao judô do meu filho? Como fazer o mundo entender que eu quero mais, muito mais da vida nesse aspecto?
Deixemos para setembro, outubro, novembro e dezembro novas pautas para debates sobre paternidade em escolas, empresas, comerciais e jornais. Continuar a tratar a paternidade como um tema exclusivo do mês de agosto é assumir que pode ser apenas um aposto, um resto, um canto da identidade masculina na família. E esse é o erro que as gerações anteriores já cometeram, e cujos prejuízos estamos fartos de saber. Paternidade é exercida o ano inteiro. Que debates sua família, escola ou empresa podem construir sobre o papel do pai neste mês? Qual o efeito das palavras bonitas de agosto sobre a sua paternidade no resto do ano? Se o pai precisa aprender a ser presença, o lugar do calendário para as conversas sobre ele existirem é um longo círculo que faz o contorno do mês de janeiro ao mês de dezembro. E que agosto deixe de ser o símbolo do mês do desgosto, com as marcas bissextas das ausências paternas na história de tantas crianças brasileiras.
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