Ao procurar uma escola, os pais se deparam com diferentes métodos de ensino para crianças. Você já ouviu falar em abordagem Pikler de educação infantil? Essa foi a escolha da apresentadora e colunista da CRESCER Rafa Brites, para a primeira escola de seu filho, Rocco, 1 ano. Ainda recente no Brasil (veja a linha do tempo abaixo) ela surgiu logo após a Segunda Guerra Mundial (1946) quando a pediatra húngara Emmi Pikler foi convidada para implementar um abrigo para bebês e crianças órfãs da guerra ou separadas de suas famílias. Na verdade, a abordagem não é considerada um método, mas sim uma concepção da primeira infância.
Embasada no cuidado com a saúde física e no respeito à individualidade da criança, a abordagem Pikler tem como princípio a relação entre mãe/educadora e bebê e o desenvolvimento por meio da autonomia e do brincar livre, geralmente aplicada durante os três primeiros anos de vida. “É a criança, aliás, que nos diz qual caminho deverá ser seguido com ela. O papel dos educadores é acompanhar e respeitar a individualidade e a necessidade delas”, diz a psicóloga Líria Valverde Knutti, que é diretora da Essencial Creche Escola (RJ) e integra a Rede Pikler Brasil e a Comissão Organizadora do I Encontro Nacional da Abordagem Pikler.
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Recentemente, Rafa Brites, contou em post nas redes sociais que a escola escolhida pela família para o filho Rocco, 1 ano e 4 meses, se baseia nos estudos de Emmi Pikler. Ela também falou sobre a fase da adaptação escolar e a importância de incentivar a independência dos filhos.
"Meu coração não aguenta ver ele assim de uniforme. Por mim, ficaria até os 2 anos em casa, mas com 1.4 quando o vejo batendo na porta da frente, querendo sair, chorando quando algum amigo que vem na nossa casa vai embora, interagindo com todos que passam, percebi que não devo olhar para mim para decidir o que devo fazer por ele, e sim ler o que ele precisa e em que estágio ele está. Com esse pensamento, escolhi uma escolinha que se baseia nos estudos de Emmi Pikler (quem se interessar pesquisa). [...] Quando sinto que preciso pego no colo e abraço, se ele vem com um choro muito desesperado coloco a mão no peitinho dele e peço que respire fundo, outras vezes, quando ele me procura só por curiosidade apenas finjo que nada aconteceu e sigo lendo meu livro. É muito importante não valorizamos essa dependência.” - disse Rafa Brites em post na rede social.
Ela recebeu mais de 2 mil comentários de mães, alguns demonstrando identificação com a escolha e outras querendo saber mais sobre a abordagem Pikler.
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Em entrevista exclusiva para a CRESCER, ela contou como chegou a essa decisão:
O que foi levado em consideração ao escolher a aborgabem Pikler e não outros métodos para esse início da vida escolar do Rocco?
Quando se fala em escola, mais do que escolher um método que seja bonito na teoria, é importante ter boas referências, ouvir mães e pais em quem você confia e que vivenciam esse método e essa escola - até porque, na teoria, todas as escolas que você for conhecer se mostrarão muito boas, mas, na prática, é outra coisa. Quem me apresentou a abordagem Pikler foram dois grandes amigos: o ator Rafael Cardoso e a Mariana Bridi, que têm a filha Aurora numa escola assim.
O que mais chamou sua atenção na escola e que foi decisivo para a escolha?
Foi marcante para mim o fato de que, logo ao entrar na escola, senti aquele cheirinho de comidinha caseira, feita com afeto, sabe? Também vi que os professores tinham uma boa bagagem e são pessoas mais experientes, que têm mais paciência com crianças. Acredito que as pessoas que trabalham na escola importam tanto ou mais do que se ela é uma escola famosa ou não porque aquelas são as pessoas que vão cuidar do seu filho enquanto ele estiver ali.
Sua ideia inicial era colocar o Rocco na escola com 2 anos. O que contou para adiantar esse prazo?
Apesar de ter definido os 2 anos como uma boa idade para o Rocco começar a ir para a escola, sempre tive em mente que eu ia acompanhar o desenvolvimento individual dele e, quando visse que ele estava pronto para isso, seria algo que aconteceria naturalmente. Não gosto de seguir estatísticas. Acho que cada ser humano tem seu desenvolvimento em determinado momento. Uma criança vai comer sozinha mais cedo, outra mais tarde. Uma vai andar mais cedo, outra mais tarde. E a escola escolhida tem essa mesma visão. Então, quando ele fez 1 ano e 4 meses, eu já via que ele queria um contato social maior, ele queria ficar perto das crianças, chorava quando elas precisavam ir embora. Enfim, era hora de viver essa experiência.
E sobre a fase de adaptação? O que mais chamou sua atenção na escola?
Foi o fato de a escola não ter dias pré-estabelecidos para fazer a adaptação. Se a criança, por exemplo, é apegada à mãe, fica no peito, eles vão deixar mais tempo a mãe por perto... É justamente essa “leitura” da criança que eles fazem. Quando o Rocco chora, eu apareço, mostro que ele pode se sentir seguro.
O que você diria para as mães e pais que estão com filhos na fase da adaptação escolar?
Minha dica é que eles tenham paciência, observem o filho para entender o que ele precisa naquele momento e, principalmente, encoraje-o a fazer novas descobertas. Muitas vezes, aquele “quero a mamãe”, “quero o papai”, que tanto achamos lindo e gostamos de ouvir, significa um apego que, na verdade, é muito maior da nossa parte. E é bom deixar que nossos filhos tenham contato com outras pessoas. Essa demonstração de dependência nem sempre é tão boa. Eu senti que o Rocco estava pedindo essa independência. Mostre ao seu filho que ir para escola é algo bom, dê a ele a segurança de que você estará por perto, que sempre voltará para busca-lo. Acho que isso faz a diferença.
A pediatra húngara que dá nome à abordagem desenvolveu um extenso trabalho de acompanhamento de famílias, consultas domiciliares e observação de bebês. Ela teve, então, a oportunidade de compreender de perto o que de fato era importante para que as crianças de até três anos vivenciassem um ambiente familiar em que pudessem se desenvolver de forma saudável. Desde então a abordagem, que já tem mais de setenta anos de trabalho, apresenta diferentes maneiras de atender bebês e crianças, levando em conta um olhar simples, mas que na verdade foi muito bem pensado e faz parte de uma complexa engrenagem. “Ela foi desenvolvida para profissionais que atuam em ambientes coletivos, inicialmente abrigos, e,desde então, essa concepção de primeira infância foi se instaurando em espaços de educação como creches, berçários, maternidades, etc”, conta Líria.
Na prática, as escolas que se inspiram na abordagem Pikler tratam cuidados rotineiros, como a troca de fraldas e alimentação, de forma bastante individualizada, levando em conta a fase do desenvolvimento da criança. Desconstrói-se a ideia de que o grupo precisa fazer todas as atividades juntas e ao mesmo tempo. Cada cuidador tem um grupo específico de crianças, que são sempre cuidadas e alimentadas por ele. Nos momentos de brincar livre, por exemplo, ele fica presente, mas sem interferir nas explorações espontâneas da criança.
Disseminação da abordagem
Os estudos da Emmi Pikler chegaram na América do Sul em 1980. Sua primeira aplicação no Brasil foi em São Paulo, em 1992. Apesar de se tornar cada vez mais conhecida, ainda há educadores – inclusive que atuam com crianças de 0 a 3, faixa atendida pela abordagem – que a desconhecem. A Rede Pikler Brasil está se organizando internamente para difundir os estudos no país. Um regimento está sendo estudado e, em agosto, vai acontecer o I Encontro Nacional sobre o assunto, no Rio de Janeiro.
Os membros da Comissão da Rede Pikler caminham com cautela na divulgação das práticas, pois temem que os princípios piklerianos virem modismo. Segundo eles, o fato de uma escola ser equipada com móveis funcionais, utilizados para deixar o bebê no chão desde muito cedo, não fazem dela uma escola baseada nos princípios de Pikler. Por isso, existe uma comissão de ética atenta aos cursos e palestras que surgem na internet. “Na medida do possível, conversamos e tentamos alertar para alguns equívocos. A internet está lotada de representações 'fofas' de crianças pequenas. Nós respeitamos os bebês como seres competentes e capazes de fazer o seu 'trabalho de bebê'. A simples imitação de ações de adultos não constituiu uma pessoa”, reforçam os membros da Rede Pikler Brasil.
from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Pais-famosos/noticia/2018/07/abordagem-pikler-como-funcionam-escolas-que-seguem-esse-tipo-de-educacao-infantil.html