Tornar-se mãe é embarcar em uma jornada sem a possibilidade de volta. Sem volta para o tempo que você tinha. Sem volta para a tranquilidade de passar um fim de semana inteiro deitada no sofá, revezando entre cochilo e filme. Sem volta para a liberdade de fazer o que der na telha, a hora que for. Sem volta para poder sair de casa levando seu coração e mente inteiros com você. Sem volta para a vida perfeitamente planejada e dentro dos conformes. Sem volta para a sensação de controle absoluto. Sem volta para soluções milimetricamente perfeitas. Sem volta para pensar em você e para o tempo que sobra. Sem volta, minhas amigas. Sem volta para ser exatamente quem você era antes.
Eu sei, a primeira impressão ao ler essas palavras pode ser a de que a maternidade é ruim, como uma espécie de prisão. Ou, até, como se a vida, tal e qual você a conhece, caminhasse para o fim, enquanto você está grávida. Mas, olha, não vá embora. Fique comigo e leia até o fim. Garanto que não é nada disso. Ao vivenciar essa experiência, percebemos que há beleza em não poder voltar, ainda que a conclusão chegue a duras penas.
A questão é que não ter volta faz a viagem ser a melhor de todas. Uma jornada que nos tira imediatamente da superfície segura e nos obriga a embarcar de corpo inteiro e de braços abertos rumo ao desconhecido. Ao encontro da nossa luz e a nossa sombra. E isso, de certa forma, dói, mas, ao mesmo tempo, é transformador.
A impossibilidade de retorno é não ter escolha e ter de caminhar mesmo com dúvida, medo ou insegurança. É não ter mais possibilidade de ser egoísta, é se emocionar com histórias que antes não chamavam a nossa atenção. É entendermos os nossos pais.
Uma vez que não voltamos, queremos perdoar tudo. Notamos o coração inundado de empatia e solidariedade – inclusive umas pelas outras. Nos importamos cada vez menos com o que os outros falam ou pensam. Aprendemos a ser mais seletivas e a valorizar as coisas simples, inclusive em meio ao caos. Descobrimos a preciosidade do tempo, da família e das verdadeiras amizades.
Viramos experts em entender um bebê que não fala uma palavra sequer, ou em acolher com amor um adolescente que diz que não nos quer por perto. Encontramos um jeito, nem sei como, de nos desdobrar em mil sem intenção nenhuma de querer algo em troca.
Percebemos o que significa ser a luz, a paz, o abraço e a casa de um outro alguém. Conhecemos a maravilha e a responsabilidade de ser um mundo com infinitas possibilidades. Provamos o poder surpreendente do instinto.
O grande barato sobre ser mãe é perceber que tudo aquilo que não tem volta perde completamente o sentido diante do mergulho em direção à nossa essência. Um salto que nos faz corajosas, fortes, amadurecidas, inteiras e melhores. À primeira vista, a missão de cuidar de um outro ser humano pode até parecer uma amarra, mas, na verdade, é o caminho que nos leva ao encontro da nossa mais genuína liberdade.
Thaís Vilarinho é fonoaudióloga e escritora. É mãe do Matheus, 11, e do Thomás, 9. Autora dos livros Mãe Fora da Caixa, Mãe recém-nascida e do infantil Deixa eu te contar...
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