Lendo o livro Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais, de Jaron Lanier, reforçou-se uma nova angústia em mim, como se já não bastassem as angústias normais da nossa pandemia de todo dia. Algumas frases martelaram na cabeça, uma delas foi: “Somos uma geração de pessoas que cresceram dentro de um contexto em que a comunicação e o sentido de cultura estão atrelados à manipulação”. Ou outra, como: “O produto das redes sociais é uma gradativa, leve e imperceptível mudança em nosso comportamento e percepção”.
Naturalmente, como pai, olho para o lado e vejo meus filhos em frente às telas. Vou passando pela memória a forma de eles e de outras crianças conquistarem as coisas e percebo que, assim como nós, adultos, eles vão dando o exemplo de que qualquer manipulação vale a pena se for para que seu ponto de vista vença. Crio mais um sobressalto: será que o autor do livro está certo e nunca mais devemos entrar nas redes sociais? Ainda não consigo dar esse passo, mas com certeza fico muito mais atento ao tempo do meu filho em frente às redes de diálogo deles que, no caso, são os jogos. Em alguns jogos eles organizam e movimentam cidades e, ao vê-los nessas brincadeiras, percebi que isso se transformou numa transposição do que eles não podem viver agora, ou seja, estar nas ruas, interagindo com pessoas, visitando lugares...
Fico próximo e converso com eles, é o passo que me parece mais possível nesse momento. Escutá-los, conversar para criar senso crítico, lembrar dos valores éticos, para que, estando dentro da telas, eles tenham esses valores firmes para conseguir lidar com elas. Não é uma certeza, porque sinto que essas mudanças já aconteceram na nossa cultura, e estamos atolados nela, por isso, precisamos ficar atentos. Outro alerta que sugiro é o de valorização de frases e gestos espontâneos que nossas crianças produzem e que, no geral, não vêm de nós, pais e mães. Maria esta semana me trouxe duas frases que fiz questão de ressaltar. Na hora de dormir ela falava, pulava, pulava, pulava... e eu, angustiado já, querendo que ela dormisse para também pegar no sono, depois de ter lido duas histórias e inventado mais uma disse: filha, por que você não para para descansar? Ela sabiamente me respondeu: ‘porque a vida é curta, pai’.
No dia seguinte, passei horas conversando com ela sobre a frase que ela mesma produziu numa situação perfeita. No final da conversa, ela disse: ‘Eu sei, ué! É porque eu vi, ué. Meu nome é Maria, ué!’. E ela mesma diz: ‘Nossa! Como eu estou na fase do ué’. Dou uma gargalhada. João espontaneamente diz: ‘Ih! Já chega de tablet, queria assistir a um filme mais tarde. Vamos fazer pipoca e assistir ao filme?’. ‘Claro’, valorizei. Falei de equilíbrio, e usei tantos palavrórios que até hoje não sei se ele entendeu bem o que falei. Mas sigo aqui, cumprindo a minha tarefa. Sentamos para ver o filme e Maria produziu a frase perfeita para conduzir os meus próximos passos nessa reflexão sobre a nossa cultura de manipulação e de desvalorização dos fatos: ‘Depois daqui, João, vamos correr só de calcinha e cueca?’. Aí eu disse: ‘O que é isso, menina?’. E ela respondeu: ‘é bom não ficar olhando para nada da tela. A gente precisa de liberdade, liberdade é boa, ué!’.
Mantenham as suas cabeças livres.
Lázaro Ramos é ator, apresentador, diretor e escritor, casado com a atriz Taís Araujo e pai de João Vicente, 8 anos, e Maria Antônia, 5.
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