Depois desses meses virtuais (surreais) de vivência escolar, aprendi coisas que, julgo, serão essenciais para esse “futuro” que nos chega. A escola já se prepara para incorporar de maneira definitiva a linguagem virtual, mas deve refletir sobre os processos que nos levarão a um trabalho de qualidade e com sentido para as crianças, famílias, professores e escola.
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É importante que nos debrucemos sobre o que mais se reivindica das crianças: concentração e atenção. É preciso ressignificar esses dois conceitos para habitarmos o virtual sem estresse. Porque eles estão ligados a outra noção importante, que são a intimidade e a coletividade. Explico-me: a intimidade se constrói no âmbito do lar. A coletividade está ancorada nas experiências da intimidade e “põe” a roda da pessoalidade para girar. Intimidade é uma construção “caseira”, e a coletividade é uma construção da experiência so- cial da escola. Essa dança entre uma e outra constitui um alicerce em nós. É na união entre casa e escola que o sujeito nasce, se consolida, alcança o mundo para transformá-lo.
Mas como fica isso no campo da virtualidade? Não fica. Sabe quando perguntamos aos nossos filhos como foi a escola e eles nos respondem “bem” e nada mais? É nesse momento que afirmam que há algo na vida que é só deles. Agora, no virtual, com a nossa presença no grupo onde praticam a coletividade, com nosso olhar vigilante, que quer entender a matéria para explicar, que cobra atenção, temos invadido o espaço da coletividade deles. E, do outro lado, a escola entra na casa, na vida íntima das crianças, transforma o que era diversão (a TV, os brinquedos...) em distração, invade o lado da pessoalidade. Rompemos o jogo entre coletividade e pessoalidade.
Daí, vem a história da atenção e da concentração. Criança aprende ressoando no corpo suas emoções. No computador, só veem cabeças, só se veem como cabeças. Se somem da tela, logo são chamadas para “prestarem atenção”. Atenção, aqui, já não é mais escuta, reflexão, é concordância, presença de cabeça. E a concentração? Bem, ela já é difícil de acontecer de forma linear nos contextos presenciais tamanho são os estímulos que as crianças recebem! Imagine diante de um computador em casa?
Dito isso, nossa missão como educadores e como pais é criar rotinas e estratégias que afirmem o espaço interno do aprender. Respeitando tempos, limites, interesses. Atenção e concentração não são sinais de aprendizado. Não no online. Então, reconheça os tempos das crianças. Deixem-nas se movimentarem, deslizarem pelas cadeiras, desenharem suas abstrações, se perderem nas leituras, se desorganizarem nas contas. O esforço é gigantesco e elas só querem que o convite para a volta seja respeitoso e valorize cada segundo diante dos computadores. Aqui, quanto mais se valoriza, mais se aprende. No mais, estamos aprendendo. Estamos num gerundismo, tentando nos entender, reconhecendo processos, aprendendo com os erros e desenhando o nosso futuro.
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MARCELO CUNHA BUENO É UM EDUCADOR APAIXONADO PELA INFÂNCIA. É PAI DO ENRIQUE, 9 ANOS. DIRETOR DA ESCOLA ESTILO DE APRENDER, AUTOR DOS LIVROS SOPA DE PAI E NO CHÃO DA ESCOLA: POR UMA INFÂNCIA QUE VOA
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from Crescer https://revistacrescer.globo.com/Colunistas/Marcelo-Cunha-Bueno-Chao-de-escola/noticia/2020/10/marcelo-cunha-ensino-virtual-atencao-e-concentracao-nao-sao-sinais-de-aprendizado.html